uma viagem, alguns amigos e muitas histórias
E viva Uruguay!
Os leitores que me acompanham de mais
tempo, já devem ter lido minhas crônicas sobre viagens e aventuras eno gastronômicas.
Isso não é à toa. Faço-as para, quem sabe um dia, ser descoberto por uma grande
revista de turismo que me pague para viajar, escrever, comer e beber. Não
necessariamente nessa mesma ordem. Aí romperei os grilões que me prendem a esse
ofício de enterrar pessoas (brincadeirinha. Gosto muito do ofício de coveiro).
Mas o motivo dessa crônica de hoje já está no título. Nosso vizinho menor (em
extensão) o Uruguai. Com “y” ou sem, conforme a sua vontade e idioma. Estive
pela primeira vez no país semanas atrás. Uma gracinha. Diria que um bibelô. Embarquei
no imponente aeroporto Santa Genoveva (para quem o conhece sabe que é uma
crítica) e logo na fila do embarque encontramos dois casais de amigos que
também seguiam o mesmo destino (aliás, já é de tempo que nós brasileiros
dominamos o turismo no cone sul. Os goianos então...). Descendo no aeroporto de
Carrasco, vi uma construção antiga e pequena com os dizeres de aeroporto e
comentei com minha esposa: “olha aí o povo reclamando do aeroporto de Goiânia e
o de Montevideo é pior ainda!”. O avião foi se afastando do prédio antigo e
percebi que havia me enganado. Maldita língua grande. Eis que surge o
verdadeiro Aeroporto de Carrasco. Belo e imponente. Uma obra de arquitetura
como nunca vi em aeroporto nenhum pelo mundo. Depois fiquei sabendo, por um
amigo que mora no país, que sua arquitetura é ganhadora de vários prêmios
internacionais de design e arquitetura. Justo. Muito justo.
Aeroporto de Carrasco
Descido do avião e recolhido as
bagagens (levei bronca porque esqueci de trancar a mala da esposa. Como se
cadeado inibisse furto em mala nos aeroportos), alugamos um carro para cumprir
as distancias pretendidas. Vai ai uma dica para Montevideo. Tudo é muito longe.
A cidade é espalhada pela orla do Rio da Prata e o carro economiza muito nos
deslocamentos. Além de proporcionar uma liberdade diferenciada. Primeira sorte
da viagem. Ganhamos up grade no carro! Coisa rara ganhar coisas em viagens.
Geralmente perdemos coisas. Mas segue o cortejo. Logicamente que o pacote de
dados que foi desbloqueado no Brasil não funcionou e a ligação para a operadora
de celular foi inevitável. Tenho um problema. Os amigos que me conhecem sabem
disso. Não consigo ficar sem internet. Não consigo ficar sem passar vontade nos
que ficaram. Mas é um problema menor. Pelo menos eu acho. GPS funcionando vamos
ao hotel. No caminho já se percebe a beleza da cidade. Ruas largas e se
desenvolvendo como um jogo de xadrez pela orla do Rio (que parece mar).
Costeando pela Rambla, que é como eles chamam a avenida beira rio. O hotel se
situava no bairro de Pocitos. Local agradável e centralizado. Charmoso diria
com precisão. Corre, faz check in no hotel porque a fome está grande (aliás,
passar o dia a base de sanduiche de presunto com queijo e amendoim é o forte
das companhias aéreas). Escolhe o restaurante baseado em indicação de um amigo.
La Perdiz. Um misto de pub e restaurante tradicional. Uma gracinha. Ambiente a
meia luz. Pede logo uma garrafa de vinho da terra. Uva Tannat (de origem
francesa, se adaptou muito bem no Uruguai e foi adotada como uva nacional).
Provolone e chouriço de entrada, bife de ancho de principal, pudim de dulce de
leche de postres (ah o doce de leite...), licor de limoncello de exagero, café
para fechar. Olha vou falar. Tudo tendo a parrilla (churrasqueira típica
uruguaia) ao fundo. Parece que o calor vai aumentando e o tom das conversas
também. No fim encontramos os amigos conterrâneos que esbarramos no aeroporto
de Goiânia. Mais vinho, mais calor, mais conversa. A viagem tinha começado
muito bem.
Parrilla do La Perdiz
Diz a primeira regra do viajante que
em dia de voo não se deve exagerar na comida e na bebida. Infringir essa regra
traz consequências maléficas. No outro dia de manhã a esposa amanheceu com
intoxicação alimentar. Conhecedor da sua fragilidade estomacal, recorremos a um
casal de amigos que mora em Montevideo. Preciso internar a moça. Depois da
broca merecida da amiga do porque não ligamos para avisar da chegada, fomos ao
melhor hospital da capital. E quando digo melhor não estou exagerando. Fomos
tratados muito bem. Rapidez e profissionalismo. Fiquei sabendo pela amiga que o
Uruguai tem a fama de melhor sistema de saúde da América do Sul e que tem a
maior frota de ambulâncias per capita. Isso tudo devido a grande quantidade de
aposentados que moram na capital. Diria que é a Disney da melhor idade. Soro e
exame de sangue. O dia estava perdido. Menos mal. Deve ter sido para compensar o
up grade do carro. Se assim foi, estávamos quites. Podíamos voltar à diversão.
Não tão diversão foi pagar a conta do hospital. Salgada. Muito salgada. Mas
necessária (tomara que o seguro do cartão de crédito reponha). Com o
contratempo da internação, perdemos o dia de almoçar no Mercado do Porto. Local
indicado por 10 entre 10 visitantes de Montevideo. Passamos o dia com comidas
amenas e rápidas. Merecíamos um jantar de gala. E assim o fizemos. Juntamente
com os casais conterrâneos fomos ao Francis. Restaurante estrelado e tido como
contemporâneo. Perfeito. Decoração de alto gosto. Atendimento delicado e
presente. Vinho... ah o vinho. Como estávamos em muitos, foram várias garrafas
e várias cepas. Tannat, Carmenere, Cabernet. Uma orgia de sabores e aromas. A
comida é uma reedição refinada dos tradicionais pratos uruguaios. Esbaldei-me
com as molejittas (bochechas) ao molho de vinho. Ah o vinho... sempre presente.
Nas viagens temos uma mania interessante e engordativa. Fazer uso da sequencia
completa do jantar. Vinho, entrada, principal, sobremesa (famosos postres) e
café. Pronto. Não fugimos a regra. Tudo muito bom. Mais uma vez a conversa
agradável juntou-se ao ambiente agradável e a comida e bebida agradável e estávamos
todos agradados. Na saída fomos seis adultos no carro para uma carona solidária
aos amigos. Nessa hora o aperto do carro e a noite fria não faziam efeito no
alto teor alcoólico exarado. Tudo era diversão.
Molejittas do Francis
Desta feita o dia amanheceu bem.
Esposa tinha se contido nos acepipes e descemos para o café da manha com a proa
virada para a famosa Punta del Este. Balneário dos habitantes de Caras na América
do Sul. Parece que São Pedro adivinhou o dia da viagem, pois mandou um dia
ensolarado mas com temperatura amena. Estrada de pista dupla até o balneário.
Tranquilo e bem sinalizado. Pedágios mostram o porquê dessa belezura. Sem
transtornos. Entramos em Punta e ai entendemos o motivo da fama. Nunca fui à
costa do mediterrâneo, mas penso que deve se assemelhar muito. Prédios baixos e
caros, restaurantes estrelados a beira mar (ou seria rio?), praia de areias turvas
salpicadas por pedras negras. Um luxo só. Passeamos por toda a orla e fomos aos
pontos turísticos básicos. Sabe aquele lugar que dá vontade de morar? Pois é. É
esse. O programa estabelecido previa um almoço no famoso Cassino Conrad, mas
uma dica da amiga que morava em Montevideo nos fez virar no rumo de José
Inácio, uma praia paradisíaca que era a nova coqueluche dos casamentos dos
milionários brasileiros. No caminho casas belíssimas. Caríssimas. Depois
ficamos sabendo que Punta é um “refúgio” fiscal dos milionários do Uruguai,
Argentina e Brasil. Como não preciso esconder meus ganhos, afinal ganho muito
pouco, fiquei só admirando as belas mansões dos caros arquitetos. Chegando a
José Inácio fomos direto ao La Huella (a pegada). Restaurante indicado por 11
dos 10 que visitaram essa praia. Uma cabana incrustada na areia. Um paraíso
(única palavra que define). Os atendentes vestidos todos de Lacoste, nos
trataram como ricos e famosos. Tudo muito discreto e eficiente. Para variar um
pouco na carta vinífera, escolhi uma bodega regional, mas uma uva de origem
alemã. A Gewurstraminer. Olha... isso com a vista da praia casou perfeitamente.
Pedimos logo uma entrada. Ceviche de corvina. Muito bom. Estávamos apreciando
nosso vinho com ceviche quando uma casal sentado ao lado puxou conversa. Eles
eram gaúchos mas tinham casa em Punta. Nos contaram que iam no La Huella só
para comer o quiche de cebolas reduzidas no vinho Tannat com queijo pecorino.
Pensei: “se eles tem casa em Punta e se abalam de lá só para comer essa
entrada, seria heresia não experimentar”. Aí entra uma parte lúdica da
história. A indicação caiu como uma luva. Que prato delicioso! Suave e intenso,
se é que podemos colocar dois adjetivos tão antagônicos juntos. Recomendo a
partir de agora. O prato principal foi um peixe grelhado na parrila com puré de
calabaza (abóbora) e o restante vocês já devem supor. Não obstante o magnífico
almoço, e tendo como norte a gula que nos guia, tivemos que passar para comer
as mais famosas medialunas de Punta no Calentitas. Perfeitas. Tome com um
cappuccino e aproveite para levar o doce de leite da terra. O ambiente do
Calentitas é sui generis. Decorado ao estilo hippie chic, as coisa são
dispostas de maneira aleatória e sem seguir um partido decorativo fixo. Tipo
aquelas casas decoradas com coisas recolhidas na rua. Muito interessante.
Comido e bebido partimos para o famoso por do sol na Casapueblo. Esse programa,
também imperdível, é um sonho visionário do artista uruguaio Carlos Vilaró. Uma
casa construída em meia encosta de frente para o mar/rio. Arquitetura única no
mundo. Mistura das casas de Santorini na Grécia com um toque de taipa feita a
mão. Na hora que o sol se põe, escutamos uma audição do próprio Vilaró
recitando um texto de sua autoria em homenagem ao astro rei. Fotos e mais fotos
e uma sensação da nossa pequenez diante desse fenômeno da natureza. Emocionante,
romântico e acolhedor. Voltamos para Montevideo revigorados.
Punta del Este e o
Restaurante La Huella (a pegada)
Casapueblo. Por do sol e
romantismo (quase não conseguimos tirar essa foto de tanto rir)
Quiche de cebolas no
Tannat e pecorino do La Huella e atum com crosta de ervas do Panini´s
Como não poderíamos deixar de fazer,
jantamos em alto estilo. Com nossos companheiros de viagem fomos ao Panini’s
conhecer a maior adega de Montevideo. O restaurante é um italiano agradável.
Pratos grandes e saborosos. E a adega é um caso a parte. Vários rótulos
compráveis e incomparáveis. Desta feita um atum com crostas de ervas me
seduziu. Mas uma vez a conversa girou em torno dos nossos vícios e prazeres
gastronômicos. Os amigos estavam fazendo sua despedida da capital Uruguaia e
nós estenderíamos a nossa estada em mais um dia. Despedimo-nos em alto estilo.
O domingo ainda raiava quando saímos
em nossa última incursão pelos prazeres da terra uruguaia. Na prazerosa
companhia do casal de amigos que divide a morada entre Montevideo e Miami e que
nos socorreu no caso do hospital, fomos passear pelo charmoso bairro de
Carrasco com seus casarões antigos e imponentes. Uma visita guiada é sempre
mais interessante. Ficamos sabendo as particularidades da História do Uruguai,
seu socialismo precoce, seu Presidente caricato e sua tentativa de
modernização. Uma visita imperdível no mesmo bairro é o Hotel Cassino Carrasco
com sua arquitetura palaciana e sua decoração suntuosa. No lobby do hotel
encontram-se quatro (eu disse quatro) dos famosos cavalos abajur do design
Philippe Starck. Coisa fina. O cassino é um espetáculo a parte. Um misto de
sons, luzes, cores e sonhos de enriquecimento fácil. Coisas da ganancia humana.
Felizmente esse vício não me seduz e não consegui sequer sentar à mesa para um
jogo de blackjack ou uma apostinha na roleta. Menos mal. Fiquei só na
admiração. Após o passeio cultural partimos para um passeio que muito me
agrada. Vinícola. Partimos para a Vinícola Boutique Bouza. Chegamos já na hora
do tour do vinho. Coisa boa para quem nunca fez. Eu como já estou no décimo
tour, limitei a apreciar as belas paragens da estância. Tudo cuidadosamente
montado para o turismo. Uma exposição de carros antigos e um bistrô de classe
completam o cenário bucólico e aprazível. Depois do tour vem a parte mais
aguardada da visita. Beber e comer. Pedimos uma garrafa de um dos melhores
cortes da casa: Tannat, Merlot e Tempranillo. Néctar dos deuses. Para
acompanhar o vinho, jamon serrano de entrada, carneiro com salada de rúcula de
principal e principalmente a linda vista do parreiral pela janela. Não nos
esqueçamos o creme brulee de sobremesa e o já tradicional café. Depois disso
tudo a cama nos chama né? Nada disso. Uma visita breve pelo centro histórico de
Montevideo com direito a mais história. Uma das mais interessantes foi a do
Palácio Salvo desenhado pelo arquiteto Mario Palanti inaugurado em 1928. O
prédio foi erguido no mesmo local onde funcionava a Confeitaria La Giralda no
qual foi apresentado o tango uruguaio mais famoso: La Cumparsita (e eu que
jurava que esse tango era argentino). Aliás, reza a lenda que o tango foi
criado no Uruguai e que Carlos Gardel seria uruguaio. É para matar os hermanos
de raiva né não? Mas a particularidade do Palácio Salvo que mais intriga é um
homônimo, Palácio Barolo, construído pelo mesmo arquiteto em Buenos Aires. E dizem
que um farol no topo de cada prédio fazia a comunicação entre as cidades. É ou
não uma história a ser contada? No mais o centro histórico da capital se
assemelha muito aos de outras cidades da América do Sul de colonização
espanhola. Uma praça central, um belo teatro (Solis), o palácio do governo e
prédios tombados. A noite já havia chegado quando fomos fazer nossa última
refeição. O escolhido foi o alemão Dackel. Nada mais do que um alemão
tradicional. Apertado, móveis antigos, garçons da melhor idade e comida farta.
Chopp na caneca de porcelana e Eisben (joelho de porco) com chucrute, batatas e
bastante mostarda. Para fechar com chave de ouro, apple strudel. Não poderia
deixar de ser. Depois dessa, cama.
Hotel e Cassino Carrasco
e o famoso cavalo abajur de Philippe Starck
Vinho e Carneiro ao
vinho na Vinícola e Boutique Bouza
Palácio Salvo no centro
histórico e o Eisben do Dackel
Nascer do sol em Pocitos
O dia da volta não é dos meus
preferidos. Pula cedo da cama e reza uma Ave Maria para as coisas caberem
dentro das malas. Devolve carro. Faz check in. Raspa o último limite do cartão
de crédito no Duty Free (que não anda compensando tanto como antigamente). Parte
de volta para o Brasil. Viajar é sempre bom, mas já disseram uma vez que voltar
para casa é ainda melhor. No aeroporto esperavam dois curiangos ávidos por
abraços e é claro, presentes. À hermosa capital Montevideo meu muito obrigado
pela hospitalidade. Espero nos vermos mais vezes. A bela Punta del Este um desejo.
Quem sabe um dia ter uma bela casa em suas areias brancas. Quem sabe. E quem
disse que voltando de viagem temos que parar de sonhar?
Papai
você trouxe presente?
#
agradecimentos fraternos e especiais aos companheiros de viagem Ludmila,
Lillian, Marcelo e Floriano pelos jantares divertidos. Aos amigos Rute e Renato
pelo socorro prestado e pelos momentos de gastronomia e história do Uruguai. E
ao amigo José Luiz Martins (quase um uruguaio) pelas preciosas dicas.
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 07 de junho de 2013