Família, família
Canta Titãs: “Família, família,
papai, mamãe, titia. Família, família, almoça junto todo dia. Nunca perde essa
mania.”. Porém temos visto que esse conceito tem mudado ao longo dos tempos.
Quer seja pelas novas estruturas não ortodoxas das famílias modernas, quer seja
pela ciranda da vida moderna que impede a continuidade de seus ritos
tradicionais. Em resumo, a instituição “família” em seu significado original,
está se perdendo. Diria melhor. Está em fase de mutação. Eu me considero uma pessoa
de sorte. Ainda tenho uma família tradicional. Pode parecer pretensão ou
conservadorismo, mas orgulho-me ainda mais disso. Que atire a primeira pedra
quem passou dos 30 e não viu seus conceitos se despirem do liberalismo de
adolescente. Mas não entremos em polêmica. Hoje quero falar de família. Da
minha. Ontem parte dela se reuniu. Comemoração. Alias tenho notado que
ultimamente as famílias tem se reunido somente por dois motivos: Comemorações e
velórios (sendo que a segundo não é permitido falar mal de ninguém). Voltemos.
Comemorávamos o aniversário de um tio que não mora na cidade. Um médico
errante. De homens e de almas como São Lucas. Uma pessoa muito querida por toda
família. Mas quem não é? Cada um o é, a sua maneira. Tios, primos, filhos,
netos, bisnetos, noras, mães, agregados e crianças. Criança não tem
classificação. Apesar de que nessas mudanças de conceitos, elas, as crianças,
estão se tornado cada vez mais dominantes. Ah e ia esquecendo a figura primaz!
A matriarca. Aquela que tudo vê apesar de todos acharem que os detalhes lhe são
alheios. Engano. Lá está ela sempre a observar e sorrir como que dando uma
benção para toda aquela algazarra de gerações que se mistura entre comidas,
bebidas e conversas. Cada um fala de suas experiências, vivências, mágoas e
percepções da vida e de como a novela está chata. Enquanto isso, as garrafas de
vinho vão sendo abertas e estancadas numa profusão de aromas que estimula cada
vez mais a elevação do volume da conversa. Todos gritam, riem, gargalham e se
entendem. Como se nada mais importasse em suas vidas a não ser aquele momento. Talvez
quem olhe de fora não entenda que dialeto aqueles seres proferem, mas podem ter
certeza que o entendimento se faz presente. Nem sempre por palavras, mas por
laços de afeição. A velada linguagem dos sentimentos, que naquela mesa
transborda. As crianças quebram o ritmo da conversa enfiando suas mãos nos tira
gostos sobre a mesa como se fossem batatas fritas e sempre recebem reprimendas
como se valessem de alguma coisa. Ora ou outra se escutam choros e brigas que
logo se desfazem com uma boa conversa ao pé do ouvido: “se você não parar de
brigar com seu primo nós vamos embora”. E nesse momento o que menos as crianças
querem é deixar a brincadeira. Paro por um momento para observar toda essa
profusão. Vejo muitas coisas. Sinto muitas coisas. Olho para a matriarca. Ela
me olha. Sorri. Não sou o único a observar. Não sou o único a sentir. E as
conversas continuam. E de repente, não mais que de repente, todos acordam da
hipnose familiar e percebem que as horas já avançaram e que é necessário voltar
para suas casa. Despedem-se com o compromisso de voltarem a se encontrar. As
vidas retomam seus caminhos.
Hoje acordei com uma ressaca danada.
Não do vinho, mas da saudade. Essa não se cura com água ou analgésico. Ela só
vai passar quando nos reunirmos de novo. A família. Espero que seja breve.
Guilherme Augusto
Santana
07/11/2012
santanagui@hotmail.com
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