sexta-feira, 8 de maio de 2020

Desliga e Liga


Desliga e liga

 

Esses dias estava assistindo alguns movimentos sociais pela volta do regime militar no Brasil, quando me lembrei de imediato de um filme do Dwayne “The Rock” Johnson intitulado “arranha-céu” que vi com meus filhos. Preciso antes esclarecer que não estou indicando que assistam o filme. Estou citando-o só por uma questão de linha de raciocínio. Pois bem. No final das contas (dando spoiler) o mundo é salvo de uma explosão com um comando de resetar o sistema. Isso mesmo. O antigo “puxar o fio da tomada”. Na época que assisti o filme recordei-me que essa máxima de desligar e ligar os aparelhos eletrônicos me parecia muito simples, porém de extrema eficácia. Não que isso pudesse ser usado para salvar a humanidade como aludia o filme, mas para salvar grande parte de nossos problemas tecnológicos. Outra coisa que me veio a recordação, era a grande felicidade que ficava quando o método dava certo, e consequentemente não tinha que pesquisar soluções mais complexas ou levar o equipamento ao técnico especializado. Mas aí não tarda a pergunta: O que isso tem a ver com os movimentos pela volta do regime militar? Calma que vem a explicação. Não é assim tão fácil.

          Quando vejo esses movimentos pelo retorno do governo militar e todas as consequências que advêm dele, penso que os brasileiros acham que o país é um aparelho eletrônico. Que basta resetar que volta a funcionar normalmente. Tipo assim. As instituições não estão funcionando direito, o executivo quer julgar, o judiciário quer legislar e o legislativo quer executar. Tudo errado. Solução? Desliga da tomada e religa nossa democracia. Simples assim. Outra figurinha fácil. Nós temos um problema crônico de corrupção no Brasil que está estampado em todos os poderes, e com isso impede o país de avançar rumo as reformas estruturantes e consequente progresso. Mais uma vez qual a solução? Reseta. Como se nesse processo de derrubar e reerguer as instituições da democracia, pudéssemos voltar às configurações de fábrica. Ou pior ainda, como se nesse processo de “desligar” e “religar” pudéssemos resolver todos os problemas seculares do país. Seria fácil se não fosse trágico.

          Tudo isso que foi descrito acima tem um nome: propensão ao fácil. Vejo isso como parte da cultura brasileira. Essa ilusão de que as coisas vão se resolver de uma hora para outra como num passe de mágica. Essa mania de simplificar problemas complexos. Esse engano de achar que um messias descerá do céu e trará a paz e o desenvolvimento que nós merecemos. E com essa propensão em curso as faculdades mentais vão travando, fazendo com que percamos a capacidade de pensar e buscar soluções para nossos problemas complexos. E com essa propensão galopante a vontade do brasileiro vai se esvaindo, nos transformando num exército de zumbis reclamantes à espera de uma solução milagrosa. Trágico esse cenário né? Parece até o filme citado no começo da crônica. Porém, dessa forma que estamos caminhando, não teremos final feliz para esse filme. Mas a solução é fácil?

          Sem esforço não existe conquista. Esse é o resumo de tudo. Mas não é só o esforço no dia a dia com nossos trabalhos e nossa capacidade produtiva, pois isso o brasileiro tem de sobra. Precisamos de esforço para mudarmos conceitos errôneos. Trocar entendimentos tortos que foram se arraigando em nossa cultura como vermes sanguessugas. A propensão ao fácil é uma delas. Entender que temos problemas crônicos em nossa democracia e que eles são complexos. São seculares. Mas são passíveis de solução. Mas que tudo é um processo. Que as mudanças vêm aos poucos através de um esforço coletivo constante. Ou entendemos isso ou vamos ficar igual Sísifo e acabar queimando a nossa máquina de tanto desligar e ligar.                  

         

   

           Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 08 de maio de 2020

sexta-feira, 20 de março de 2020

Tão longe e tão perto


Tão longe e tão perto

 

          Nessa sexta feira chuvosa que pospõe a enchente de São José, sinto-me saindo do exílio. Pode parecer um antagonismo visto que me encontro em quarentena, mas refiro-me ao retorno às crônicas. A libertação das letras apesar da reclusão do corpo. Daria música de Chico. Confesso que esse tempo sem escrever me levou a inúmeras reflexões e exercícios de contenção e de parcimônia. Muitos aprendizados e conclusões. Por inúmeras vezes coçaram os dedos e efervesceu a mente, mas não a ponto de quebrar o ciclo da desintoxicação de opinião. Mas todo ciclo tem seu fim. E seu recomeço. E aí entro no tema da crônica de hoje. Quem é responsável pelo retorno? Qual tema? O afortunado rompedor dos grilões do silêncio. O corona vírus. Ele mesmo. O assunto da vez. Mas gostaria de focar em um ponto específico. Nada de tecnicidades, conjunturas políticas, exageros ou teorias da conspiração. Gostaria de falar sobre a distância e a proximidade em tempos de pandemia. Vocês já notaram o que o isolamento pode provocar nas relações humanas? Observaram o quanto a comunicação digital ficou mais consistente, necessária e cuidadosa? Observaram retornar os telefonemas aos pais, avôs, tios e parentes que há tempos não falávamos? Observaram o quanto o tempo se dilatou? Eu tenho observado. E mais ainda, vocês observaram as modificações nas relações daqueles que estão cumprindo quarentena em conjunto? Digo principalmente pais e filhos, mas se estende a todo conjunto familiar. Surgiram oportunidades de conversas antes adiadas, afazeres em conjunto antes postergados e principalmente atenções antes suprimidas. O moinho do cotidiano muitas vezes transforma em pó a convivência humana. Não essa convivência de trabalho ou proforma dentro de casa. Digo a convivência real. Afetuosa. Simbiótica de humanidade. A solidariedade que brota diante das agruras do vírus se reflete nas relações humanas. Somos todos seres humanos e devemos nos lembrar disso no que tange a nossa convivência harmoniosa. Nem que as vezes quem nos lembre isso seja um ser microscópico. E o principal. Pensemos em perpetuar essas modificações de convivência quando todo esse maremoto passar. Porque assim teremos certeza de que aprendemos algo e evoluímos como seres pensantes diante das adversidades da vida.    

 

               

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta-feira 20 de março de 2020