Terra à vista ou a prazo
Caro Comandante da Nau Capitania São
Gabriel
Don Pedro Alvares Cabral
Aos
vinte e dois dias do mês de abril do ano de um mil e quinhentos do nascimento
de nosso Senhor Jesus Cristo, venho reportar-me ao vosso comando visto que me
foi concedida a honra da primeira inspeção às terras recém descobertas das
Índias. Para tanto, faço a vossa senhoria um breve relato do que achei em terra.
Hei de começar com o povo que me deparei. Pois que andam nu. Pasme vosso
comandante que impressionei-me com a desavergonhança de se cobrirem minimamente
as partes deixando toda a malevolência à mostra. Há de se considerar o calor
infernal que se faz nessas paragens, mas acredito não justificar tamanha
libertinagem. Creio que não será difícil negociar com eles visto que notei uma
preferência por tudo que é de fora e um certo desdenho com as riquezas da
terra. Resumindo meu comandante, são um povo rico. Abastado diria até, porém
com aproveitamento de sobremaneira pífio diante de tanta riqueza. Acredito que
alguns espelhos e artefatos de metal poderão seduzi-los em troca de ouro para
pesar nos cofres de vossa majestade o Rei Manoel I “O Venturoso”. Estive com o
líder deles que parece estar sofrendo de conspirações e insatisfação geral do
povo. Pudera, meu altivo comandante, o sistema de organização desse reino que
encontrei é por tanto bagunçado. A relação entre o cacique, pajé e seus conselheiros
é por demais confusa e cheia de interesses escusos. Cada um tem sua função definida,
mas ninguém cumpre à risca seus ditames funcionais, imiscuindo uns nos afazeres
dos outros. Por conta disso creio que não será difícil cobrar impostos a Vossa
Majestade visto que o povo daqui está acostumado com alta carga de tributos.
Alguns que beiram a extorsão, mas pagos em régia concordância, logicamente com
a evasão natural que é da sapiência de vossa senhoria. Penso até que o quinto
cobrado em outras colônias de Vossa Majestade, aqui, não fará cócegas. Poderá
gerar uma revolta aqui ou ali, mas sem graves consequências. Nada que alguns
enforcamentos e feriados não possam resolver. Digo ainda que nessa terra se
plantando tudo dá. Encontrei riquezas mil que poderão ser exploradas. Poderemos
trazer para essas terras todas as culturas agrárias e creio podermos tornar
essa colônia o celeiro da Europa. Só teremos que tomar cuidado com terras de
oriente que tendem a comprar toda a produção por excesso de população em seus
domínios. Porém julgo pertinente trazer outros povos para o trabalho braçal,
pois que os habitantes da terra são indolentes e preguiçosos apesar de trabalharem
de sol a sol. E sabes muito bem que não é dado um homem português de respeito
ganhar o sustento com o suor do próprio rosto. Ao final de minha inspeção julgo
que não chegamos ao destino almejado em planejamento de navegação, mas aportamos
em terras mais prósperas e que entendo serem de grande valia ao estimado Rei de
Portugal. O famoso atiramos no que vimos e acertamos o que não vimos. Recomendo
ainda que permaneçam em quarentena nas caravelas até se acostumarem com o calor
tórrido dos trópicos e possa dar tempo de arrumar a festa de recepção, à vossa
altura, com os líderes locais. Mandarei alguns presentes para vosso regalo,
incluindo algumas nativas avantajadas com nomes de frutas.
Espero contar sempre com sua
mais alta estima visto quantos prestimosos serviços tenho resignado ao vosso
comando. Inclusive com retribuição em pecúlio caso seja de vossa concordância.
Do seu leal servo
Pero Vaz de Caminha
ps.
Mantenham as mangas compridas de veludo pois existe nessas terras um inseto que
anda a picar nossos patrícios levando-lhes doenças com agruras terríveis cujos
nomes não consigo pronunciar.
Guilherme Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 22 de abril de 2016