sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

 

Cura para o que não é doença

 

          Esses dias chegou até mim um funcionário oferecendo uma rifa. A princípio nada de diferente visto que volta e meia esse artifício é usado para alguma causa urgente ou sonho recorrente. Como é do meu costume especulei para que seria o recurso arrecadado e a resposta me remeteu à minha vida. O motivo era levantar fundos para pagar um exame neuropsicológico diagnosticando TEA e TDAH para o enteado. Não fosse minha relação pessoal com o TEA, ainda sim seria uma causa a aquecer o coração, então contribui de bom grado. Só o afeto faz dessas coisas.

          Esse mesmo teste, objeto da rifa, realizei com meu filho mais novo por esses tempos. O resultado positivo ao Transtorno de Espectro Autista descortinou toda uma vida antes desconhecida. Primeiro vieram as respostas (coisa diferente porque antes vem as perguntas) à muita coisa que não entendia. Coisa natural visto que o entendimento vem do conhecimento, e até aquele momento, eu não detinha o conhecimento. Muitas reações e comportamentos do filho, desde a infância, foram sendo explicados pelas características do autismo. Parece que é tirado um peso das costas do pai que por muitas vezes se sentiu incapaz de educar o filho da maneira culturalmente convencional. Depois das respostas, invertendo o processo, vieram as perguntas. Uma enormidade de questionamentos e dúvidas sobre o transtorno e de como lidar com ele. Aquela culpa que havia me livrado quando escutei o diagnóstico voltou de forma redobrada. Será que tenho capacidade para educar e conviver com um filho autista? Será?

          A primeira coisa que aprendi é que o autismo não é uma doença e sim um jeito de ser. Portanto não há de se falar em cura para aquilo que não é doença. Um axioma difícil de absorver. Não tem cura, mas tem tratamento. Para quem é portador do TEA e para quem convive com ele. Quase uma reeducação. Sabe quando a professora do primário ensina condutas básicas aos seus alunos como “não pode morder no amiguinho”? É mais ou menos isso. Aprender do princípio como lidar com os seres humanos. Seus jeitos de ser e de se manifestar. Como se voltasse a estaca zero no processo de se conhecer como ser humano e como se relacionar com seu próximo. E o que é preciso e necessário de tratamentos nesse processo de reeducação? Lançar mão do conhecimento. Ferramenta essencial, pois, sem ela é como andar em campo minado vendado. Paciência também é muito bem-vinda, de preferência em grandes doses. Resiliência para fletir e não quebrar fica no esteio do tratamento. Empatia serve à compreensão. Afeto funciona na solidificação. Aliás se tivesse que eleger um tratamento essencial, esse seria o afeto. Melhor que qualquer remédio e qualquer oração. Poderoso catalisador de compreensões humanas e solidificar de sentimentos bons.

          Ao final, mesmo que não tenha chegado a ele, entendo que todo o processo é lento e constante. Por isso a paciência. Não se aprende a andar sem engatinhar. É um processo de redescobertas e ressignificados. Palavras novas são aprendidas e sentimentos novos são descobertos. Por isso não é uma doença e sim um renascimento. Um ressurgimento de quem é portador do TEA e daqueles que o amam incondicionalmente. Puro afeto.

 

           

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 05 de janeiro de 2024

santanagui@hotmail.com