Segue abaixo mais uma crônica fresquinha desta sexta escaldante. Bom proveito e bom fim de semana.
Eu sou Coveiro
Geralmente os assuntos que movem as crônicas são suscitados por pequenos detalhes que vejo na rua. Tipo uma notícia, um fato inusitado ou uma coisa engraçada. A de hoje não foge à regra. Estava eu dirigindo meu carro na ida para o almoço, quando me deparei com um adesivo fixado em um carro com o seguinte dizer: “minha filha faz UFG”. Antes de mais nada, para os não goianos, esclareço que UFG nada mais é do que Universidade Federal de Goiás. Esclareço ainda que é uma faculdade pública e consequentemente não paga. Terminados os esclarecimentos voltemos ao tema. Após ler tal escrito fiquei me perguntando: qual seria o complemento subliminar da frase ao qual tinha a intenção de dizer o autor, e não teve “coragem” de fazê-lo? Seria: “minha filha faz UFG e a sua filha faz faculdade paga, seu bocó!”? Ou ainda: “minha filha faz UFG e sua filha nem faculdade faz, seu idiota!”? Quem sabe seria: “minha filha faz UFG e a sua filha fuma crack na esquina, seu irresponsável!”? Poderia ser até: “minha filha faz UFG e a sua filha até poucos dias atrás era filho, seu Mané!”? Nos meus devaneios “cronísticos”, recordei-me dos diversos adesivos que tinha observado e que tinham uma certa ligação com esse tipo de orgulho ofensivo/excessivo. Quem nunca viu um: “Sou Católico graças a Deus”? Ou um “Eu amo meu marido”? Ou ainda um: “presente dado por Deus”? E até o: “Kattlyyn Victtórya a bordo”? Qual seria a raiz dessa tentativa de exprimir orgulho de forma agressiva e emblemática? Não seriam essas tentativas uma faca de dois gumes? Não estariam essas pessoas discriminando ao invés de incluindo?
Gostaria antes de continuar, fazer-lhes uma confissão bem íntima. Eu fiz UFG! Um dos cursos mais concorridos: Engenharia Civil! Eu amo minha esposa! Meu carro não foi presente, pois ainda devo um monte de parcelas do financiamento! Não sou Católico, nem Evangélico, nem Espírita, nem Muçulmano e nem Nada! E por fim, meus filhos não tem nomes compostos com várias dobras de letras e mesmo assim os amo de paixão! Ufa... Desculpem o desabafo. Precisava fazer isso para me sentir melhor. Voltemos. Qual seria o motivo pelo qual as pessoas estão escancarando a sua “felicidade” aos quatro ventos? Seria carência de reconhecimento de realização pessoal?
O que vou dizer agora não é criação minha, mas entendo como a verdade mais verdadeira dita sobre o homem. “O objetivo do ser humano é ser feliz”. E nessa busca as pessoas estão esquecendo que a felicidade se basta, ou seja, não precisa de outdoor para sua divulgação. O orgulho de um pai que tem sua filha universitária não deveria ser esfregado na cara de outro que não teve o mesmo sucesso. A sua felicidade devia lhe bastar. Ser expressa para quem lhe causou felicidade. E quem disse que a filha que fez faculdade será uma pessoa melhor do que a que ficou só no ensino básico? Ou que a filha que nem ensino teve? O mundo está cansado de exemplos de pessoas que venceram na vida com pouca ou nenhuma formação. E vamos mais longe. Quem garante que a pessoa que teve sucesso na vida será uma pessoa feliz? Também estamos cheios de exemplos de pessoas bem sucedidas e completamente infelizes. Penso que não precisamos dizer que estamos felizes, pois as feições de uma pessoa feliz são percebidas de longe. Não há necessidade de a esposa dizer que ama seu marido, pois seus atos dirão por ela. Essas manifestações exageradas, ao meu ver, soam mais como um mantra em busca da felicidade do que como expressão fidedigna da mesma. E vou me arriscar mais ainda. Acho que a evocação excessivamente orgulhosa das coisas funciona como repelente para sua concretização. Já dizia minha avó que traz olho gordo.
Para finalizar e corroborar com a minha tese, vou mandar fazer um adesivo com dizeres que a maioria das pessoas não teria o mínimo orgulho, mas que demonstra cabalmente que a felicidade pode estar onde menos se espera: “Eu sou Coveiro”. Tese sustentada. Só espero não atrair olho gordo. Por via das dúvidas vou plantar um pé de arruda no meu quintal.
Guilherme Augusto Santana
Goiânia, 02/09/2011
twitter.com/santanagui
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