sexta-feira, 31 de maio de 2024

C. de Goiás

 C. de Goiás

 

         

Ao Presidente do Departamento de Infra Estrutura de Transporte – DNIT

Nesta

 

          Caro Presidente,

Venho, muito humildemente, através desta, lhe contar uma história. Caso V. Sa. não esteja familiarizado, às sextas eu costumo escrever crônicas sobre assuntos diversos, e desta vez calhou um objeto do vosso interesse. Antes de mais nada, lhe apresento como um cidadão que utiliza regularmente as rodovias do país e por isso sente-se no lugar de fala para abordar o assunto em tela.

Passados os interlocutórios de apresentação, vamos ao que nos trouxe a essa missiva. Estava eu viajando esse dias atrás, com minha família, rumo a um ponto turístico bem famoso de Goiás. Trata-se do famoso Salto do Corumbá. Aliás, se V.Sa. não conhece o salto, recomendo. Maravilha. Mas voltemos ao assunto. Estava trafegando pela BR-414 que dá acesso ao salto quando me deparei com cena pitoresca para não dizer burlesca. Determinada placa de sinalização da rodovia constava dos seguintes dizeres:

C.de Goiás  27 km

A. de Goiás 35 km

peço desculpas se as quilometragens não são precisas pois não tive como tirar foto, afinal estava dirigindo. Mas de qualquer forma esse dado não vem ao caso. Na hora que vi os escritos confesso que tive vontade de rir, porém logo veio uma outra reação: indignação. E aí aproveito e pergunto a V.Sa. onde estava com a cabeça a pessoa que escreveu essa placa? Eu me fiz essa pergunta, sabe? Perguntei-me também o que estava implícito nas letras abreviadas. Sabe quantos municípios de Goiás começam com a letra “A”? Vinte e nove! Tudo bem que só quatro deles tem o sufixo “de Goiás”, mas daí precisaríamos de uma aula de geografia para identificar qual se trata. Os que principiam com a letra “C” são trinta. Para o transeunte se localizar ele teria que ser expert em nomes de municípios do Estado e, além disso, fazer um jogo de adivinhação. Muitos podem alegar que existem municípios homônimos, como é o caso de Corumbá e Teresópolis. Porém seria hilário pensar que teríamos uma placa, transitando dentro de Goiás, com indicação de quilometragem para a Corumbá do Mato Grosso do Sul. O mesmo se aplica a Teresópolis do Estado do Rio de Janeiro. Aí eu volto a pergunta: onde estava a cabeça do cidadão que escreveu essas placas que suprimiu a informação mais importante de comunicação? Depois de me questionar pensei algumas hipóteses. Coisa rápida enquanto passava a indignação. Será que estavam economizando o tamanho das placas? Será que foi obra de algum estagiário? Será que o “A” seria de “abestado”? Enquanto me questionava, seguindo na rodovia, passei por outra placa com a mesma aberração e percebi que não se tratava de um erro pontual e sim um assassinato em série.  

          Contada a história meu caro Presidente, e com a devida vênia sem me alongar mais no caso, acho interessante a intervenção de V.Sa. na lide antes que cause uma desorientação nos usuários da rodovia, ou vire caso de polícia, ou piada.

 

Prestando minhas imensas estimas de saúde, pede deferência.

 

G. de Goiás

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 31 de maio de 2024

santanagui@hotmail.com

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

 

Cura para o que não é doença

 

          Esses dias chegou até mim um funcionário oferecendo uma rifa. A princípio nada de diferente visto que volta e meia esse artifício é usado para alguma causa urgente ou sonho recorrente. Como é do meu costume especulei para que seria o recurso arrecadado e a resposta me remeteu à minha vida. O motivo era levantar fundos para pagar um exame neuropsicológico diagnosticando TEA e TDAH para o enteado. Não fosse minha relação pessoal com o TEA, ainda sim seria uma causa a aquecer o coração, então contribui de bom grado. Só o afeto faz dessas coisas.

          Esse mesmo teste, objeto da rifa, realizei com meu filho mais novo por esses tempos. O resultado positivo ao Transtorno de Espectro Autista descortinou toda uma vida antes desconhecida. Primeiro vieram as respostas (coisa diferente porque antes vem as perguntas) à muita coisa que não entendia. Coisa natural visto que o entendimento vem do conhecimento, e até aquele momento, eu não detinha o conhecimento. Muitas reações e comportamentos do filho, desde a infância, foram sendo explicados pelas características do autismo. Parece que é tirado um peso das costas do pai que por muitas vezes se sentiu incapaz de educar o filho da maneira culturalmente convencional. Depois das respostas, invertendo o processo, vieram as perguntas. Uma enormidade de questionamentos e dúvidas sobre o transtorno e de como lidar com ele. Aquela culpa que havia me livrado quando escutei o diagnóstico voltou de forma redobrada. Será que tenho capacidade para educar e conviver com um filho autista? Será?

          A primeira coisa que aprendi é que o autismo não é uma doença e sim um jeito de ser. Portanto não há de se falar em cura para aquilo que não é doença. Um axioma difícil de absorver. Não tem cura, mas tem tratamento. Para quem é portador do TEA e para quem convive com ele. Quase uma reeducação. Sabe quando a professora do primário ensina condutas básicas aos seus alunos como “não pode morder no amiguinho”? É mais ou menos isso. Aprender do princípio como lidar com os seres humanos. Seus jeitos de ser e de se manifestar. Como se voltasse a estaca zero no processo de se conhecer como ser humano e como se relacionar com seu próximo. E o que é preciso e necessário de tratamentos nesse processo de reeducação? Lançar mão do conhecimento. Ferramenta essencial, pois, sem ela é como andar em campo minado vendado. Paciência também é muito bem-vinda, de preferência em grandes doses. Resiliência para fletir e não quebrar fica no esteio do tratamento. Empatia serve à compreensão. Afeto funciona na solidificação. Aliás se tivesse que eleger um tratamento essencial, esse seria o afeto. Melhor que qualquer remédio e qualquer oração. Poderoso catalisador de compreensões humanas e solidificar de sentimentos bons.

          Ao final, mesmo que não tenha chegado a ele, entendo que todo o processo é lento e constante. Por isso a paciência. Não se aprende a andar sem engatinhar. É um processo de redescobertas e ressignificados. Palavras novas são aprendidas e sentimentos novos são descobertos. Por isso não é uma doença e sim um renascimento. Um ressurgimento de quem é portador do TEA e daqueles que o amam incondicionalmente. Puro afeto.

 

           

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 05 de janeiro de 2024

santanagui@hotmail.com