sexta-feira, 31 de outubro de 2014

chove chuva pelo amor de Deus


Chove Chuva pelo amor de Deus

 

 

Nunca antes na História desse país se acompanhou tão detidamente o volume dos reservatórios do sudeste como nos tempos atuais. Todo dia sai uma parcial do percentual restante, igual à cotação do dólar, a bolsa de valores e o preço do litro da gasolina. Igualmente temos o ineditismo do descobrimento dos nomes indígenas dados aos sistemas de abastecimento de água: Guarapiranga, Cantareira, Ato Tietê. Parece até livro de José de Alencar. Porém uma coisa que não é inédita, sendo pelo contrário lugar comum é a mania de jogar a culpa em outrem. O Governo do Rio culpa seu vizinho São Paulo que culpa a população que gasta muita água que culpa a Dilma que culpa São Pedro que acaba absorvendo a culpa sem reclamar. Ninguém aprendeu ainda a olhar para o umbigo. Os governos com sua falta de planejamento só conseguem apagar os incêndios (quando conseguem já que está faltando água). A população que se acostumou com a lenda de que o Brasil é o país da fartura e agora “farta” água (péssimo o trocadilho, porém inevitável).  E São Pedro que vive pregando peças e vendo o circo pegar fogo. Aqueles adeptos das teorias da conspiração, de bate pronto, diriam que é algum plano malévolo de alguém que tem interesse em diminuir a população do sudeste já tão abarrotado de pessoas. Tipo seleção natural. Os religiosos fervorosos diriam que é castigo divino em virtude do excesso de pecados e o resultado da eleição para Presidente. Os cantadores de cordel poetizariam que se trata de sina dos nordestinos que migraram fugindo da seca e a mesma seguiu seus passos. Os otimistas diriam que é coisa passageira e que logo tudo voltará ao normal. Os pessimistas, por sua vez, diriam que pior será quando começar a chover canivete. E aí poucos pensaram que juntamente com as exceções da mãe natureza, em sua mudança constante, associada ao maltrato constante do planeta, quer seja com consumo desenfreado de insumos e aumento insensato da população, somado ao cego imediatismo governamental e ao egoísmo humano do tipo “farina pouca, meu pirão primeiro”, podem estar causando os problemas que enfrentamos. Mas é muito complexo pensar dessa forma. Como uma teia que se entrelaça e cada fio puxado interfere no todo. Mais fácil supor causas simplistas e simplesmente passar a batata quente para a mão do vizinho. Ou ainda acreditar na profecia de Antônio Conselheiro quando previu que o sertão viraria mar, mas que havia o medo que o mar também virasse sertão. Se assim o for, melhor ajoelhar e rezar. Mas rezemos com parcimônia para não agastar a fúria divina. Vai que vem um dilúvio por ai.         
 
 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, 31/10/14

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Brasil B


Brasil B

           

            Quando escutei, pós-eleição, os comentários estapafúrdios, insensatos, imprudentes, sem noção, preconceituosos, xenofóbicos e imbecis sobre a separação do Brasil fiquei extremamente decepcionado com tamanho descabimento. Seria cômico se não fosse trágico. Mas passado o susto e a indignação, fiquei exercitando a mente em relação ao fato. Como uma licença poética. Imaginemos se realmente tivéssemos que passar um muro dividindo o país de acordo com o resultado das eleições. Pensa na fuzarca. Pra começar quem ficaria com o nome “Brasil”? E o outro país se chamaria “Brasil B”? Acho que talvez para não gerar discórdia poderíamos adotar Aeciolândia e Dilmópolis. Aí capaz de não dar briga. Resolvido. E a capital? Aeciolândia provavelmente continuaria com Brasília, apesar de que São Paulo seria um nome forte. Talvez até Porto Alegre para evitar outra revolução farroupilha. Mas e Dilmópolis? Poderia retornar a Salvador ou Rio de Janeiro, já que um dia foram capital. Mas sem dúvida se for por merecimento seria São Luiz, cujo estado deu a maior vitória proporcional a Dilma. Poderíamos pensar ainda em Belo Horizonte, só para afrontar o Aécio. Mas aí geraria guerra e isso nós não queremos né? Outro problema grave seria o que fazer com o Estado do Espírito Santo. Se notarem bem, a linha do muro passa por Minas Gerais contorna o Espírito Santo e depois retorna para pegar o Rio de Janeiro, ou seja, deixaria ilhado o Estado Capixaba. Uma solução interessante seria dinamitar as fronteiras do Estado e transformá-lo em uma ilha. Já pensaram que lindo? Ilha do Espírito Santo. Do tipo joga-la para o oceano como quem diz: “vai tartaruguinha!”. O problema é se ele, o Espírito Santo, afundar. Nessa mesma situação estaria o Estado de Roraima, que incrustado em Dilmópolis, deu vitória a Aécio. O jeito seria vender para a Venezuela e ganhar uns trocados. Ajuda a pagar as despesas da campanha eleitoral. E para construir o muro? Pensa na marmota?! Além dos obstáculos naturais teríamos que enfrentar o superfaturamento que geralmente acompanha essas obras de grande vulto. Pintaríamos o lado de cima de vermelho e o de baixo de azul. Mas antes de iniciar a separação teríamos que fazer um recadastramento dos brasileiros. Cada um no seu Estado de origem. Abandona tudo que construiu e corre para casa. Aí vai ser um deus nos acuda. É filho separando de pai e mãe, marido de mulher e sogra de genro (coisa que não é de todo ruim). Teríamos que mandar todos os nordestinos que moram em São Paulo de volta. Os que moram em Brasília também. De Brasília sairiam também os cariocas que vieram quando da mudança da capital, e os mineiros que vieram ajudar. Aí teríamos que repovoar a capital, porque iria praticamente todo mundo embora. Os gaúchos tem que descer p/ o Rio Grande. Aí enrolou. Estão espalhados pela Bahia, Tocantins, Pará, Maranhão, Minas Gerais e Miami. Ah não! Miami o Aécio ganhou. Podem ficar por lá. Os baianos artistas (praticamente todos) teriam que voltar para a terrinha, o que tornaria a Bahia o Estado com maior número de artistas desempregados de Dilmópolis. É nesse interim que entendemos que até o realismo fantástico ou o surrealismo imaginativo têm suas limitações. Como arrancar do goiano a raiz mineira? Como tirar de São Paulo o nordestino que adotou a cidade como sua? Como só ir às praias frias de Santa Catarina? Como recolher os gaúchos espalhado por cada canto desse país produtivo? Sempre nos orgulhamos da nossa diversidade e tolerância, e não será agora que deixaremos que isso se perca. Eu não quero ser cidadão de Dilmópolis e nem de Aeciolânia. Eu sou brasileiro. Com muito orgulho. Com muito amor.        

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, 28/10/14

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

iiiiiiiit´s time!


iiiiiiiiiit´s time!

 

 

           

          Senhoras e senhores bem vindos à luta principal desta noite. No canto azul, pesando quarenta e cinco gramas, vindo direto das Minas Gerais, com um sorrisinho sarcástico no rosto, ele, o neto de Tancredo, Aécio Neeeeeeves!!!! E no canto oposto vermelho, pesando mais do que Marina Silva, vinda direto do Palácio do Planalto, com cara de quem acordou agora, ela, a filha do Lula, Dilma Rooooousef!!! Em disputa essa noite a tão cobiçada faixa presidencial. A petista defende o título e o tucano tenta a quebra da hegemonia da estrela vermelha. Os oponentes se cumprimentam tocando as luvas e olhares de poucos amigos e se posicionam em seus cantos. Vai começar o espetáculo. IIIIIIIIIIIIIIIIIIt´s time!

          Dilma começa desferindo um “porque o senhor não soprou o bafômetro quando parado na blitz da lei seca” direto no olho esquerdo de Aécio. O tucano dá uma esquivada e solta um “onde a senhora estava quando roubaram a Petrobrás debaixo do seu nariz” na ponta do queixo de Dilma. Aproveitando que a Presidenta abalou-se com o golpe, Aécio desfere um “e seu irmão que foi funcionário fantasma na prefeitura petista de Fernando Pimentel em BH” na região do abdômen. Sem se fazer de rogada, Dilma manda um “e sua irmã que foi contratada pelo governo de Minas Gerais” direto no olho direito do tucano. E a luta continua aguerrida. Golpes de ambas as partes. Dilma, aproveitando um cochilo do adversário desfere um “como será tratada a inflação no seu governo” nas partes baixas de Aécio, o que é entendido como golpe baixo pelos juízes. Mas não é levado em consideração porque o tucano também tentou agarrar um “e a questão da saúde” nos cabelos da adversária. Golpe baixo não gente! Vamos manter a postura. Dilma desfere vários golpes de “e a construção do aeroporto de Cláudio nas terras de sua família” e “seu Ministro da Fazenda quebrou o país três vezes” na linha de cintura do adversário, que prontamente responde com uma série de “a senhora é uma incompetente e leviana” e “o seu Ministro da Fazenda é um fantoche” no rosto da petista. Parece que os dois candidatos não medem esforços para levar o outro a lona. E de repente diante de dois golpes desferidos simultaneamente a respeito dos mensalões tucano e petista, os dois oponentes caem. Parece cena do filme Rocky o lutador. Exauridos tentam se erguer diante da lona encharcada de sangue e lágrimas. Os seus treinadores FHC e Lula gritam palavras de incentivo. Aquele que se levantar primeiro será Presidente. Eles se levantam e caem novamente. Não tem forças morais para se sustentarem. São levados às pressas para o hospital. As notícias chegam atabalhoadas. Todos preocupados com os lutadores, mas felizmente ambos estão fora de perigo. Quem não está nada bem é o povo brasileiro. UTI. Não aguentou tamanha baixaria. Não sabemos se haverá recuperação.      

 

  

           

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 17 de outubro de 2014

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

os cães ladram, mas a caravana passa


Os cães ladram, mas a caravana passa.

 

           

Recordo-me bem de um fato político que ocorreu quando ainda era criança. Marcou-me profundamente a eleição de 82 para governo do Estado de Goiás. Era a primeira eleição após o relaxamento do regime militar que encontraria seu fim três anos depois. Campanha na rua e ânimos acirrados. Eu estava então com sete anos, e por uma influência paterna, estive por vezes perto da campanha daquele ano. O então candidato Dr. Otávio Lage de Siqueira, ex-governador, rivalizava com o jovem Iris Resende encenando uma disputa que representava o velho regime militar e o novo regime democrático. Lembro como se fosse hoje de esperar a chegada de Dr. Otávio, em um campo de pouso de terra em alguma dessas cidades do interior de Goiás que minha memória não alcança mais, e ele colocar sobre minha cabeça um chapéu com o número 1 de sua candidatura. Aquilo para um menino resultou numa admiração sem fim, que contribuiu muitos anos após, no nome do meu filho mais novo, da mesma alcunha Otávio. Lembro também como se fosse hoje do acirramento da campanha de rua, revestido várias vezes pelo ódio político partidário. Penso hoje que tenha havido uma parcela de desejo de manifestação reprimido pelos anos de chumbo, misturado com o desejo de mudança tudo somado na eleição de um suposto salvador da pátria. Mas à época não entendia o ódio desferido contra aquele homem que havia me presenteado com um chapéu e por quem cultivava uma admiração infantil. Ódio de xingamentos que via brotar até de pessoas mais próximas a mim e com quem várias vezes bati boca procurando defender o meu suposto candidato. Coisas de criança que tem a pureza dos sentimentos sobrepondo outros conceitos como rivalidade, política ou poder. Hoje já com certa idade (sem números), consigo enxergar melhor as motivações históricas e sociais que levaram aquelas reações exageradas. Muitas vezes não são pessoas e sentimentos em questão, e sim movimentos muito maiores que empurram a marcha da História.

            Hoje de manhã recebi um whatsapp de um grupo de pais do colégio onde meus filhos estudam. Um pai fazia um desabafo sobre o ódio político que esta se disseminando nas crianças. Reações por vezes exageradas dos pequenos demonstrando que algo de estranho estava acontecendo. Lembrei-me de pronto da história narrada no primeiro parágrafo e senti certa angústia. Eu já havia percebido há algum tempo esse acirramento do ódio político subir no termômetro das eleições desse ano. Principalmente em relação ao pleito de Presidente da República. Posições muito acirradas e culminando para o lado pessoal que lembram brigas de galo. Cada um que afie sua espora. Não tenho visto análises sensatas sobre propostas ou mesmo posições de governo, e sim pintura de guerra como se fosse questão de vida ou morte. De forma nenhuma quero aqui fazer juízo de valores sobre os candidatos e as plataformas partidárias de cada um, até porque na minha opinião, e quem já leu minhas crônicas sabe disso, tenho um entendimento mais cíclico da História. Não acredito em grandes mudanças com governo A ou B, e sim mudanças lentas e graduais na cultura do povo. Mas isso é outro assunto para outra crônica. O que mais me chama a atenção nessa atual conjuntura e o fomento do ódio político em nossas crianças. E não só político, mas de qualquer ordem. As mentes frágeis e sem proteção não conseguem distinguir entre a intolerância a um tal candidato e ao empregado que serve em sua casa, ou mesmo um vizinho de outra religião, ou um coleguinha de outra cor. Esses pensamentos de massa só servem para cegar os entendimentos e fomentar a intolerância. As crianças vendo seus pais e os mais próximos com reações exacerbadas e irracionais por vezes, vão se valer desse exemplo e usá-lo na formação de suas individualidades. Pensemos nisso antes de expor nossas opiniões e torcidas. Pensemos em nossos filhos e sua formação social e política. Não estou aqui dizendo para alija-los do processo, tal qual o pensamento antigo que política não é para crianças, mas educa-los para a tolerância. Tolerar a opinião do próximo por mais absurda que isso possa lhe parecer. Só assim conseguiremos uma democracia de fato. Só assim teremos uma conscientização política social de fato. Afinal, apesar do ladrar dos cães nas campanhas políticas, a caravana da História acaba passando. Só não podemos deixar como resultante disso o ódio e a intolerância. Pensemos.              

 

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 10 de outubro de 2014