caros leitores e amigos
Faço dessa uma edição extraordinária de domingo para homenagear a bela Cumuruxatiba.
Espero que gostem.
Cumuru para os íntimos
A princípio essa crônica pode parecer um pouco específica demais. Ou talvez intimista demais. Ou ainda baianista demais. Mas tudo depende do ponto de vista. Ela pode se referir a qualquer lugar que você visite e tenha a mente aberta para boas percepções. Esse texto é fruto de três motivações. Primeiro de um Tio escritor (Dr. Carlos Magno de Melo) que comentou a pouco que havia tempo que não lia boas crônicas enogastronômicas como as minhas. Orgulho. Segundo de um comentário que recebi direto de Cumuruxatiba via e-mail, sugerindo que eu narrasse as idas e vindas dos locais do local. Lisonja. Terceiro por paixão mesmo. Comoção. Por isso se parecer longe demais de vocês caros leitores, tipo nunca vou a esse lugar, se coloquem no meu lugar. Talvez consigam sentir o que senti.
A aventura começa para se chegar a Vila de Cumuruxatiba, distrito de Prado, Bahia de todos os santos. Da minha terrinha são mais ou menos 1.700 km. Os aeroportos são longe, ou seja, a melhor maneira de se chegar lá é no bom e velho automóvel. Não vamos reclamar das estradas brasileiras aqui, porque esse não é o objetivo. Vamos supor que você já chegou a Prado. Daí ate a Vila são 32 km de estrada de chão. Rally. Mas tem uma coisa. A estrada vai margeando a costa. Ela serpenteia para perto e para longe do mar. Toda vez que encosta nas águas azuis escutam-se suspiros de admiração de quem está no carro. Chegando ao destino final, vá logo ao local aonde vai se hospedar e de roupa mesmo já dê o primeiro mergulho no mar. Tira os maus fluídos. Descarrego natural. Depois você vai pensar em descarregar mala e se instalar em definitivo. Nessa hora você já tem que estar com a primeira lata de cerveja aberta. Não escolha marca nem temperatura. Até porque nessa terra você toma a cerveja que consegue chegar ao mercado e gelada nem pensar. Mas não se apoquente porque você está na Bahia. Lá o sistema é diferente mesmo.
Na gastronomia você principie por saber quem é o cidadão que vende ostras. Ele as vende por uns 15 anos seguidos e eu sou testemunha de que são frescas. Se você gostar ou estiver precisando peça a ela que passe todos os dias para deixar meia dúzia ou uma dúzia inteira (aí depende da precisão). São pequenas e salgadas. Eu prefiro sem limão para não mascarar o gosto ferroso do molusco. Mas aí vai do gosto do freguês. Só então comece a peregrinação gastronômica. As opções são variadas. A residência de estrangeiros e de pessoas de outros estados nesse paraíso faz da variedade de opções uma constante. Quer um exemplo? Vá ao Sapoti. Um restaurante de uma Capixaba radicada em Cumuru. No cardápio tem de tudo. De escondidinhos até a famosa moqueca capixaba (uma frase famosa dos nascidos no Espírito Santo é que moqueca é capixaba, o resto é peixada). Eu experimentei a costelinha de porco com couve refogada e polenta. Comida mineira com toque capixaba. Comida de sustância. Preste atenção na pimenta que é forte. E quando eles dizem que é forte, pode acreditar. Fiquei com vontade de experimentar o sarapatel. Talvez uma próxima vez. Do lado do Sapoti, tem o La nave va. Pizzas e crepes. Pode parecer estranho comer essas coisas na praia, mas o local é tão bonitinho que merece a entrada. Os donos não parecem ser da terra e dentro do restaurante funciona um ateliê de arte. Uma gracinha. Experimente o crepe. Escolha o sabor que preferir, mas o suco tem que ser de pitanga. Divino. Dalí mesmo você pode dobrar a esquerda que está na praça principal da Vila. Lá é que ocorre o “footing” como diria minha mãe. No meio da praça está Dona Iraci. Uma baiana de respeito com seu tabuleiro. Principie uma conversa e peça um acarajé. Logicamente que ela lhe perguntará sobre a quantidade de pimenta. Mas uma vez vale a regra. Baiano gosta muito de pimenta, então se não está acostumado, vá devagar. Mais cinco minutos de prosa sobre o tempo são necessários. Alias, uma constante nessa terra. As pessoas gostam de conversar. Trocar uma idéia. Não queira comprar nada apressado. Perda de tempo. Já que está com prazo, siga pela avenida principal e desça a rua da igreja. Ali bem de frente o cartório e a delegacia (que não vi funcionar nos dias que estive lá) você encontrará o bar do seu Gerson. Quer uma identificação? Uma plaquinha escrita a mão: “Temos peixe frito e guaiamun”. Só. Sabem o que é guaiamun? Caranguejo Toc Toc. Sacou? A princípio Seu Gerson, nascido e criado em Cumuruxatiba, vai lhe parecer meio carrancudo. Mas nada que uns dois minutos de prosa não ajudem a melhorar. Peça uma cervejinha gelada e um caranguejo. Sente-se debaixo da amendoeira e comece a usar o porrete para quebrar a casca do crustáceo. Acompanha a famosa farinha dura e um vinagrete picante de comer ajoelhado. Não se faça de rogado em chupar os dedos sujos e de pedir mais um pouco do vinagrete. Não é vergonha. Terminada a terapia, suba um pouquinho a rua e sente no Restaurante da Ema, afinal caranguejo não enche barriga. Peça um abadejo (esse peixe, há alguns tempos era todo exportado. Hoje já se consegue achá-lo na Bahia) frito acompanhado de feijão de caldo. Estranho? Para quem está sentido falta do feijãozinho de Goiás, é a redenção. Coma com calma e aproveite a sorveteria do lado (da Ema também) e solicite um sabor de graviola. Sem palavras. Aliás, use e abuse das frutas locais. Graviola, mangaba, pitanga... são as melhores. Terminou? Continue da principal. Mais a frente. Pare no Restaurante da Dona Rosa. Ali perca um tempo. Peça o arroz de polvo. Que risoto que nada. Arroz mesmo. Dos pratos que entram na minha seleção dos “top ten”. Pensa num polvo macio e saboroso. É bom ficar um prazo sentado para esperar a comida se assentar. Depois volte fazendo uma caminhada. Pare na Lucinha para uma cocada. Tem de vários sabores, mas a minha preferida é a tradicional coco queimado. Peça umas extras para levar para casa. Você pode precisar. Ande mais um cadiquinho e pare na Cafeteria Gelatto. Peça um café. Se eu contar vocês não vão acreditar, mas difícil a capital que tem uma cafeteria bonita como essa. Cafés variados, sorvetes, refeições rápidas e uma música deliciosa. Decoração impar. Outro estabelecimento de pessoas de fora. Cara de coisa cosmopolita. Esse é um dos charmes da Vila. Produto estrangeiro com atendimento e sotaque baiano. Aí você imagina a mistura. Chega de comida e bebida por hoje? Então vamos embora dormir porque amanhã de manhã tem praia.
Pelo menos um dia da sua estada em Cumuru você tem que cair da cama as 5:30 para ver o sol nascer. Necessário. Coisa de lavar a alma. Sente-se na areia da praia e fique olhando o astro rei aparecer no horizonte e reflita o quanto somos pequenos nesse mundo de meu Deus. Curtido o programa, levante-se e vá andar na praia. Vá até o fim dela. Lá perto do açude da cidade. Encostado nas falésias você irá encontrar O Alquimista. Pensa num lugarzinho bacana. Um platô gramado e povoado de coqueiros com redes armadas. Penso que na Bahia os coqueiros já nascem com uma rede pendurada. Sente-se em uma das mesinhas e aprecie a vista. Não se apresse, pois esse é um dos melhores ângulos do litoral baiano inteiro. Logo uma das meninas virá te atender. Sempre simpáticas. Peça um café completo. Fruta, pães caseiros, suco, ovos mexidos... tudo preparado com muito carinho. E se você é goiano ou mineiro ou tem danura por pão de queijo, peça uma porção. Não irá se arrepender. Vêm envoltos numa mantinha de linha para permanecerem quentes. Aí aproveita e peça um café expresso. O melhor do sul da Bahia. Solte o corpo, curta a trilha musical escolhida a dedo e fique olhando o mar. Nada mais justo. Nada mais lindo. Esse local é daqueles que você pensa: “poderia passar o dia inteiro aqui... ou talvez uma vida inteira”. Terminado o descanso, volte pela praia. Se for possível pare em cada barraquinha e peça uma cerveja e um tira gosto peculiar. Não sendo possível, pare na Barraca Axé e pergunte pelo polvo embriagado. Uma marinada do molusco em vinagrete e cachaça de Salinas-MG. Acompanha torradinha para ajudar na captura do acepipe. No final você não terá certeza de quem estará mais embriagado, você ou o polvo. Aproveite que está ali perto e passe no Cigano para reservar um passeio de barco. Bom para conhecer as praias da região. Ele mostrará a Barra do Cahy que foi onde a esquadra de Cabral desceu a primeira vez no Brasil para pegar água doce. Mostrará o monte Pascoal e parará para um mergulho nos corais da região. Se o dia estiver bom, você terá a oportunidade de ver uma vida marinha rica, fruto da temperatura morna da água da região. No meio do passeio vocês aportarão em Corumbáu. Aí é paraíso. Entre as cinco praias mais belas do Brasil. Local isolado que até pouco tempo atrás não tinha energia elétrica (hoje tem, mas a população exigiu que os postes fossem pintados de verde para se confundirem com a vegetação). Para chegar a esse local, somente de barco ou de carro quando não estiver chovendo. Mas vale a pena. Aqui se encontram as pousadas mais exclusivas e chiques do Brasil. O trânsito de grandes iates e helicópteros é constante. Mas como você não é dado a esses luxos sente-se em uma das barraquinhas na beira da praia e peça uma cerveja e uma moqueca. Vão te tratar com a mesma simpatia e cortesia de sempre e você se sentirá rico. Rico por ter a oportunidade de desfrutar de local tão paradisíaco. Na volta o barco pode balançar um pouco, mas nada que um Dramin não resolva. Chegando em terra, você pode começar tudo de novo. Escolha um dos locais citados ou vá desbravar novos horizontes. Na Vila temos restaurantes estrelados como o Hermes que tem um Budião na folha da bananeira que é divino e restaurantes pitorescos como o Mama África que foca a comida sul africana. Se estiver com vontade de uma coisa mais rápida passe no pastel italiano na praia do peixe grande e peça um de camarão. São preparados pessoalmente pela Dona Silvana e servidos pelo seu Ozires. Casal simpático de Santos que abandonou o Estado de São Paulo para viver no paraíso. Se estiver hospedado em casa e por um acaso quiser se arriscar na cozinha, vá até o Mazão e compre peixe e frutos do mar. Fica detrás da igreja. Outro papo agradável de um baiano que faz questão de te tratar como um amigo. Se a conversa se estender um pouquinho capaz de você ainda ganhar um mimo. Eu ganhei uma porção de mini lulas para cozinhar com água e sal. Um luxo. Coisas de amigos. E por aí vai.
Sei que a maioria dos citados nessa crônica não terá oportunidade de ler o que foi dito aqui, mas fico feliz em contar um pouco do que senti. Eles podem não saber, mas fazem um bem imenso a quem pratica o turismo naquela Vila. Eu fui um dos agraciados. Baterias recarregadas e pronto para voltar à lida. Se bem que lá tem um problema. Muitas vezes a gente se questiona se realmente é necessário voltar para casa. Ou se temos coragem e desprendimento para tornar aquele lugar a nossa casa. Muitos tiveram esse desprendimento e essa coragem. Sul africanos, Suecos, Americanos, Paulistas, Mineiros, Capixabas, Gaúchos, Goianos que juntos com os nativos ajudaram a dar charme aquela pintura feita pelo Criador. Eu não tive. Voltei para casa. Mas deixei parte do meu coração lá. Quem tiver a oportunidade de um dia conhecer aquela terra poderá encontrar vários pedaços dele espalhados por lá. Um dia eu volto para recolhê-los. Um dia. Saravá!
Guilherme Augusto Santana
Goiânia (com o coração em Cumuru), 08/01/12
ps.: Ilse, promessa é dívida.
legenda (desculpem as fotos amadoras)
1) por do sol em Cumuruxatiba
2) ostras da região
3) costelinha de porco, couve refogada e polenta do Sapoti
4) guaimun do Seu Gerson
5) acarajé da Dona Iraci
6) restaurante da Ema
7) cocada da Lucinha
8) coqueiros e redes do O Alquimista
9) vista do O Alquimista
10) pão de queijo do O Alquimista
11) polvo embriagado da barraca Axé