sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Macunaíma e Joaquim

segue uma reflexão no mínimo diferente.




Macunaíma e Joaquim

 
       

No ano de 1928 um dos mais importantes escritores brasileiros, Mario de Andrade, escrevia o romance modernista “Macunaíma” que é considerado um dos marcos da literatura nacional. O personagem tema era um índio nascido na floresta amazônica e que tinha uma fraqueza de caráter inigualável. Traição, preguiça e mentira eram características desse, que foi considerado o primeiro anti-herói nacional. Na verdade, como sugere a frase inicial do livro: “no fundo do mato virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite.”, ironicamente, o autor pretendia sustentar que aquele representava o ideal de herói brasileiro. No fundo uma velada crítica a miscigenação de raças e religiões que adornavam a sociedade brasileira naquele início de século. A falta de caráter e principalmente a preguiça escancarada de Macunaíma aqueceu o imaginário popular e em muito contribuiu para o que Nelson Rodrigues chamaria mais tarde de “complexo de vira lata”, no qual o brasileiro se considerava raça miscigenada e por isso menos capaz que outros povos ditos puros. Mas não estamos aqui para analisar questões literárias e sim para capturar esse personagem, Macunaíma, para compararmos com outro que vem logo a seguir. Senão vejamos.

 

O assunto da semana que passou, foi a posse do Ministro Joaquim Barbosa como Presidente do impoluto Supremo Tribunal Federal, ou como carinhosamente chamam os brasileiros: “Supremo”. O primeiro Presidente negro do STF. E o mais empolgante de tudo: por méritos próprios. Joaquim se tornou pop. Capa de revista, jornal, blog, veículos nacionais e internacionais. Assunto de mesa de boteco. Comparam-no com Batman (sem conotação de homossexualidade). Cotaram-no para Presidente da República. Pensaram-no para ajudar o Palmeiras a não cair para a segundona. Chamaram-no de herói. Aí o ponto onde quero chegar. HERÓI. Um país que tem um histórico recente de democracia e encontra poucas pessoas na vida pública que possam encarnar essa tão importante veste. Seria Joaquim a antítese de Macunaíma? Seria ele o anti anti-herói? Um homem de reputação ilibada e caráter reto? Será esse o ideal de salvador da pátria que tanto ansiamos? Senão pensemos.

 

Isso tudo mereceria uma tese de doutorado. Assunto vasto que merece dissecação acurada. Logicamente que seria quase insano comparar um personagem plasmado em páginas de livro com uma pessoa real de carne, osso e humanidade. Macunaíma foi criado para extremar a falta de caráter a que pode chegar um ser. E por isso acho temeroso tentar fazer de Joaquim o extremo oposto. O homem caráter. Reto e indefectível. Já observamos alias, algumas manifestações de sua personalidade que não consideramos de todo qualidades. Mas também não estamos aqui para analisar essa ou aquela atitude do Presidente do STF, e sim para tentar entender o efeito que isso causa no brasileiro. Aos poucos vai caindo por terra a tese de Nelson do cachorro vira lata. Talvez até por conta de nossa miscigenação concentrada (Isso também mereceria outra tese). Talvez porque a mistura de raças e culturas nos tenha dado algo muito importante nos dias atuais de globalização. A famosa “adaptabilidade”. E para quem nos chama constantemente de “República de bananas”, digo o seguinte: Yes, nós temos bananas! E temos também Joaquim! Vai encarar?          

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 23 de novembro de 2012

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Família, família

Uma confissão de amor a minha família e ao bem que ela me faz.



Família, família

 

            Canta Titãs: “Família, família, papai, mamãe, titia. Família, família, almoça junto todo dia. Nunca perde essa mania.”. Porém temos visto que esse conceito tem mudado ao longo dos tempos. Quer seja pelas novas estruturas não ortodoxas das famílias modernas, quer seja pela ciranda da vida moderna que impede a continuidade de seus ritos tradicionais. Em resumo, a instituição “família” em seu significado original, está se perdendo. Diria melhor. Está em fase de mutação. Eu me considero uma pessoa de sorte. Ainda tenho uma família tradicional. Pode parecer pretensão ou conservadorismo, mas orgulho-me ainda mais disso. Que atire a primeira pedra quem passou dos 30 e não viu seus conceitos se despirem do liberalismo de adolescente. Mas não entremos em polêmica. Hoje quero falar de família. Da minha. Ontem parte dela se reuniu. Comemoração. Alias tenho notado que ultimamente as famílias tem se reunido somente por dois motivos: Comemorações e velórios (sendo que a segundo não é permitido falar mal de ninguém). Voltemos. Comemorávamos o aniversário de um tio que não mora na cidade. Um médico errante. De homens e de almas como São Lucas. Uma pessoa muito querida por toda família. Mas quem não é? Cada um o é, a sua maneira. Tios, primos, filhos, netos, bisnetos, noras, mães, agregados e crianças. Criança não tem classificação. Apesar de que nessas mudanças de conceitos, elas, as crianças, estão se tornado cada vez mais dominantes. Ah e ia esquecendo a figura primaz! A matriarca. Aquela que tudo vê apesar de todos acharem que os detalhes lhe são alheios. Engano. Lá está ela sempre a observar e sorrir como que dando uma benção para toda aquela algazarra de gerações que se mistura entre comidas, bebidas e conversas. Cada um fala de suas experiências, vivências, mágoas e percepções da vida e de como a novela está chata. Enquanto isso, as garrafas de vinho vão sendo abertas e estancadas numa profusão de aromas que estimula cada vez mais a elevação do volume da conversa. Todos gritam, riem, gargalham e se entendem. Como se nada mais importasse em suas vidas a não ser aquele momento. Talvez quem olhe de fora não entenda que dialeto aqueles seres proferem, mas podem ter certeza que o entendimento se faz presente. Nem sempre por palavras, mas por laços de afeição. A velada linguagem dos sentimentos, que naquela mesa transborda. As crianças quebram o ritmo da conversa enfiando suas mãos nos tira gostos sobre a mesa como se fossem batatas fritas e sempre recebem reprimendas como se valessem de alguma coisa. Ora ou outra se escutam choros e brigas que logo se desfazem com uma boa conversa ao pé do ouvido: “se você não parar de brigar com seu primo nós vamos embora”. E nesse momento o que menos as crianças querem é deixar a brincadeira. Paro por um momento para observar toda essa profusão. Vejo muitas coisas. Sinto muitas coisas. Olho para a matriarca. Ela me olha. Sorri. Não sou o único a observar. Não sou o único a sentir. E as conversas continuam. E de repente, não mais que de repente, todos acordam da hipnose familiar e percebem que as horas já avançaram e que é necessário voltar para suas casa. Despedem-se com o compromisso de voltarem a se encontrar. As vidas retomam seus caminhos.

 

Hoje acordei com uma ressaca danada. Não do vinho, mas da saudade. Essa não se cura com água ou analgésico. Ela só vai passar quando nos reunirmos de novo. A família. Espero que seja breve.

 

Guilherme Augusto Santana

07/11/2012

santanagui@hotmail.com