Cura
para o que não é doença
Esses
dias chegou até mim um funcionário oferecendo uma rifa. A princípio nada de
diferente visto que volta e meia esse artifício é usado para alguma causa
urgente ou sonho recorrente. Como é do meu costume especulei para que seria o
recurso arrecadado e a resposta me remeteu à minha vida. O motivo era levantar
fundos para pagar um exame neuropsicológico diagnosticando TEA e TDAH para o
enteado. Não fosse minha relação pessoal com o TEA, ainda sim seria uma causa a
aquecer o coração, então contribui de bom grado. Só o afeto faz dessas coisas.
Esse
mesmo teste, objeto da rifa, realizei com meu filho mais novo por esses tempos.
O resultado positivo ao Transtorno de Espectro Autista descortinou toda uma
vida antes desconhecida. Primeiro vieram as respostas (coisa diferente porque
antes vem as perguntas) à muita coisa que não entendia. Coisa natural visto que
o entendimento vem do conhecimento, e até aquele momento, eu não detinha o
conhecimento. Muitas reações e comportamentos do filho, desde a infância, foram
sendo explicados pelas características do autismo. Parece que é tirado um peso
das costas do pai que por muitas vezes se sentiu incapaz de educar o filho da
maneira culturalmente convencional. Depois das respostas, invertendo o
processo, vieram as perguntas. Uma enormidade de questionamentos e dúvidas
sobre o transtorno e de como lidar com ele. Aquela culpa que havia me livrado
quando escutei o diagnóstico voltou de forma redobrada. Será que tenho
capacidade para educar e conviver com um filho autista? Será?
A
primeira coisa que aprendi é que o autismo não é uma doença e sim um jeito de
ser. Portanto não há de se falar em cura para aquilo que não é doença. Um axioma
difícil de absorver. Não tem cura, mas tem tratamento. Para quem é portador do
TEA e para quem convive com ele. Quase uma reeducação. Sabe quando a professora
do primário ensina condutas básicas aos seus alunos como “não pode morder no
amiguinho”? É mais ou menos isso. Aprender do princípio como lidar com os seres
humanos. Seus jeitos de ser e de se manifestar. Como se voltasse a estaca zero
no processo de se conhecer como ser humano e como se relacionar com seu
próximo. E o que é preciso e necessário de tratamentos nesse processo de
reeducação? Lançar mão do conhecimento. Ferramenta essencial, pois, sem ela é
como andar em campo minado vendado. Paciência também é muito bem-vinda, de
preferência em grandes doses. Resiliência para fletir e não quebrar fica no
esteio do tratamento. Empatia serve à compreensão. Afeto funciona na solidificação.
Aliás se tivesse que eleger um tratamento essencial, esse seria o afeto. Melhor
que qualquer remédio e qualquer oração. Poderoso catalisador de compreensões
humanas e solidificar de sentimentos bons.
Ao
final, mesmo que não tenha chegado a ele, entendo que todo o processo é lento e
constante. Por isso a paciência. Não se aprende a andar sem engatinhar. É um
processo de redescobertas e ressignificados. Palavras novas são aprendidas e
sentimentos novos são descobertos. Por isso não é uma doença e sim um renascimento.
Um ressurgimento de quem é portador do TEA e daqueles que o amam
incondicionalmente. Puro afeto.
Guilherme
Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 05 de janeiro de 2024