Os cães ladram, mas a caravana
passa.
Recordo-me bem de um fato político que
ocorreu quando ainda era criança. Marcou-me profundamente a eleição de 82 para
governo do Estado de Goiás. Era a primeira eleição após o relaxamento do regime
militar que encontraria seu fim três anos depois. Campanha na rua e ânimos
acirrados. Eu estava então com sete anos, e por uma influência paterna, estive
por vezes perto da campanha daquele ano. O então candidato Dr. Otávio Lage de
Siqueira, ex-governador, rivalizava com o jovem Iris Resende encenando uma
disputa que representava o velho regime militar e o novo regime democrático.
Lembro como se fosse hoje de esperar a chegada de Dr. Otávio, em um campo de
pouso de terra em alguma dessas cidades do interior de Goiás que minha memória
não alcança mais, e ele colocar sobre minha cabeça um chapéu com o número 1 de
sua candidatura. Aquilo para um menino resultou numa admiração sem fim, que contribuiu
muitos anos após, no nome do meu filho mais novo, da mesma alcunha Otávio. Lembro
também como se fosse hoje do acirramento da campanha de rua, revestido várias
vezes pelo ódio político partidário. Penso hoje que tenha havido uma parcela de
desejo de manifestação reprimido pelos anos de chumbo, misturado com o desejo
de mudança tudo somado na eleição de um suposto salvador da pátria. Mas à época
não entendia o ódio desferido contra aquele homem que havia me presenteado com
um chapéu e por quem cultivava uma admiração infantil. Ódio de xingamentos que
via brotar até de pessoas mais próximas a mim e com quem várias vezes bati boca
procurando defender o meu suposto candidato. Coisas de criança que tem a pureza
dos sentimentos sobrepondo outros conceitos como rivalidade, política ou poder.
Hoje já com certa idade (sem números), consigo enxergar melhor as motivações
históricas e sociais que levaram aquelas reações exageradas. Muitas vezes não
são pessoas e sentimentos em questão, e sim movimentos muito maiores que
empurram a marcha da História.
Hoje de manhã recebi um whatsapp de
um grupo de pais do colégio onde meus filhos estudam. Um pai fazia um desabafo
sobre o ódio político que esta se disseminando nas crianças. Reações por vezes
exageradas dos pequenos demonstrando que algo de estranho estava acontecendo. Lembrei-me
de pronto da história narrada no primeiro parágrafo e senti certa angústia. Eu
já havia percebido há algum tempo esse acirramento do ódio político subir no
termômetro das eleições desse ano. Principalmente em relação ao pleito de
Presidente da República. Posições muito acirradas e culminando para o lado
pessoal que lembram brigas de galo. Cada um que afie sua espora. Não tenho
visto análises sensatas sobre propostas ou mesmo posições de governo, e sim
pintura de guerra como se fosse questão de vida ou morte. De forma nenhuma
quero aqui fazer juízo de valores sobre os candidatos e as plataformas
partidárias de cada um, até porque na minha opinião, e quem já leu minhas crônicas
sabe disso, tenho um entendimento mais cíclico da História. Não acredito em
grandes mudanças com governo A ou B, e sim mudanças lentas e graduais na
cultura do povo. Mas isso é outro assunto para outra crônica. O que mais me
chama a atenção nessa atual conjuntura e o fomento do ódio político em nossas
crianças. E não só político, mas de qualquer ordem. As mentes frágeis e sem
proteção não conseguem distinguir entre a intolerância a um tal candidato e ao
empregado que serve em sua casa, ou mesmo um vizinho de outra religião, ou um
coleguinha de outra cor. Esses pensamentos de massa só servem para cegar os
entendimentos e fomentar a intolerância. As crianças vendo seus pais e os mais
próximos com reações exacerbadas e irracionais por vezes, vão se valer desse
exemplo e usá-lo na formação de suas individualidades. Pensemos nisso antes de
expor nossas opiniões e torcidas. Pensemos em nossos filhos e sua formação
social e política. Não estou aqui dizendo para alija-los do processo, tal qual
o pensamento antigo que política não é para crianças, mas educa-los para a
tolerância. Tolerar a opinião do próximo por mais absurda que isso possa lhe
parecer. Só assim conseguiremos uma democracia de fato. Só assim teremos uma
conscientização política social de fato. Afinal, apesar do ladrar dos cães nas
campanhas políticas, a caravana da História acaba passando. Só não podemos
deixar como resultante disso o ódio e a intolerância. Pensemos.
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 10 de outubro de 2014
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