O
áudio
Ela
estava ali como deveria ser. Uma típica dona de casa. Cuidando dos afazeres
domésticos. Nada estava além do que se poderia esperar. E nem aquém. Vida sem
emoção. Até que escutou o áudio. Meu Deus o áudio! Que pavor. Sentiu aquele
arrepio característico das descargas de adrenalina. Os extraterrestres tinham
invadido a Terra. Em suas naves espaciais pousaram com intenções sabe-se lá
quais. O áudio era nítido. Claro. Estarrecedor. Quanto mais escutava, mais se
arrepiava.
Pensou no marido que estava
viajando. Tentou entrar em contato, mas não conseguiu. Tudo congestionado. Já
deveria ser o início do pânico generalizado. Ou poderiam ser os ET´s causando interferência
para que os humanos se tornassem presas mais fáceis. Lembrou dos filhos que
estavam na escola. Arrepiou-se novamente. Correu ao quarto para se vestir. Não
queria mais ouvir o áudio. Era muito aterrorizador. Pensou em vestir a primeira
roupa e sair. Pensou melhor e decidiu se vestir com a roupa de domingo. Passar
um batom porque se fosse para morrer, seria com classe.
Saiu à rua em desespero.
Destino: escola dos meninos. Queria estar junto dos seus quando o fim chegasse.
Será que seriam desintegrados? Abduzidos? Escravizados? No caminho para a
escola encontrou um antigo amor de infância. Toda vez que ela o encontrava, se
derretia em suspiros. Velados para não chamar a atenção do marido. Lembrava-se
dos beijos fortuitos que davam no cinema. Prometia que um dia voltaria a
beijá-lo. Pois não pensou duas vezes. Num átimo de segundo agarrou-lhe o
pescoço e desmediu um beijo desentope pia. O homem estupefato não sabia o que
fazer e acabou cedendo ao arrobo. Mal acabado o desatino do ato semi obsceno em
via pública, continuou seu trajeto. Passou na porta da mercearia onde devia, e concluído
que o mundo iria acabar, entrou e, aos gritos, disse ao proprietário que não
iria saldar a dívida. Emendou com ofensas a honestidade do cidadão da mercearia
e com desconfiança em relação à qualidade dos produtos que ele vendia. Tinha
tempo que ela queria falar aquelas coisas. Vomitou. E continuou seu caminho. O
áudio não lhe saia da mente. Apressou o passo.
Na porta da escola encontrou
mães de alunos. Já que estava na vertente “sincerismo”, desatou a falar as suas
verdades. Criticou uma que se intrometia em tudo. Falou da outra que usava
roupas indecentes. Vociferou de outra que traia o marido com o jardineiro.
Palavras que há tempos guardava consigo saíram tal cachoeira em garganta
estreita. Mal deu tempo para a reação das ofendidas, entrou na escola aos
gritos de que estavam sofrendo uma invasão alienígena e passou a mão nos seus
filhos puxando-os para fora da escola. Os pequenos foram sendo arrastados pelas
ruas enquanto a mãe gritava palavras de horror.
Assim que chegou em casa o
som do áudio enchia a sala. Ela parou e esperou pela notícia cabal do
extermínio total. Foi quando, entre ofegante respiração, escutou Orson Welles,
seu locutor favorito, dizer que toda a narrativa não passava de uma novela de ficção.
Encerrou a transmissão agradecendo a audiência à radio CBS. Ela parou
estarrecida segurando as crianças pela mão. Custou a cair em sim. Custou. Pensou
que não mais sairia de casa naquele ano de 1938. Aliás, chegou a cogitar que
nunca mais sairia de casa. Mas não pelo medo dos extraterrestres.
*
essa é uma estória de ficção que felizmente não acontece mais nos dias de hoje
“A Polícia Militar de Goiás desmentiu, nesta quinta-feira
(23/2), áudios e mensagens que circulam nas redes sociais sobre uma possível
retaliação pela morte do traficante Thiago César de Souza, o Thiago
Topete, que ocorreu durante um confronto em um presídio. De acordo com
essas mensagens, moradores de bairros próximos ao Terminal das Bandeiras
deveriam ficar em alerta para tiroteios. Segundo o comandante da PMGO, estes
áudios são fraudulentos e querem “criar desordem no meio da população”.”
(Jornal Opção – 23/02/2017)
Guilherme
Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 24 de fevereiro de
2017