Memória
seletiva
Estava eu levando quatro adolescentes à escola, dois deles inclusive com
idade para votar nas próximas eleições, quando a galera destampou no assunto
preferido do momento. Falar mal do Presidente Bolsonaro. Encheram a boca para
falar dos episódios dantescos do nosso atual mandatário. Foi quando um deles
citou a última pesquisa eleitoral divulgada que dava uma considerável vantagem
ao ex-Presidente Lula num futuro embate presidencial. Nesse momento passei à
reflexão de alguns fatos que me intrigaram momentaneamente e me inquietam ao
longo dos tempos. O que leva o brasileiro à possibilidade plausível de reconduzir
ao poder um partido político, inclusive por seu líder maior, que recentemente
esteve envolvido num dos maiores esquemas de corrupção já vistos na história?
Seria a memória curta, tão clamada em verso e prosa do nosso cidadão? O que
leva uma juventude, tão recheada de informações, a embarcar nessa dita ideia
vermelha? Foi aí, quando a discussão dentro do carro estava em uníssono, que me
lembrei da última eleição. E voltei ainda nas anteriores, quando o Partido dos
Trabalhadores assumiu o poder. Naquela época tinha-se a ideia de que havia
necessidade de romper um ciclo de “social democracia” e experimentar um governo
mais à esquerda. Mesmo que fosse apoiado pela clássica classe industrial e pelo
sistema de bancos. Assim se fez e Lula conseguiu sentar na cadeira de
Presidente. Após esse período, já na última eleição, a maré virou e novamente o
clamor por uma virada mais a direita se fez sentir no cidadão brasileiro.
Inclusive esse que vos escreve foi um que levantou, no segundo turno para não sentir
tanta culpa, que precisávamos de um rompimento com o status quo do PT.
Aí vocês podem me perguntar: Mas você não sabia quem era o Bolsonaro? Aí eu
respondo de bate pronto: sim, sabia. Nos meus vários anos de militância em
Brasília tinha a visibilidade da carreira do político. Sabia de suas ideias. Do
seu conceito conservador. Mas naquele momento de decisão do segundo turno,
achei que a quebra do ciclo seria mais benéfica ao país do que os princípios
conservadores seriam maléficos. Embarquei na canoa. Hoje, com os acontecimentos
desenrolados desde aquela eleição, e diante da ineficiência e ignorância do
nosso Presidente (para não dizer coisas piores), penso que talvez a decisão
tenha sido equivocada. Aí vem a pergunta cabal: será que a minha memória foi
curta ao votar em um político que sabia ser completamente inapto? E eu respondo
antes que vocês o façam, que não foi questão de memória curta, mas sim de
memória seletiva. Por um pensamento maior, uma vontade de quebra de ciclo,
deixei de lado as informações negativas que detinha em minha memória. E muitos
eleitores fizeram algo parecido com isso. E penso que o cidadão brasileiro,
hoje, está indo pelo mesmo caminho. Se não surgir uma terceira opção viável,
coisa que minha experiência de vida grita que não ocorrerá, apesar da minha
imensa vontade, correremos pela mesma opção seletiva. Esqueceremos momentaneamente
o histórico recente de corrupção encabeçado pelo PT, e para virar o ciclo
Bolsonaro, colocaremos Lula de novo na Presidência. Se me perguntarem se isso é
certo ou errado, eu respondo que não importa. Não é essa a análise que deve ser
feita. Entendo ser o processo de amadurecimento político do brasileiro que está
em curso. Isso é que importa e é o que ficará para a posteridade como evolução.
Apesar de muitos acharem que só involuímos nas últimas décadas, eu discordo frontalmente.
Se isso não fosse verdade, não teríamos quatro adolescentes dentro de um carro,
indo para escola, falando sobre política, ao invés de assuntos corriqueiros da
juventude. Isso no fundo que alenta meu senso cívico. Aliás só isso alenta.
Guilherme Augusto Santana
14/05/2021
santanagui@hotmail.com