Juventude
pasteurizada
Prometi que voltaria da
viagem à praia e escreveria uma crônica. Não que não tivesse escrito em outras
ocasiões de retorno, mas essa seria diferente. Não seria de exaltação cênica,
gastronômica e etílica. Nem um fato extemporâneo que merecesse um enfoque individual.
Não. Dessa vez escreveria sobre um fenômeno que presenciei nas areias do sul da
Bahia. Um fenômeno que imagino estar ocupando as praias desse nosso belo país
tropical. Estou me referindo à juventude pasteurizada. Sabe aquele processo
criado por Pasteur que utilizamos no leite? Pois é. Mas não levem em conta que
seria algum artifício de eliminação de germes. Não. Seria mais um caminho para
tornar todo leite igual. Sem características próprias. Matar aquilo que dá
características individuais à bebida. Expliquemos melhor.
Gostaria que os leitores
imaginassem a cena de comercial de bronzeador. Jovens na flor da idade com seus
corpos malhados desfilando pelas areias da praia. Para as mulheres, em sua
grande maioria, os vários preenchimentos. O campeão é o de lábios. Mas temos
vários outros. Silicone já ficou obrigatório. Maquiagem de quem está indo para
uma festa de casamento, inclusive com penteados ao sabor do vento. Acabaram de
sair do salão de belezas. Trajes de banho impecáveis das grifes da moda com
suas saídas esvoaçantes para se alinhar com os cabelos. Chapéus! Não nos
esqueçamos deles. De vários tipos e formatos, predominando o boné do New York
Yankees (não entendi o porquê do time de beisebol e se alguém puder me explicar
esse fenômeno eu agradeceria). Tem os óculos escuros espalhafatosos também. Bebem
espumante, porque cerveja dá barriga. Claro. Escutam música de balada
imaginando DJs em praias na Riviera Francesa. Para os homens temos sungas
estampadas para os corpos malhados. Tatuagens cobrem os braços como os
jogadores de futebol. Cabelos penteados à perfeição. O copo térmico Stanley
(descobri o nome na viagem) encontra-se em quase todas as mãos. Bebem algo a
base de gin, porque vocês sabem que cerveja dá barriga. Terminam com uma
bermuda quase sempre branca de sarja amassada com uma camisa em tons pasteis,
linho eu imagino, também amassada. Sentam-se todos à beira da praia em futons
brancos e miram o celular o tempo todo. Só se dirigem à beira d´água para uma
breve seção de filmagem e fotos que deverá inundar as redes sociais com o
objetivo de mostrar o quanto a viagem está sendo incrível. Conseguiram
imaginar?
Eu do local onde estava a
observar todo esse enquadramento de costumes, fiquei a me perguntar mentalmente
algumas coisas. O que havia de mal em entrar no mar? Como prescindir da
experiência de levar pelo menos um caixote das ondas e voltar à tona com a
sunga cheia de areia? Onde estava o cenoura e bronze de dia e a calamina a
noite para contar a história do encontro com o sol? Cadê os trajes de banho
comprados em lojas de departamentos com o elástico meio frouxo? E a companheira
cerveja que nos acalentou por esses anos todos indignada ao ser trocada por uma
bebida insonsa? Que mal há em uma barriguinha constituída de chopp a se
bronzear sobre canga com estampas diversas adquirida ali mesmo na praia? Por
que não comprar um par de óculos escuros Ray Ban do ambulante para
ajudar na economia local? E o queijo coalho, água de coco e milho cozido? Por
onde andarão os castelos de areia, piscinas escavadas na praia, enterrados
vivos com a cabeça de fora, estrelinhas na margem d´água, simples caminhas à
catar conchas? E as conversas ao vivo? Onde estão? Onde estão os risos de quem
guardou dinheiro o ano todo para estar ali naquele momento rindo do pileque do
amigo? Estar ali na Bahia e não fingindo estar em Ibiza. Ao final cheguei à
conclusão simples de que o sistema de pasteurização pode até ser bom para o
leite, mas para a juventude tenho minhas sinceras dúvidas. Se bem que leite não
dá barriga né?
Guilherme A.
Santana
17/10/2021
santanagui@hotmail.com