sexta-feira, 3 de junho de 2011

Obituário

Constantando as fraquezas humanas


Obituário

É com muito pesar que anuncio a todos os familiares e amigos o falecimento de Liz Baby, aos 13 anos de vida canina (70 anos o correspondente humano), vítima de complicações renais. Não deixa herança nem testamento, somente suas duas crias, Bia e Zulu (paradeiro desconhecido). O enterro foi realizado na reserva florestal do Complexo Vale do Cerrado, onde poderá enfim descansar em paz. A família aproveita a ocasião para agradecer as pessoas que olharam por ela nesse momento final, principalmente as dras. Luíza e Elisa, que dispensaram todos os esforços para que seu final fosse o mais suave possível.
Liz Baby
11/04/1996 – 01/09/2009

Quando levava a caixa em que jazia o corpo da pequena para seu destino final, começou a tocar a música de Beto Guedes que fala da chegada da primavera. Percebi que realmente tínhamos entrado em setembro e que o início da estação das flores se aproximava. Lembrei-me de outra crônica que havia escrito por ocasião do nascimento de Helena, e me preocupei em como daria a notícia do óbito para essa pequena. Foi nesse momento que me dei conta de que realmente não estamos preparados para a morte e que, muito menos ainda, não estamos preparados para contar a nossos pequenos sobre a morte. Tentei imaginar como funcionaria seus pensamentos quando desse a notícia e de como deveria ser minha conduta diante de sua reação. Deveria estar preparado para todas as atitudes possíveis, desde um desdenho até uma comoção histérica. A questão era exatamente essa. Será que eu estava preparado? Será que alguém está preparado para dizer a uma criança de 4 anos que seu bichinho de estimação morreu? E como dar a notícia sem estar preparado para as inevitáveis perguntas: O que é morrer? Ela não vai mais voltar? Para onde ela vai depois que morre? Foi nesse momento que realmente cheguei à trágica conclusão de que a nossa cultura ocidental bloqueia completamente a capacidade de entender a morte como algo natural. Como não passar esse temor para a pequena? Poderia dizer que ela (a cadela) estava velha e que já estava na hora de morrer, mas conseguiria depois conter suas lágrimas ao imaginar que sua bisavó também estava velhinha e que iria morrer também? E como explicar que as pessoas novas também morrem? Poderia simplesmente ignorar o fato e ir levando “de barriga” o assunto até que ela esquecesse. Agindo assim eu não estaria fugindo da responsabilidade de educador e colocando minha filha em uma redoma de vidro isolada dos fatos da vida? E quando ela descobrisse poderia me acusar de omissão. Ela estava realmente preparada para passar por essa situação de privação? Será que alguém está? Será que a vida espera as pessoas se prepararem para as intempéries para poder mandá-las? No fundo, bem no fundo a vontade que tive naquele momento foi de esconder-me. Senti-me um impotente sem a capacitação necessária para poder dar uma notícia a minha filha. Alguém tem a resposta?
  Nesse momento, ainda redigindo essa crônica, penso não ter a solução imediata para o problema. O que me resta é o afeto. Lançarei mão desse recurso. Um abraço apertado. Sinceridade nas palavras e ausência delas quando não forem necessárias. Se as lágrimas teimarem em rolar, que rolem. Afinal a vida é feita de momentos. Alguns alegres, outros tristes. Penso que o segredo é recordar sempre dos alegres. Espero que ela entenda a minha fraqueza de ser humano e minha limitação como pai.
Guilherme Augusto Santana
 01/09/2009

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Miolo de Pote

Segue uma das antigonas. Essa crônica foi escrita em memoria de uma grande amiga que nos deixou. Impressionante notar como alguns assuntos não se tornam obsloletos.
Espero que gostem.


MIOLO DE POTE

                Hoje a crônica vai ser bem light. Não quero escrever nada sério. Não teremos problemas econômicos, políticos, avestruz ou críticas ao Presidente Lula... se bem que o Presidente não anda nada sério, mas deixa quieto. E também não falarei da minha filha Helena, se bem que como diz minha amiga Renata Preta: é difícil deixar os filhos de fora do assunto. Portanto hoje, quem quiser ler alguma coisa de “sustância”, como se diz na roça, esqueça. Vá ler a Folha de São Paulo ou assistir o Globo News. A crônica de hoje é em homenagem a uma pessoa que não está mais entre nós, que recentemente foi cumprir seu processo de evolução ao lado de Deus. Minha ex sogra Nilma Leandro e Leandro, era uma pessoa digna de ser chamada otimista e guardava dentro de si uma força vital que poucas vezes vi em uma pessoa, e olha que sogra é difícil falar bem, quanto mais ex sogra, mas ela era muito especial. Mas lembrei-me dela para puxar o assunto da Crônica. Ela se dizia especialista em uma modalidade de assunto que abordarei hoje: o miolo de pote! Conversa fiada, sem proveito, a toa, sem pretensão, conversa fora, de boteco, conversa sem dor, melancolia ou finalidade; conversa só.
               
Existe uma música interpretada pela Adriana Partimpim, vulgo Adriana Calcanhoto, que relata as perguntas que as crianças fazem aos adultos quando chega aquela fase dos porquês. Esta música, se não me engano muito, foi feita para o filho da Paula Toller, que se chama Gabriel. Aí vocês vão me perguntar como eu sei disso. Aí eu respondo que esta canção é uma das preferidas da Helena para dormir, portanto é das poucas músicas que ando escutando ultimamente. E eu que falei que não ia tocar no nome da pequena filha. Mas pai é pai. “Alilás” ela está cada dia mais linda... mas a música se chama, obviamente, Gabriel e retrata aqueles questionamentos que as crianças, na sua ingenuidade do mundo, têm curiosidade de saber. Só para não deixar vocês na curiosidade vou citar algumas. São perguntas tipo da onde saem os bebês, porque os dedos enrugam quando se toma banho, como se escreve Reveillon, e outras pérolas do vasto repertório das crianças. Algumas até que os adultos teriam curiosidade de perguntar, mas não o fazem porque não podem admitir a ignorância. Eu mesmo só fui aprender a escrever Reveillon depois de velho.
               
Aí eu fiquei pensando: que perguntas, nós adultos, gostaríamos de fazer e temos vergonha ou receio de sermos mal interpretados? Se tivéssemos a ingenuidade das crianças quais porquês estaríamos provocando? Como só posso responder por mim, vou dizer alguns. Por exemplo, aproveitando a chegada do Natal, pergunto a vocês: Se os anos da era moderna começaram a ser contados depois do nascimento de Jesus Cristo por que o ano não começa no dia 25 de Dezembro, data de seu nascimento, e sim começa uma semana depois? Tudo bem que esta semana é totalmente inútil afinal ninguém faz nada entre o Natal e o Reveillon, mas tecnicamente está errado. Por quê? Outra dúvida. Se Eva surgiu da costela de Adão, todas as mulheres não deveriam surgir das costelas dos homens? As minhas ainda estão aqui, todas no lugar. Ta faltando pelo menos uma mulher neste mundo. Por quê? Outra. Se nós do Ocidente, adotamos uma série de costumes do mundo Árabe, como por exemplo, comer quibe, esfirra e coalhada seca, dançar dança do ventre, por que nós também não adotamos a poligamia? Aquela coisa de um marido ter várias esposas. Acho que a minha esposa não vai gostar deste questionamento. Pulemos esta. Outra. Esta é boa. Por que a impressora só dá pau ou acaba a tinta quando você tem um trabalho importante para imprimir? Por que ela não enguiça quando você está imprimindo as receitas da Ana Maria Braga? E agora a última mas não menos importante. Por que o Telê levou o Serginho Chulapa e o Valdir Perez para a copa de 82? Dá para entender? Difícil.
               
Mas em todo caso sei que cada um tem seus questionamentos e dúvidas que sempre quis esclarecer, mas nunca teve coragem de perguntar a ninguém. E alguns que ficam engasgados na garganta a espera do próximo gole de água. Aí eu fico pensando, voltando a minha homenageada desta crônica. Por que as pessoas que a gente gosta têm que morrer? E ainda por que as pessoas boas que a gente gosta têm que morrer mais cedo? A resposta eu não sei. Só sei que é melhor a gente aproveitá-las enquanto podemos. Para depois não precisarmos perguntar por quê.  
               

Guilherme Augusto Santana
Goiânia, 16/12/2005

* Crônica escrita em memória de Nilma Leandro e Leandro.