sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Impávido Colosso

Política é um assunto para se pensar sempre.

aproveitem.



Impávido Colosso



         Não costumo voltar a tema da semana anterior, a não ser que o mesmo não tenha sido totalmente esgotado ou que tenha havido uma repercussão bem acima do esperado. Penso que a repetição de hoje se deve aos dois fatores em conjunto. Politização é um tema que nunca se esgota, principalmente para nós brasileiros que vivemos em uma democracia tão incipiente e remendada. E no caso da minissérie “Brado Retumbante”, tenho percebido uma manifestação acima do considerado normal. Notei também uma mudança de perfil dos telespectadores da citada minissérie. Vejo formadores de opinião de alto quilate discutindo sobre os feitos do nosso Presidente da República de faz de conta. Pessoas que não costumam se apegar a televisão muito facilmente, a não ser que vejam nisso uma oportunidade de enriquecer seus conceitos (coisa rara na nossa TV contemporânea). Também vejo muitas pessoas ligadas diretamente ao meio político. O que leva esses formadores de opinião, políticos ou não, a estarem acompanhando um programa de caráter fictício? Estariam os nossos pensadores carentes de conceitos como ideal, retidão, honestidade e democracia?

         Outra dúvida que me bate agora, só que agora falando como telespectador, é quanto ao final da minissérie. Porque vai sofrer assim lá na baixa da égua (como dizia meu avô)! Parece que a função de Presidente da República é amaldiçoada. O cidadão tem um filho trans sexual, uma filha viciada em medicamentos, um genro traíra, um bando de políticos safados querendo puxar seu tapete, um quase conflito armado com a Bolívia do Sul (nome proposital né?), uma mãe doida, um tio “mala”, um atentado a bala e uma mulher que o trai com um argentino?!?! Isso não é vida. É um purgatório! Considerando o desconto da teledramaturgia, será que o autor dará um final feliz para o personagem, ou mostrará o que é a vida real? Afinal, nem sempre no final todo mundo é feliz. Nem todo mundo se casa (não que casamento signifique felicidade), nem todo mocinho fica rico e principalmente, nem todo bandido vai para a cadeia ou explode num acidente de avião. Isso é fato. Mas não adianta locupletar, pois só saberemos o desfecho dessa história no capítulo final de hoje à noite. E espero sinceramente que o autor se mostre um pouco “Rodriguiano” e nos surpreenda com um final inesperado. Logicamente que não vamos levar muito ao pé da letra a invocação por Nelson Rodrigues, afinal não precisamos de nenhum incesto no fim dessa história.

         Independente do desfecho gostaria de voltar ao cerne da questão que me motivou retornar a esse assunto. Não foi pelo heroísmo sofredor do Presidente e sim pelo contexto deteriorado do nosso cenário político. Não cabe e nunca caberá a nós cidadãos desse país, elegermos um salvador da pátria. Isso só funciona em livros e séries de TV. Cabe a nós, aí sim de maneira consciente, escolher pessoas mais responsáveis e com princípios mais retos para comandarem essa nação. E temos que começar pelos que estão mais próximos de nós. Prefeitos e Vereadores. Nada mais apropriado para um ano de eleições municipais. E cabe a esses mesmos formadores de opinião que se interessaram pela minissérie, influenciar pessoas nesse sentido. A política desse país requer mudanças, e elas só virão se forem gestadas por nós. Ou ficaremos eternamente observadores do nosso “Impávido Colosso”? Já pensaram nisso?

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, 27/01/12

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Eu penso na resposta das crianças

Amigos
Em homenagem ao aniversário de São Paulo publico uma das antigas. Fatos acontecidos e relatados diretos de Sampa. Vivências.


“ EU PENSO NA RESPOSTA DAS CRIANÇAS”



Estou aqui na frente de um computador de hotel (que não é o meu computador) com uma dose de wisky na minha frente (para tentar relaxar), tentando colocar algumas linhas que parecem sair das entranhas, pensando em como vou carregar meu celular. Na verdade penso que poderia ter sido pior, principalmente quando lembro do brilho do revólver 38 apontado para mim em pleno bairro nobre de São Paulo. Dois garotos que não chegavam a minha idade. Alguns segundos. Parece um sonho. Penso agora que será difícil dormir esta noite. Torço para que a dose de wisky faça efeito logo. Só espero não sonhar com o brilho da arma.



Para quem não está entendendo nada, vou tentar explicar, apesar da anestesia causada pelo álcool, ou pela adrenalina, ou pela impotência, ou pela indignação. Vou me ater ao principal, já que assaltos em grandes metrópoles brasileiras, já não causam tanto espanto. Estive sob a mira de um revólver por alguns segundos (que pareceram horas) em bairro nobre da capital paulistana. Levaram uma mala e uma maleta. Um notebook (muito valor financeiro, pouco valor afetivo). Uma agenda (não consigo viver sem agenda). As chaves da minha casa (violação de privacidade). Uma jaqueta Aramis (acabei de pagar a última parcela a pouco). Algumas roupas (intimidade). Um presente que ganhei da minha irmã (amo minha família). Meu carregador de celular (realmente não vivo sem celular). Meu barbeador (não faz falta). Alguns documentos que estou elaborando a quatro dias nessa cidade (assinados e com firma reconhecida). As fotos digitais das minhas viagens (meu descanso). Dos meus amigos (meu tesouro). Da nossa gravidez (minha e de minha querida esposa). Dos momentos felizes que tenho passado (que não são poucos). Da minha filha (que me veio ao pensamento quando vi o brilho da arma). Levaram a minha dignidade (principalmente ela).



Amanhã embarco de volta para casa mais leve do que vim. Em bagagem. Restou a roupa do corpo. Mais pesado em indignação. Em revolta. Nada a amaldiçoar sampa, de quem tenho grande admiração e afeto. Nada contra sua contemporaneidade. Nada contra suas esquinas famosas. Mesmo que nelas se escondam usurpadores de dignidade. Amanhã volto para minha cidade (que também tem seus rompantes de violência). Volto com a roupa do corpo. Sem um pedaço da minha esperança. Volto com a recordação da indignação do taxista que me trouxe até o hotel. Volto com o som do seu choro velado desejando que aqueles meninos da arma de fogo morressem. Volto com um aperto no coração. Volto ansioso por um abraço em minha pequena Helena,  mesmo que ela não entenda este gesto exagerado de carinho. Mas volto disposto a lhe ensinar que o mundo pode ser cruel, mas pode ser doce como seu sorriso. Tudo é uma questão de escolha. Eu escolho ser melhor, mesmo que o brilho de uma arma povoe meus sonhos. Porque a vida é bonita e é bonita.  



Direto da Ipiranga com a São João  10/10/2007.



Guilherme Augusto Santana

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Brado retumbante

amigos leitores


Devaneios de um ex cara pintada





Brado Retumbante

         Numa semana recheada de Michel Teló, BBB e Luiza, gostaria de abordar um acontecimento que está passando meio ileso pela grande massa, até porque não tem o apelo dos outros temas da moda. Uma minissérie que a Globo está exibindo intitulada “Brado Retumbante”. Confesso que tenho gostado das minisséries da emissora que em sua maioria retratam assuntos menos banais que os das novelas, e geralmente tem abordagens mais profundas e efeitos visuais diferenciados. Essa em questão me chamou a atenção por vários motivos. Primeiro que mostra a muitos brasileiros que Joaquim Osório Duque Estrada escreveu “brado retumbante” no hino nacional e não “bravo redundante”, como a maioria canta. Segundo que mostra um perfil de Presidente da República que não estamos acostumados a ver em nossos livros didáticos. A nossa visão histórica dos chefes maiores da nação sempre foi caricata e pouco heróica. Começando com o mulherengo Dom Pedro I, passando pelos almofadinhas café com leite da Velha República, o ditador Getúlio Vargas, o louco Jânio Quadros, os cruéis generais da ditadura militar, o oportunista José Sarney, o exibicionista Collor de Melo, o brejeiro Itamar Franco, o sociólogo FHC, o operário Lula e a mulher Dilma Rousseff. Fora aqueles que nem lembramos o nome. Talvez a única exceção a essa regra tenha sido o carismático Juscelino Kubitschek, que teve um bafejo de presidente aos moldes americanos. Esse contexto histórico trouxe aos brasileiros uma síndrome de vira latas em relação ao seu chefe maior. Nós não temos presidentes que pilotem caças para combater alienígenas e nem que lutem com seqüestradores do próprio avião presidencial. Esse talvez tenha sido o grande apelo dessa minissérie em questão. Mostra um Chefe de Estado determinado e convicto de seus ideais. Um daqueles que enfrenta os velhos caciques da política de peito aberto. Sem baixar os olhos. Sofre atentado a sua vida e não esmorece. Tem uma equipe de governo dinâmica, competente e pronta a ajudar a nação. Tem uma primeira dama que está ao seu lado. Lutando. Não fazendo caridade e limpando o Palácio da Alvorada. Logicamente que a história tem seus exageros e falhas, mas confesso que ainda sonho com um Presidente assim para meu país. Não só de um Presidente, mas de vários políticos com essa garra e com esse ideal de limpeza política. Não quero um Harrison Ford nem um Bill Pullman, mas gostaria de ter um Presidente de quem me orgulhar. Daqueles que representam a nação com disposição e galhardia. E que chamasse o povo a luta. Por esse eu sairia às ruas com a cara pintada como fiz um dia. Por esse eu empunharia a bandeira da pátria e gritaria o brado retumbante: Brasil!           

Desculpem meu devaneio.




Guilherme Augusto Santana
Goiânia, 20/01/12

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Azar, crendice e outros acessórios mais

Amigo leitor mando-lhe a dessa sexta feira 13.
Se não ler vai dar azar!



Azar, crendice e outros acessórios mais



         Não teria tema mais relevante para se falar nessa sexta feira 13 do que o azar. Alias a primeira data desse tipo nesse ano que principia. Todas as redes sociais ficaram inundadas de referências e principalmente piadinhas a respeito do fato. E é interessante pensar como as pessoas ainda têm receio dessas crendices em pleno século XXI. Na era da globalização de informações e vendo a desinformação tomar conta do âmbito popular como se ainda vivêssemos na era da pedra. O que leva o homem a se deixar levar por esse tipo de crendice nos dias atuais? O que leva a informação ser suplantada pela crença? Essas são perguntas que a humanidade tenta responder desde que se entende por gente. E pelo que vejo ainda não conseguiu responder e muito menos achar antídoto para seus malefícios.

         Há alguns dias estava trocando umas lâmpadas aqui em casa e para isso lancei mão de uma escada alta. Coloquei-a bem no rumo da entrada para facilitar o serviço de maneira que a passagem ficava interditada. O único caminho a se percorrer seria passar por baixo dela. Entrou uma pessoa para conversar algo que não me lembro mais e ficou ali, na entrada, parada. Estática. Só percebi que estava assim um tempinho depois. Perguntei se ela não passava debaixo de escada. A resposta foi assertiva. Achei um pouco engraçado e retirei a escada para dar passagem a ela. Fiquei refletindo depois o que leva uma pessoa a achar que um simples ato de passar debaixo da escada trará má sorte. O que se passou pela mente divina para estabelecer alguns fatos aleatórios como causadores de intempéries para os pobres seres humanos? Imagino-o, o Criador, pensando: “Deixe-me ver... gato preto é uma boa. Espelho! Esse é bom. Sete anos de azar. Escada também é legal, mas subir nela? Não! Passar debaixo!”. Seria como trazer Deus para o patamar humano com suas deficiências e inseguranças. Um quase semideus grego. E esse mal que padecemos não é de agora. Desde os primórdios que o homem sofre com as crendices. O fogo e a lua foram alvos de explicações mil que envolviam temor e imaginação. Depois que descobrimos que não passavam de elementos naturais, muitas de suas crenças viraram lendas. Esse é o fato que diferencia a crença do real. O conhecimento. Quando os navegadores singraram os oceanos descobrindo que a terra era redonda, caiu por terra o mito das fossas abissais no fim dos mares. Mas precisaram navegar para descobrir. Assim também funciona nos dias de hoje. Precisamos obter o conhecimento para suplantar a crença. Senão estamos fadados a continuar achando que a terra é chata e que o fogo é arte de maus espíritos. Esse é o nó da sabedoria humana. O conhecimento. Dele depende nossa evolução como espécie.

         Voltando a nossa data emblemática, hoje quando acordei estava no hospital. Não se apavorem ainda. Estava de acompanhante para a esposa que havia feito uma pequena intervenção. Sexta feira 13 e eu um coveiro. Se fosse para dar azar, ali seria campo fértil. Mas não. O dia transcorreu normal como transcorrem todos os outros, sujeitos às intempéries naturais. Provavelmente porque quando acordei bati três vezes na madeira. Brincadeirinha.   





 



Guilherme Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 13 de janeiro de 2012

domingo, 8 de janeiro de 2012

Cumuru para os íntimos

caros leitores e amigos

Faço dessa uma edição extraordinária de domingo para homenagear a bela Cumuruxatiba.
Espero que gostem.


Cumuru para os íntimos



A princípio essa crônica pode parecer um pouco específica demais. Ou talvez intimista demais. Ou ainda baianista demais. Mas tudo depende do ponto de vista. Ela pode se referir a qualquer lugar que você visite e tenha a mente aberta para boas percepções. Esse texto é fruto de três motivações. Primeiro de um Tio escritor (Dr. Carlos Magno de Melo) que comentou a pouco que havia tempo que não lia boas crônicas enogastronômicas como as minhas. Orgulho. Segundo de um comentário que recebi direto de Cumuruxatiba via e-mail, sugerindo que eu narrasse as idas e vindas dos locais do local. Lisonja. Terceiro por paixão mesmo. Comoção. Por isso se parecer longe demais de vocês caros leitores, tipo nunca vou a esse lugar, se coloquem no meu lugar. Talvez consigam sentir o que senti.



A aventura começa para se chegar a Vila de Cumuruxatiba, distrito de Prado, Bahia de todos os santos. Da minha terrinha são mais ou menos 1.700 km. Os aeroportos são longe, ou seja, a melhor maneira de se chegar lá é no bom e velho automóvel. Não vamos reclamar das estradas brasileiras aqui, porque esse não é o objetivo. Vamos supor que você já chegou a Prado. Daí ate a Vila são 32 km de estrada de chão. Rally. Mas tem uma coisa. A estrada vai margeando a costa. Ela serpenteia para perto e para longe do mar. Toda vez que encosta nas águas azuis escutam-se suspiros de admiração de quem está no carro. Chegando ao destino final, vá logo ao local aonde vai se hospedar e de roupa mesmo já dê o primeiro mergulho no mar. Tira os maus fluídos. Descarrego natural. Depois você vai pensar em descarregar mala e se instalar em definitivo. Nessa hora você já tem que estar com a primeira lata de cerveja aberta. Não escolha marca nem temperatura. Até porque nessa terra você toma a cerveja que consegue chegar ao mercado e gelada nem pensar. Mas não se apoquente porque você está na Bahia. Lá o sistema é diferente mesmo.



Na gastronomia você principie por saber quem é o cidadão que vende ostras. Ele as vende por uns 15 anos seguidos e eu sou testemunha de que são frescas. Se você gostar ou estiver precisando peça a ela que passe todos os dias para deixar meia dúzia ou uma dúzia inteira (aí depende da precisão). São pequenas e salgadas. Eu prefiro sem limão para não mascarar o gosto ferroso do molusco. Mas aí vai do gosto do freguês. Só então comece a peregrinação gastronômica. As opções são variadas. A residência de estrangeiros e de pessoas de outros estados nesse paraíso faz da variedade de opções uma constante. Quer um exemplo? Vá ao Sapoti. Um restaurante de uma Capixaba radicada em Cumuru. No cardápio tem de tudo. De escondidinhos até a famosa moqueca capixaba (uma frase famosa dos nascidos no Espírito Santo é que moqueca é capixaba, o resto é peixada). Eu experimentei a costelinha de porco com couve refogada e polenta. Comida mineira com toque capixaba. Comida de sustância. Preste atenção na pimenta que é forte. E quando eles dizem que é forte, pode acreditar. Fiquei com vontade de experimentar o sarapatel. Talvez uma próxima vez. Do lado do Sapoti, tem o La nave va. Pizzas e crepes. Pode parecer estranho comer essas coisas na praia, mas o local é tão bonitinho que merece a entrada. Os donos não parecem ser da terra e dentro do restaurante funciona um ateliê de arte. Uma gracinha. Experimente o crepe. Escolha o sabor que preferir, mas o suco tem que ser de pitanga. Divino. Dalí mesmo você pode dobrar a esquerda que está na praça principal da Vila. Lá é que ocorre o “footing” como diria minha mãe. No meio da praça está Dona Iraci. Uma baiana de respeito com seu tabuleiro. Principie uma conversa e peça um acarajé. Logicamente que ela lhe perguntará sobre a quantidade de pimenta. Mas uma vez vale a regra. Baiano gosta muito de pimenta, então se não está acostumado, vá devagar. Mais cinco minutos de prosa sobre o tempo são necessários. Alias, uma constante nessa terra. As pessoas gostam de conversar. Trocar uma idéia. Não queira comprar nada apressado. Perda de tempo. Já que está com prazo, siga pela avenida principal e desça a rua da igreja. Ali bem de frente o cartório e a delegacia (que não vi funcionar nos dias que estive lá) você encontrará o bar do seu Gerson. Quer uma identificação? Uma plaquinha escrita a mão: “Temos peixe frito e guaiamun”. Só. Sabem o que é guaiamun? Caranguejo Toc Toc. Sacou? A princípio Seu Gerson, nascido e criado em Cumuruxatiba, vai lhe parecer meio carrancudo. Mas nada que uns dois minutos de prosa não ajudem a melhorar. Peça uma cervejinha gelada e um caranguejo. Sente-se debaixo da amendoeira e comece a usar o porrete para quebrar a casca do crustáceo. Acompanha a famosa farinha dura e um vinagrete picante de comer ajoelhado. Não se faça de rogado em chupar os dedos sujos e de pedir mais um pouco do vinagrete. Não é vergonha. Terminada a terapia, suba um pouquinho a rua e sente no Restaurante da Ema, afinal caranguejo não enche barriga. Peça um abadejo (esse peixe, há alguns tempos era todo exportado. Hoje já se consegue achá-lo na Bahia) frito acompanhado de feijão de caldo. Estranho? Para quem está sentido falta do feijãozinho de Goiás, é a redenção. Coma com calma e aproveite a sorveteria do lado (da Ema também) e solicite um sabor de graviola. Sem palavras. Aliás, use e abuse das frutas locais. Graviola, mangaba, pitanga... são as melhores. Terminou? Continue da principal. Mais a frente. Pare no Restaurante da Dona Rosa. Ali perca um tempo. Peça o arroz de polvo. Que risoto que nada. Arroz mesmo. Dos pratos que entram na minha seleção dos “top ten”. Pensa num polvo macio e saboroso. É bom ficar um prazo sentado para esperar a comida se assentar. Depois volte fazendo uma caminhada. Pare na Lucinha para uma cocada. Tem de vários sabores, mas a minha preferida é a tradicional coco queimado. Peça umas extras para levar para casa. Você pode precisar. Ande mais um cadiquinho e pare na Cafeteria Gelatto. Peça um café. Se eu contar vocês não vão acreditar, mas difícil a capital que tem uma cafeteria bonita como essa. Cafés variados, sorvetes, refeições rápidas e uma música deliciosa. Decoração impar. Outro estabelecimento de pessoas de fora. Cara de coisa cosmopolita. Esse é um dos charmes da Vila. Produto estrangeiro com atendimento e sotaque baiano. Aí você imagina a mistura. Chega de comida e bebida por hoje? Então vamos embora dormir porque amanhã de manhã tem praia.



Pelo menos um dia da sua estada em Cumuru você tem que cair da cama as 5:30 para ver o sol nascer. Necessário. Coisa de lavar a alma. Sente-se na areia da praia e fique olhando o astro rei aparecer no horizonte e reflita o quanto somos pequenos nesse mundo de meu Deus. Curtido o programa, levante-se e vá andar na praia. Vá até o fim dela. Lá perto do açude da cidade. Encostado nas falésias você irá encontrar O Alquimista. Pensa num lugarzinho bacana. Um platô gramado e povoado de coqueiros com redes armadas. Penso que na Bahia os coqueiros já nascem com uma rede pendurada. Sente-se em uma das mesinhas e aprecie a vista. Não se apresse, pois esse é um dos melhores ângulos do litoral baiano inteiro. Logo uma das meninas virá te atender. Sempre simpáticas. Peça um café completo. Fruta, pães caseiros, suco, ovos mexidos... tudo preparado com muito carinho. E se você é goiano ou mineiro ou tem danura por pão de queijo, peça uma porção. Não irá se arrepender. Vêm envoltos numa mantinha de linha para permanecerem quentes. Aí aproveita e peça um café expresso. O melhor do sul da Bahia. Solte o corpo, curta a trilha musical escolhida a dedo e fique olhando o mar. Nada mais justo. Nada mais lindo. Esse local é daqueles que você pensa: “poderia passar o dia inteiro aqui... ou talvez uma vida inteira”. Terminado o descanso, volte pela praia. Se for possível pare em cada barraquinha e peça uma cerveja e um tira gosto peculiar. Não sendo possível, pare na Barraca Axé e pergunte pelo polvo embriagado. Uma marinada do molusco em vinagrete e cachaça de Salinas-MG. Acompanha torradinha para ajudar na captura do acepipe. No final você não terá certeza de quem estará mais embriagado, você ou o polvo. Aproveite que está ali perto e passe no Cigano para reservar um passeio de barco. Bom para conhecer as praias da região. Ele mostrará a Barra do Cahy que foi onde a esquadra de Cabral desceu a primeira vez no Brasil para pegar água doce. Mostrará o monte Pascoal e parará para um mergulho nos corais da região. Se o dia estiver bom, você terá a oportunidade de ver uma vida marinha rica, fruto da temperatura morna da água da região. No meio do passeio vocês aportarão em Corumbáu. Aí é paraíso. Entre as cinco praias mais belas do Brasil. Local isolado que até pouco tempo atrás não tinha energia elétrica (hoje tem, mas a população exigiu que os postes fossem pintados de verde para se confundirem com a vegetação). Para chegar a esse local, somente de barco ou de carro quando não estiver chovendo. Mas vale a pena. Aqui se encontram as pousadas mais exclusivas e chiques do Brasil. O trânsito de grandes iates e helicópteros é constante. Mas como você não é dado a esses luxos sente-se em uma das barraquinhas na beira da praia e peça uma cerveja e uma moqueca. Vão te tratar com a mesma simpatia e cortesia de sempre e você se sentirá rico. Rico por ter a oportunidade de desfrutar de local tão paradisíaco. Na volta o barco pode balançar um pouco, mas nada que um Dramin não resolva. Chegando em terra, você pode começar tudo de novo. Escolha um dos locais citados ou vá desbravar novos horizontes. Na Vila temos restaurantes estrelados como o Hermes que tem um Budião na folha da bananeira que é divino e restaurantes pitorescos como o Mama África que foca a comida sul africana. Se estiver com vontade de uma coisa mais rápida passe no pastel italiano na praia do peixe grande e peça um de camarão. São preparados pessoalmente pela Dona Silvana e servidos pelo seu Ozires. Casal simpático de Santos que abandonou o Estado de São Paulo para viver no paraíso. Se estiver hospedado em casa e por um acaso quiser se arriscar na cozinha, vá até o Mazão e compre peixe e frutos do mar. Fica detrás da igreja. Outro papo agradável de um baiano que faz questão de te tratar como um amigo. Se a conversa se estender um pouquinho capaz de você ainda ganhar um mimo. Eu ganhei uma porção de mini lulas para cozinhar com água e sal. Um luxo. Coisas de amigos. E por aí vai.



Sei que a maioria dos citados nessa crônica não terá oportunidade de ler o que foi dito aqui, mas fico feliz em contar um pouco do que senti. Eles podem não saber, mas fazem um bem imenso a quem pratica o turismo naquela Vila. Eu fui um dos agraciados. Baterias recarregadas e pronto para voltar à lida. Se bem que lá tem um problema. Muitas vezes a gente se questiona se realmente é necessário voltar para casa. Ou se temos coragem e desprendimento para tornar aquele lugar a nossa casa. Muitos tiveram esse desprendimento e essa coragem. Sul africanos, Suecos, Americanos, Paulistas, Mineiros, Capixabas, Gaúchos, Goianos que juntos com os nativos ajudaram a dar charme aquela pintura feita pelo Criador. Eu não tive. Voltei para casa. Mas deixei parte do meu coração lá. Quem tiver a oportunidade de um dia conhecer aquela terra poderá encontrar vários pedaços dele espalhados por lá. Um dia eu volto para recolhê-los. Um dia. Saravá!

 



Guilherme Augusto Santana

Goiânia (com o coração em Cumuru), 08/01/12




ps.: Ilse, promessa é dívida.

legenda (desculpem as fotos amadoras)
1) por do sol em Cumuruxatiba
2) ostras da região
3) costelinha de porco, couve refogada e polenta do Sapoti
4) guaimun do Seu Gerson
5) acarajé da Dona Iraci
6) restaurante da Ema
7) cocada da Lucinha
8) coqueiros e redes do O Alquimista
9) vista do O Alquimista
10) pão de queijo do O Alquimista
11) polvo embriagado da barraca Axé













quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

primeira reflexão do ano

amigos e amigas

Como estarei na estrada amanhã, a de sexta vai na quinta. Último dia de Bahia.

A primeira reflexão do ano

São nove horas da manhã e como seria lógico, deveria estar indo para praia, afinal estou na Bahia. Sol, mar, camarão... quase um paraíso. Quase. Estou sentado na fila do posto de saúde do Distrito de Cumuruxatiba. Município de Prado, Estado da Bahia. Isso aqui não é o paraíso, com certeza. Olho para os habitantes que, assim como eu, esperam a hora de serem atendidos. Diferença? Eu passo por isso raramente. Eles, a vida toda. O posto é até grande. Têm várias salas, cadeira de dentista, farmácia, sala de sutura, sala de vacinas... tem até ambulância! Será que finalmente o sistema único de saúde desse país condiz com sua função? Pior que estou aqui pela segunda vez essa semana. Isso merece uma explicação. Darei em seguida.
Um dia após o ano novo meu filho mais novo, Otávio, começou a passar mal. Febre, vômito, dor de garganta e agregados. Coisas de crianças. Entra na comida diferente, aliado com excesso de doce, gelados e frituras e aí pumba! Liga no médico em Goiânia e inicia os medicamentos. Pai prevenido tem quase uma farmácia inteira na mala. Mas a indisposição da criança só aumentava. Tomada a resolução. Posto de saúde. Chegamos lá e... fechado. Aviso na porta. Voltamos a funcionar dia dois de janeiro. Mas que dia era? Dois de janeiro! Acho que o pessoal aqui não segue o calendário muito a risca não. Nesse momento chega outra paciente ao posto de saúde. Uma mulher trazendo a filha com o nariz sangrando. Com certeza moradora da vila. Pergunto se ela conhece o médico da cidade. Ela me responde que sim e diz que vai ligar atrás do doutor. Escuto a conversa com interesse. Ao findar ela me diz que ele vai nos atender em sua residência. Pergunto se sabe onde mora o médico e ela responde positivamente. Proponho uma carona para ela e a filha contundida. Ela aceita e nos encaminhamos ao endereço. Quando chego percebo que a casa é grande e de frente para o mar. De repente aparece o médico. Um senhor de meia idade com roupa de veranista e cara de paulista. Ele examina a menina com o nariz machucado ali no portão mesmo. Receita gelo. Só. Diz que se tivesse aparelho de raios-X faria uma chapa. Não tem. Fica nisso. Só faltou receitar o chá de camomila para acalmar. Manda a paciente embora. Chega a minha vez. Explico a prosopopeia do meu caso. Ele pergunta se estamos de carro e pede para irmos ao posto de saúde para que ele examine meu filho. Acho-o prestativo. Chegando ao posto ele explica que o mesmo deveria estar aberto, mas o Prefeito havia dado ponto facultativo aos funcionários. Resultado? Ninguém apareceu. Examina e preenche ficha. Olha ouvido, garganta e brinca com Otávio. Pergunto quantos anos está em Cumuruxatiba. Quatro anos ele me responde. É de São Paulo. Acertei. Usa um colar de índio. Parece um Xamã. Curandeiro. Faltou só o nome de batismo tupi. Acho-o pitoresco. Receita antibiótico e anti-inflamatório. Diz que tem duas notícias para mim. Uma é que o caso não é grave e a outra é que devo cem reais pela consulta. Acho-o mercenário. Mas quando me recordo da menina do nariz machucado meu coração aquieta-se. Ao menos eu tenho condição de pagar e ter um bom atendimento, mesmo que o sistema, na teoria devesse ser público e gratuito. Ao sair, como numa tentativa de justificar a cobrança, ele me leva na farmácia e me mostra os medicamentos nas prateleiras. Quase nada. “Está vendo esses medicamentos coloridos? Eu os trago de São Paulo quando vou de férias. A prefeitura não fornece quase nenhum medicamento. Injetável nenhum. Equipamento pode esquecer. Pessoal pouco. Pedi verba para pintar o posto de saúde e o Prefeito preferiu alugar um trio elétrico para o Reveillon. A água do poço é contaminada. A fossa, quando chove, transborda. A caixa d’água não é lavada há anos. Recebo meu salário com atraso, quando recebo. Ou seja, faço o que é possível”. Acho-o um herói. Fui embora com um misto de amargura e alívio. No fim da semana estarei de regresso. As mazelas vão continuar aqui.
Tem seis pessoas na minha frente para serem atendidas. Às vezes sinto-me envergonhado por estar utilizando um sistema de saúde, que na prática, é utilizado somente por carentes. Seria como estar pedindo para dividir comigo o pouco que lhes resta. Sei que esse pensamento é errado, mas não consigo me furtar em tê-lo. Enquanto espero fico pensando nos milhares de distritos pobres espalhados pelo Brasil e nos milhares de médicos que se tornam as pessoas mais importante na vida daqueles habitantes carentes. Penso no Dr. Carlos Magno de Melo, meu Tio, um desses heróis sem reconhecimento que clinicam pelo país afora tentando amenizar a dor dos que padecem. Sinto que precisávamos de mais políticos assim, como os médicos. Xamãs. Curandeiros. De homens e de almas. Chega a minha vez de ser atendido. Entro novamente na sala do médico. Acho-o familiar. Como um velho Tio de família. Amanhã vou embora. As mazelas ficam. Elas sempre ficam. Até quando?
      
Guilherme Santana
Cumuruxatiba (distrito pobre de Prado-BA), 05-01-12
santanagui@hotmail.com