Ná
Quem não conheceu a Ná não sabe o que é
biscoito de queijo quente servido a qualquer hora do dia ou da noite. Podia
estar entupido de comida que se não se servisse de pelo menos um, era desfeita.
Mal entrava e já escutava: vou “quentar” uns biscoitos, antes mesmo do “bença”
e do “Deus te abençoe”. Por isso que a mesa tinha que ser grande: em um canto a
canastra e em outro, sempre a postos, o lanche da Ná. Quem não conheceu a Ná
não sabe o que é o autêntico frango com quiabo e angu lá do interior de Minas.
Servido com jogos de mesa completamente descombinantes: talheres de um jogo,
pratos diferentes. Nenhuma peça igual à outra. Deve ser fruto dos seus muitos
anos de casamento e da mania adquirida do Agenor de não jogar nada fora. Quem
não conheceu a Ná não sabe o que é rezar o terço à maneira dos Santana: O
Moreno disparado na frente e a Natália tentando diminuir a marcha. Logicamente
que entre uma Ave Maria e um Pai Nosso faziam o planejamento do dia em voz alta
e tinham as pequenas discussões sobre dinheiro. Nunca entendi como eles não se
perdiam no meio do terço. Anos de prática.
Mas, quem conheceu a Ná, saiu
muitas vezes de sua casa cheio de pacotes de bolacha ou uma lata de doce em
calda que fazia parte da sua dispensa. Mas escutou muitas vezes também o Agenor
gritar de lá que não ia mais dar dinheiro p/ fazer supermercado porque ela dava
tudo para os outros. E ela se intimidava? Que nada. Falava: “esconde este
pacote de bolacha que depois eu tiro dinheiro da carteira dele e compro mais”.
Mesmo que não gostasse da bolacha era ótimo presenciar esta cena. Quem conheceu
a Ná sabe que não se podia falar mal de nenhum filho dela, nem mesmo de
brincadeira. Partia logo em defesa, mesmo sabendo que o acusado tivesse aquele
defeito. Às vezes fazia só para ver a reação dela. Parecia uma leoa em defesa
dos filhotes.
Agora, quem gostava da Ná, sabe
que a data do Natal a partir de agora perde um pouco o seu brilho, porque há
seis anos perdemos o Capitão e agora perdemos a motivação para seguir
navegando. Sabe que agora só restam saudades mesmo. Sabe que o presépio, os
presentes, as músicas, o parabéns não mais voltarão a acontecer, só nas nossas
recordações. Quem gostava da Ná sabe que vai ficar um vazio, uma cadeira vazia,
um quê de não me deixe, uma sensação de que a vida não será mais a mesma sem
ela. Mas sabe também que ela deixou uma semente, aliás, deixou uma plantação
inteira de amor, dedicação, carinho e fé. E isso é o que fica.
Oh Moreno ! Arruma o canto da mesa
aí, que o biscoito quente e o café estão subindo.
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, 23/02/2006
*
Crônica escrita em memória de Natália Barbosa Reis, minha avó.
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