sexta-feira, 14 de maio de 2021

 

Memória seletiva

 

Estava eu levando quatro adolescentes à escola, dois deles inclusive com idade para votar nas próximas eleições, quando a galera destampou no assunto preferido do momento. Falar mal do Presidente Bolsonaro. Encheram a boca para falar dos episódios dantescos do nosso atual mandatário. Foi quando um deles citou a última pesquisa eleitoral divulgada que dava uma considerável vantagem ao ex-Presidente Lula num futuro embate presidencial. Nesse momento passei à reflexão de alguns fatos que me intrigaram momentaneamente e me inquietam ao longo dos tempos. O que leva o brasileiro à possibilidade plausível de reconduzir ao poder um partido político, inclusive por seu líder maior, que recentemente esteve envolvido num dos maiores esquemas de corrupção já vistos na história? Seria a memória curta, tão clamada em verso e prosa do nosso cidadão? O que leva uma juventude, tão recheada de informações, a embarcar nessa dita ideia vermelha? Foi aí, quando a discussão dentro do carro estava em uníssono, que me lembrei da última eleição. E voltei ainda nas anteriores, quando o Partido dos Trabalhadores assumiu o poder. Naquela época tinha-se a ideia de que havia necessidade de romper um ciclo de “social democracia” e experimentar um governo mais à esquerda. Mesmo que fosse apoiado pela clássica classe industrial e pelo sistema de bancos. Assim se fez e Lula conseguiu sentar na cadeira de Presidente. Após esse período, já na última eleição, a maré virou e novamente o clamor por uma virada mais a direita se fez sentir no cidadão brasileiro. Inclusive esse que vos escreve foi um que levantou, no segundo turno para não sentir tanta culpa, que precisávamos de um rompimento com o status quo do PT. Aí vocês podem me perguntar: Mas você não sabia quem era o Bolsonaro? Aí eu respondo de bate pronto: sim, sabia. Nos meus vários anos de militância em Brasília tinha a visibilidade da carreira do político. Sabia de suas ideias. Do seu conceito conservador. Mas naquele momento de decisão do segundo turno, achei que a quebra do ciclo seria mais benéfica ao país do que os princípios conservadores seriam maléficos. Embarquei na canoa. Hoje, com os acontecimentos desenrolados desde aquela eleição, e diante da ineficiência e ignorância do nosso Presidente (para não dizer coisas piores), penso que talvez a decisão tenha sido equivocada. Aí vem a pergunta cabal: será que a minha memória foi curta ao votar em um político que sabia ser completamente inapto? E eu respondo antes que vocês o façam, que não foi questão de memória curta, mas sim de memória seletiva. Por um pensamento maior, uma vontade de quebra de ciclo, deixei de lado as informações negativas que detinha em minha memória. E muitos eleitores fizeram algo parecido com isso. E penso que o cidadão brasileiro, hoje, está indo pelo mesmo caminho. Se não surgir uma terceira opção viável, coisa que minha experiência de vida grita que não ocorrerá, apesar da minha imensa vontade, correremos pela mesma opção seletiva. Esqueceremos momentaneamente o histórico recente de corrupção encabeçado pelo PT, e para virar o ciclo Bolsonaro, colocaremos Lula de novo na Presidência. Se me perguntarem se isso é certo ou errado, eu respondo que não importa. Não é essa a análise que deve ser feita. Entendo ser o processo de amadurecimento político do brasileiro que está em curso. Isso é que importa e é o que ficará para a posteridade como evolução. Apesar de muitos acharem que só involuímos nas últimas décadas, eu discordo frontalmente. Se isso não fosse verdade, não teríamos quatro adolescentes dentro de um carro, indo para escola, falando sobre política, ao invés de assuntos corriqueiros da juventude. Isso no fundo que alenta meu senso cívico. Aliás só isso alenta.

Guilherme Augusto Santana

14/05/2021

santanagui@hotmail.com             

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