Depois da poesia vem a conta.
Uma visão bem real sobre os ônus de ser pai
Ser Pai também é...
Muitos dos leitores devem ser
lembrar que a crônica da semana passada foi sobre o dia dos pais. Reeditei um
semi poema dedicado a minha primeira filha por ocasião do seu nascimento. Ali
ficaram escancaradas as sensações, descobertas e alegrias de um pai de primeira
viagem embarcando na nave do amor incondicional. Muitos acharam lindo e
poético. Eu também! Mas agora vamos bater uma real? Vamos ao lado “obrigações”
do ser pai? Espero que estejam preparados, porque não vai ser nada poético
dessa vez. Então aqueles que estão em dúvida sobre ter filhos, aconselho que
abandonem o texto nesse momento. Não me responsabilizo por traumas de leitura.
A frase “todos veem a cachaça que eu
bebo, mas poucos veem os tombos que levo” seria cômica se não fosse trágica. E
real. Educar filhos é uma arte no mínimo espinhosa. Delicada. Afinal estamos
lidando com mentes em formação. Aí muitos poderiam supor que isso denotasse
fragilidade e inocência. Ledo engano. Por estarem em formação, essas pequenas
mentes ainda não distinguem bem o certo do errado e muitas vezes erram querendo
acertar e acertam querendo errar. E os pais (sempre me colocando no meio
destes) com seus conceitos bem definidos, não conseguem assimilar esse método
infantil de erro e acerto. É fácil de entender. Mirem no exemplo. Você sabe
qual cor é o azul. Eu sei também. Aprendi isso e a informação faz parte do meu
conceito. Vamos lá. A criança não sabe o que é azul. Aí se você pergunta para
ela onde está o azul e ela aponta o amarelo, é como se acendesse uma luz
vermelha no seu cérebro. Você explica que aquele que ela apontou é o amarelo e
aponta novamente o azul como a resposta certa. Pergunta de novo qual é o azul.
Ela aponta para o verde. Nesse ponto o pai descobre que a repetição dos conceitos
faz parte da fixação dos mesmos. Porém a paciência é inversamente proporcional
ao número de vezes que você repete qual é o azul. Funciona assim. Minha filha
mais velha tem me dito com frequência que não tem paciência para fazer suas
tarefas de casa, e eu me pergunto: Será que eu tenho paciência suficiente para
ensiná-la a ter paciência? Ou será que ela aprende melhor a ter paciência,
detectando a paciência nos atos de seu pai? Seria a famosa educação por
exemplos. Outro aspecto interessante que temos que lidar na educação de filhos
é a firmeza de nossa postura e o valor da palavra. Essa semana estava eu, pai
avulso (esposa tinha viajado), com os dois pequenos em uma feira que acontece
no meu condomínio uma vez por semana. Procuro estabelecer as regras para esses
eventos antecipadamente com os meninos. Tipo: primeira coisa que fazemos ao
chegar é cumprimentar todo mundo da mesa e depois escolher algo para comer e
depois ir brincar. Coisas desse tipo. Eis que a primeira regra estabelecida
foi: Não teremos sobremesa hoje. Vocês estão comendo doce demais a noite. Ok? O
mais novo pergunta: “papai, vou pedir um pastel de banana com canela. Pode?”.
“Pastel de banana com canela é doce (pelo menos no meu conceito). Então não
pode. Peça um de queijo.”. Sai um menino para cada lado e num átimo de segundo
o que foi pedir o pastel volta. Sem o pastel e mastigando alguma coisa. Senti o
cheiro de doce. Tentando me controlar pergunto o que ele comia. Ele, muito
espertamente para a idade, mostrou que estava com a boca cheia e que
responderia após engolir a comida. Provavelmente pensou que se falasse de boca
cheia estaria cometendo dois delitos e que sua pena poderia ser maior.
Logicamente que ele demorou uma década para terminar de mastigar imaginando que
eu pudesse esquecer o delito. Pacientemente esperei a deglutição e perguntei
novamente o que era em sua boca. Ele me respondeu que era um doce. Nessa hora
dá vontade de pegar pelos cabelos e gritar qual parte do “não é para comer
doce” ele não entendeu, mas de maneira sutil iniciei uma conversa. Nessa hora a
mesa inteira de avós, tias e afins está a te olhar esperando sua reação.
Relembrei a criança o combinado e sentenciei: Estará de castigo pelo resto da
noite. O que significa isso na prática? Ficar sentado ao meu lado e não poder
ir brincar no parquinho. Aí começa a revolta geral. Inicia-se pela irmã mais
nova que vem igual uma cobra caninana tentar um Habeas Corpus. Nessa hora você
já não está se sentido bem. Os olhares de reprovação são lançados por muitos.
Você se sente injusto. A criança que está de castigo começa a argumentar e
dizer que não fará mais isso e que se arrepende do seu erro. Você se sente um
sem coração. A partir desse momento nada mais desce redondo. Nem o pastel nem o
suco e nem a conversa. Você se sente um monstro, déspota, covarde e insensível.
Mas uma coisa é certa. Você lançou sua palavra. E se tem alguma coisa que
aprendi com educação é que a palavra lançada tem que ser cumprida. Uso muito um
exemplo esdrúxulo para justificar a perspicácia das crianças em detectar erros
paternos e se aproveitar deles. Digo que elas se assemelham aos Veliciraptores
(dinossauros retratados no filme “Parque dos Dinossauros”) que ficam testando a
cerca elétrica a todo o momento buscando uma falha para escaparem. Assim funcionam
as crianças. Testam os pais a todo o momento e se apegam aos seus deslizes para
errarem também. Correndo o risco de ser considerado um monstro, mantive minha
palavra e fomos no mesmo enredo até o fim da noite. Se ele ficou com raiva de
mim? Parece que não. No outro dia acordou com a felicidade que lhe é peculiar e
a relação voltou ao seu estado harmônico. Se as avós, tias, irmãs e afins
ficaram com raiva de mim? Provavelmente sim. Mas esse é um dos ônus da
educação. Uma coisa é certa. Educar é uma função individual e intransferível.
Não podemos achar que delegando a outros essa função, cumpriremos nossa missão
de pai. E para não terminar só com bronca e para que o leitor não fique também
achando que sou um monstro, citarei uma frase de minha autoria que postei no
twitter essa semana. Ela expressa, no meu entendimento, a relação ônus e bônus de
ser pai. É mais ou menos assim: “Se não tivesse tido filhos, talvez não
tivessem tantos livros inacabados na minha vida, mas com certeza, o livro da
minha vida estaria inacabado.”.
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 17 de agosto de 2012
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