sexta-feira, 23 de março de 2018

Bem amigos


Bem amigos

 

          Bem amigos da Rede Bobo, estamos aqui para mais uma decisão de campeonato eletrizante. O jogo promete e a torcida, que lota o estádio, está eufórica. Mais de 200 milhões de pagantes nesse que é o maior público de todo o campeonato. O Supremo Futebol Clube está sem ganhar campeonato há vários anos e a expectativa de uma conquista é eminente. Esperamos que as regras sejam cumpridas e o jogo transcorra de acordo com o fair play. Os times se alinham para entrar no campo e passam ao lado da tão cobiçada taça. Imponente, majestosa, com letras douradas grafadas na base: HC Honor Championship. O campeonato da honra. Os jogadores passam ao seu lado admirando sua imperiosidade. Quem a levará para casa hoje? Só após os 90 minutos saberemos. Os times neste momento escutam o hino nacional e iniciam os cumprimentos. Compridos cumprimentos. É muito “vossa excelência” para pouca excelência. Finalmente cada time se posta do seu lado do campo e o juiz zera o cronômetro. E... está valendo!

 

          O jogo começa quente com uma tentativa de questão de ordem na canela que é logo barrada pelo capitão do Supremo Futebol Clube. Os jogadores se levantam do campo e fingem que nada aconteceu. Afinal são todos colegas e não vai ser uma questãozinha de ordem que vai melindrar o jogo. A bola é passada de pé em pé. Os jogadores parecem estar numa letargia contagiante. Ficam excessivamente com a bola no pé. É muita individualidade para pouco coletivo. Parece que nem treinaram. Tocam para o lado e fingem que o cronômetro está parado. Vamos gente! O tempo vai acabar! Bola para frente! Eis que numa dividida dois jogadores do mesmo time se desentenderam. Ihhh o clima fechou. É um xingamento só. Aqui do alto da cabine de transmissão escuto palavras de baixo calão. Parece que escutei até “mau sentimento”, “mau secreto”. Que é isso minha gente?! Nunca, em toda minha carreira, tinha ouvido tão fortes palavras em jogo tão formal. A torcida vai ao delírio. Chamam o juiz de ladrão. Os juízes na verdade. Mas o jogo se reinicia e a bola continua de pé em pé.

 

Quando é fé se aproximam da área. Um jogador tocando para o outro. Está bonito. A torcida fica de pé. Os gritos de “chuta para o gol” ensurdecem o estádio. Estão dentro da grande área. Preparando para o chute. O goleiro adversário já está no chão. Não vai sair nem na foto. É agora! Vai chutar. Opa. Parece que houve uma divergência entre os jogadores. Pararam para discutir alguma coisa. Gente! O gol! Chuta! A torcida parece não entender. Gritam. Mas nada comove os jogadores em campo. Numa atitude inusitada resolvem não chutar. Acordaram que jogo seja adiado?! Que é isso?! A torcida arranca as cadeiras do estádio e lança ao campo. “Bando de comprados!!!” vociferam. Mas nada comove os jogadores. Neste momento presencio algo inimaginável quando do início do jogo. A bola ali solitária na marca da cal e os jogadores saindo de campo abraçados. O estádio vem abaixo. Uma gritaria ensurdecedora. Mas nada muda. As luzes do estádio começam a se apagar e a torcida visivelmente decepcionada começa a ir embora. Esperam o próximo jogo. Esperam. E enquanto esperam entram nossos anunciantes porque precisamos faturar. Mas não saiam daí porque a seguir teremos novela e o BBB! Hoje tem paredão e eliminação. Eu não disse prisão. Disse e-l-i-m-i-n-a-ç-ã-o. Rede Bobo e você! Tudo a haver!

               

 

 

 Guilherme Augusto Santana

Goiânia, quarta feira 23 de março de 2018

sexta-feira, 16 de março de 2018

Perdemos


Perdemos

 

É tanta coisa junta misturada que chego a achar que estamos enlouquecendo. Se não bastassem os rótulos pululando na frente de nossos olhos, ainda temos as redes sociais a servir de caixa de eco para toda essa balburdia. Chego a acreditar que perdemos a razão. E pior ainda: chego a achar que perdemos a sensibilidade. As duas coisas que nos tornam seres racionais. Prelazia da Criação. Mas de instinto estamos abarrotados. Saltam aos olhos. Escorrem pelas bocas. Saem pelos poros. Exatamente aquilo que nos aproxima dos animais irracionais. Deixamos de ser seres inteligentes e passamos a não ser. Não ser humanos.

Perde a razão quem classifica seu interlocutor de burro. Somos frutos de conceitos e vivências que colhemos na vida. Cada um no seu quadrado. E se quero convencer o outro a olhar o meu quadrado, menosprezar o dele é burrice. Minha.

Perde a sensibilidade quem usa a trágica morte para palanquear. Seja ideologicamente ou politicamente. Perdeu. Arrancou do peito a razão de viver de quem se foi e de quem ficou. Puxou junto o gatilho. Ficará sozinho na retórica vazia do palanque sem sentido.

Perde a razão quem compara alhos com bugalhos. Pesa a vida humana na base da troca. Esse vale mais que aquele e por isso aquele vale menos ainda. Visão míope de quem não enxerga a individualidade e a coletividade. Uma coisa não exclui a outra. Todas têm importância. Todos temos importância.

Perde a sensibilidade quem menospreza a dor alheia. Motivo que deveria servir de abraço. Afago. Porque suportar a perda sozinho é ver morrer qualquer esperança de vida. É matar quem continua vivo.

Ao final, vendo esse borbulhar de incoerências, gritos, intempestividades, disputas, vejo que perdemos todos. Sinto e penso que perderam os que foram, e também os que ficaram. E talvez seja isso que falte diante dessa cena dantesca. Utilizar o que ganhamos de presente para nos distinguir. Que tal pensarmos sobre o assunto? Sinto que pode funcionar.

 

Guilherme Augusto Santana

16/03/2018
santanagui@hotmail.com