quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Eu penso na resposta das crianças

Amigos
Em homenagem ao aniversário de São Paulo publico uma das antigas. Fatos acontecidos e relatados diretos de Sampa. Vivências.


“ EU PENSO NA RESPOSTA DAS CRIANÇAS”



Estou aqui na frente de um computador de hotel (que não é o meu computador) com uma dose de wisky na minha frente (para tentar relaxar), tentando colocar algumas linhas que parecem sair das entranhas, pensando em como vou carregar meu celular. Na verdade penso que poderia ter sido pior, principalmente quando lembro do brilho do revólver 38 apontado para mim em pleno bairro nobre de São Paulo. Dois garotos que não chegavam a minha idade. Alguns segundos. Parece um sonho. Penso agora que será difícil dormir esta noite. Torço para que a dose de wisky faça efeito logo. Só espero não sonhar com o brilho da arma.



Para quem não está entendendo nada, vou tentar explicar, apesar da anestesia causada pelo álcool, ou pela adrenalina, ou pela impotência, ou pela indignação. Vou me ater ao principal, já que assaltos em grandes metrópoles brasileiras, já não causam tanto espanto. Estive sob a mira de um revólver por alguns segundos (que pareceram horas) em bairro nobre da capital paulistana. Levaram uma mala e uma maleta. Um notebook (muito valor financeiro, pouco valor afetivo). Uma agenda (não consigo viver sem agenda). As chaves da minha casa (violação de privacidade). Uma jaqueta Aramis (acabei de pagar a última parcela a pouco). Algumas roupas (intimidade). Um presente que ganhei da minha irmã (amo minha família). Meu carregador de celular (realmente não vivo sem celular). Meu barbeador (não faz falta). Alguns documentos que estou elaborando a quatro dias nessa cidade (assinados e com firma reconhecida). As fotos digitais das minhas viagens (meu descanso). Dos meus amigos (meu tesouro). Da nossa gravidez (minha e de minha querida esposa). Dos momentos felizes que tenho passado (que não são poucos). Da minha filha (que me veio ao pensamento quando vi o brilho da arma). Levaram a minha dignidade (principalmente ela).



Amanhã embarco de volta para casa mais leve do que vim. Em bagagem. Restou a roupa do corpo. Mais pesado em indignação. Em revolta. Nada a amaldiçoar sampa, de quem tenho grande admiração e afeto. Nada contra sua contemporaneidade. Nada contra suas esquinas famosas. Mesmo que nelas se escondam usurpadores de dignidade. Amanhã volto para minha cidade (que também tem seus rompantes de violência). Volto com a roupa do corpo. Sem um pedaço da minha esperança. Volto com a recordação da indignação do taxista que me trouxe até o hotel. Volto com o som do seu choro velado desejando que aqueles meninos da arma de fogo morressem. Volto com um aperto no coração. Volto ansioso por um abraço em minha pequena Helena,  mesmo que ela não entenda este gesto exagerado de carinho. Mas volto disposto a lhe ensinar que o mundo pode ser cruel, mas pode ser doce como seu sorriso. Tudo é uma questão de escolha. Eu escolho ser melhor, mesmo que o brilho de uma arma povoe meus sonhos. Porque a vida é bonita e é bonita.  



Direto da Ipiranga com a São João  10/10/2007.



Guilherme Augusto Santana

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