sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Ser ou aparecer? Eis a questão

passando pelo mundo virtual uma notícia chamou-me a atenção. Não pude deixar de escrever sobre.


Ser ou aparecer? Eis a questão

 

 

            Senta que lá vem história.

 

            Era uma vez um garoto de classe média nascido no estado de Ontário no longínquo Canadá. Os pais, precocemente, notaram no pequeno menino uma aptidão musical. Aos três anos já dominava a bateria e aos seis, o violão. Tudo girando ali no círculo familiar, pois a mãe, cristã fervorosa, tinha medo de incentivar a veia artística do filho temendo os vícios e perdições do meio artístico. Melhor seria tocar na igreja. Mais seguro. Fora alguns concursos locais de talentos, o garoto seguia sua vida corriqueira canadense. Quando tinha por volta de treze anos, sua mãe resolveu gravar suas atuações na voz e violão e postar no YouTube, visando que seus parentes próximos escutassem o jovem mancebo. Assim feito e assim postado. Foi aí que um fenômeno começou a mudar a vida do jovem pré-adolescente. A internet. Pessoas do mundo todo começaram a acessar os vídeos. Mamãe já estava preocupada, mas continuou com as postagens. Foi então que, por acaso, um empresário do mundo da música se deparou com um dos vídeos. Encantou-se. Procurou o jovem talento e com ele celebrou um contrato. Sua fama se espalhava. Viral. Contratos milionários e contatos com famosos. Todos queriam conhecer o fenômeno. Tudo muito rápido. Foi indicado a vários prêmios musicais e sua fortuna pessoal não parava de crescer. Tudo na mesma proporção que seus vídeos foram assistidos no YouTube. Como um rastilho de pólvora. Diziam alguns meios de comunicação que sua influência nas redes sociais era maior que a do Presidente dos Estados Unidos e do Dalai Lama. Tinha um séquito de milhares e milhares de fãs ardorosas e sedentas por qualquer coisa que se referisse a sua figura. Brigavam, batiam e matavam por ele. Não desmerecendo seu talento musical (nem merecendo), mas tudo imensamente impulsionado pela internet. O catalisador que pode potencializar.

 

            Era uma vez o mesmo cantor. Rico e famoso. Fenômeno de popularidade na internet. Resolveu fazer uma turnê em um país latino. Foi recepcionado pelo orbe de fãs enlouquecidos. Todas o queriam. Todos o queriam. Mas como a maioria dos adolescentes resolveu se divertir um pouco. Afinal essa vida de pop star cansa de vez em quando. Acometido de um senso de imputabilidade comum às celebridades, resolveu pichar um muro em zona nobre da cidade onde fazia show. Olha a ideia de jerico. Foi flagrado pelas câmaras de um fotógrafo que talvez tenha feito a vida somente com essa foto. Num átimo de segundo a notícia se espalhou pela internet. Viral. Uns acharam um absurdo. Outros acharam divertido. Outros acharam fantástico. Todos acharam alguma coisa. Comentários pipocaram nas redes sociais. Trend Topics. Não satisfeito, o pop star foi flagrado saindo de uma “casa de massagem” com duas “amigas”. Não sei se o mesmo fotógrafo, mas também irrelevante o fato. Fotos e vídeos pipocaram novamente pela internet. Mais uma vez o cantor tornou-se pivô dos comentários do mundo virtual. Bateram recordes e recordes de acesso as notícias bombásticas. Assim como a vendagem de seus discos. Tudo numa proporção geométrica até que surgisse outro viral que iria desbancar seu trono. Até que surgisse outro artista coletado nas vias do YouTube ou Face book ou Twitter ou Istagram ou qualquer coisa que venha sucedê-los. E quem sabe, um dia, o jovem fenômeno voltasse ao Canadá ou acabasse sua vida afundado nas drogas e na ilusão de retorno da fama outrora conquistada. Tudo culpa da internet. O vírus que pode destruir.

 

Era uma vez a mãe de um menino. Que pensava em criar seu filho como toda boa mãe cristã. Ama-lo, protege-lo e educa-lo. Mas a criança conheceu o mundo virtual. Foi amor à primeira vista. E ele sucumbiu. E ela perdeu. Nesse momento não consigo deixar de me colocar no seu lugar. Pai. Guardadas as devidas proporções. Travando dia a dia uma luta insana contra a internet. O catalisador que pode potencializar. O vírus que pode destruir.

 

(qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência. Ou não)          

                       

 

 

 Texto produzido para a Revista Foccus

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta, 08 de novembro de 2013

sábado, 2 de novembro de 2013

e por falar em saudade...

Shakespeare disse uma vez:
"Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente."



AMOR INCONDICIONAL

 

 

Ontem quando cheguei em casa senti uma vontade imensa de abraçar minha filha. Parecia uma desejo vindo de dentro, como um alento para meu coração apertado. Quando ela me viu, correu com um sorriso no rosto e me abraçou como se a saudade não coubesse mais dentro de seu coraçãozinho. Eu a abracei e fiquei por um instante com a sensação de que aquele momento poderia se eternizar e nunca mais me separaria dela. Se pudesse fazer um pedido a Deus naquele momento, mesmo que fosse um pedido insano, ele seria para que um pai nunca precisasse enterrar seu filho. Mas como Deus não me permite pedidos insanos, pedi a Ele então, um alento para os pais que acabavam de enterrar o seu, apesar também de saber que esse pedido dificilmente iria ser atendido.

 

Ontem quando vi as lágrimas correrem nos olhos de muitos, quando vi a consternação estampada no rosto de todos ao verem um pai e uma mãe conversarem com seu filho como se ele ainda estivesse vivo, lembrando a si mesmos quantos momentos bons haviam passado juntos, me lembrei que fazia muito tempo que não abraçava os meus pais. Que fazia muito tempo que não dizia a eles o quanto os amava. E me lembrei que eu ainda tinha essa oportunidade diferente do filho que jazia imóvel diante das lágrimas dos seus.

 

Ontem quando fui dormir, não conseguia tirar de meu pensamento o quarto vazio que havia deixado aquele filho. Derramei mais uma lágrima imaginando a dor de seus pais ao entrarem naquele quarto e não encontrarem mais seu filho. Somente objetos. Somente lembranças. O quarto de minha filha também estava vazio aquela noite. Ela estava dormindo comigo. Nem que fosse por aquela noite. Eu podia sentir seu calor e sua respiração tranquila. Olhei para ela e segurei sua mão com força como numa tentativa insana de acalentar dois corações distantes que não tinham mais aquela aportunidade.

 

 

* em memória de Tiago de Melo.

 

Guilherme Augusto Santana


Goiânia, 17/03/2008

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

ah a danada da saudade...

Sempre quando vai chegando a data de finados  se aproxima a danada da saudade. São pessoas especiais que fazem falta na vida de todos nós. Quem não tem uma avó como a Ná (que apresentarei p/ quem não conhece) em sua vida e se recorda sempre com uma sensação boa? Com a permissão do leitor postarei uma crônica escrita em 2006 por conta do falecimento da minha avó. Ao lerem pensem nos seus entes queridos que deixaram saudades.




 

 

         Quem não conheceu a Ná não sabe o que é biscoito de queijo quente servido a qualquer hora do dia ou da noite. Podia estar entupido de comida que se não se servisse de pelo menos um, era desfeita. Mal entrava e já escutava: vou “quentar” uns biscoitos, antes mesmo do “bença” e do “Deus te abençoe”. Por isso que a mesa tinha que ser grande: em um canto a canastra e em outro, sempre a postos, o lanche da Ná. Quem não conheceu a Ná não sabe o que é o autêntico frango com quiabo e angu lá do interior de Minas. Servido com jogos de mesa completamente descombinantes: talheres de um jogo, pratos diferentes. Nenhuma peça igual à outra. Deve ser fruto dos seus muitos anos de casamento e da mania adquirida do Agenor de não jogar nada fora. Quem não conheceu a Ná não sabe o que é rezar o terço à maneira dos Santana: O Moreno disparado na frente e a Natália tentando diminuir a marcha. Logicamente que entre uma Ave Maria e um Pai Nosso faziam o planejamento do dia em voz alta e tinham as pequenas discussões sobre dinheiro. Nunca entendi como eles não se perdiam no meio do terço. Anos de prática.

        

Mas, quem conheceu a Ná, saiu muitas vezes de sua casa cheio de pacotes de bolacha ou uma lata de doce em calda que fazia parte da sua dispensa. Mas escutou muitas vezes também o Agenor gritar de lá que não ia mais dar dinheiro p/ fazer supermercado porque ela dava tudo para os outros. E ela se intimidava? Que nada. Falava: “esconde este pacote de bolacha que depois eu tiro dinheiro da carteira dele e compro mais”. Mesmo que não gostasse da bolacha era ótimo presenciar esta cena. Quem conheceu a Ná sabe que não se podia falar mal de nenhum filho dela, nem mesmo de brincadeira. Partia logo em defesa, mesmo sabendo que o acusado tivesse aquele defeito. Às vezes fazia só para ver a reação dela. Parecia uma leoa em defesa dos filhotes.

        

Agora, quem gostava da Ná, sabe que a data do Natal a partir de agora perde um pouco o seu brilho, porque há seis anos perdemos o Capitão e agora perdemos a motivação para seguir navegando. Sabe que agora só restam saudades mesmo. Sabe que o presépio, os presentes, as músicas, o parabéns não mais voltarão a acontecer, só nas nossas recordações. Quem gostava da Ná sabe que vai ficar um vazio, uma cadeira vazia, um quê de não me deixe, uma sensação de que a vida não será mais a mesma sem ela. Mas sabe também que ela deixou uma semente, aliás, deixou uma plantação inteira de amor, dedicação, carinho e fé. E isso é o que fica.

        

Oh Moreno ! Arruma o canto da mesa aí, que o biscoito quente e o café estão subindo.

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, 23/02/2006

 

* Crônica escrita em memória de Natália Barbosa Reis, minha avó.