sexta-feira, 10 de outubro de 2014

os cães ladram, mas a caravana passa


Os cães ladram, mas a caravana passa.

 

           

Recordo-me bem de um fato político que ocorreu quando ainda era criança. Marcou-me profundamente a eleição de 82 para governo do Estado de Goiás. Era a primeira eleição após o relaxamento do regime militar que encontraria seu fim três anos depois. Campanha na rua e ânimos acirrados. Eu estava então com sete anos, e por uma influência paterna, estive por vezes perto da campanha daquele ano. O então candidato Dr. Otávio Lage de Siqueira, ex-governador, rivalizava com o jovem Iris Resende encenando uma disputa que representava o velho regime militar e o novo regime democrático. Lembro como se fosse hoje de esperar a chegada de Dr. Otávio, em um campo de pouso de terra em alguma dessas cidades do interior de Goiás que minha memória não alcança mais, e ele colocar sobre minha cabeça um chapéu com o número 1 de sua candidatura. Aquilo para um menino resultou numa admiração sem fim, que contribuiu muitos anos após, no nome do meu filho mais novo, da mesma alcunha Otávio. Lembro também como se fosse hoje do acirramento da campanha de rua, revestido várias vezes pelo ódio político partidário. Penso hoje que tenha havido uma parcela de desejo de manifestação reprimido pelos anos de chumbo, misturado com o desejo de mudança tudo somado na eleição de um suposto salvador da pátria. Mas à época não entendia o ódio desferido contra aquele homem que havia me presenteado com um chapéu e por quem cultivava uma admiração infantil. Ódio de xingamentos que via brotar até de pessoas mais próximas a mim e com quem várias vezes bati boca procurando defender o meu suposto candidato. Coisas de criança que tem a pureza dos sentimentos sobrepondo outros conceitos como rivalidade, política ou poder. Hoje já com certa idade (sem números), consigo enxergar melhor as motivações históricas e sociais que levaram aquelas reações exageradas. Muitas vezes não são pessoas e sentimentos em questão, e sim movimentos muito maiores que empurram a marcha da História.

            Hoje de manhã recebi um whatsapp de um grupo de pais do colégio onde meus filhos estudam. Um pai fazia um desabafo sobre o ódio político que esta se disseminando nas crianças. Reações por vezes exageradas dos pequenos demonstrando que algo de estranho estava acontecendo. Lembrei-me de pronto da história narrada no primeiro parágrafo e senti certa angústia. Eu já havia percebido há algum tempo esse acirramento do ódio político subir no termômetro das eleições desse ano. Principalmente em relação ao pleito de Presidente da República. Posições muito acirradas e culminando para o lado pessoal que lembram brigas de galo. Cada um que afie sua espora. Não tenho visto análises sensatas sobre propostas ou mesmo posições de governo, e sim pintura de guerra como se fosse questão de vida ou morte. De forma nenhuma quero aqui fazer juízo de valores sobre os candidatos e as plataformas partidárias de cada um, até porque na minha opinião, e quem já leu minhas crônicas sabe disso, tenho um entendimento mais cíclico da História. Não acredito em grandes mudanças com governo A ou B, e sim mudanças lentas e graduais na cultura do povo. Mas isso é outro assunto para outra crônica. O que mais me chama a atenção nessa atual conjuntura e o fomento do ódio político em nossas crianças. E não só político, mas de qualquer ordem. As mentes frágeis e sem proteção não conseguem distinguir entre a intolerância a um tal candidato e ao empregado que serve em sua casa, ou mesmo um vizinho de outra religião, ou um coleguinha de outra cor. Esses pensamentos de massa só servem para cegar os entendimentos e fomentar a intolerância. As crianças vendo seus pais e os mais próximos com reações exacerbadas e irracionais por vezes, vão se valer desse exemplo e usá-lo na formação de suas individualidades. Pensemos nisso antes de expor nossas opiniões e torcidas. Pensemos em nossos filhos e sua formação social e política. Não estou aqui dizendo para alija-los do processo, tal qual o pensamento antigo que política não é para crianças, mas educa-los para a tolerância. Tolerar a opinião do próximo por mais absurda que isso possa lhe parecer. Só assim conseguiremos uma democracia de fato. Só assim teremos uma conscientização política social de fato. Afinal, apesar do ladrar dos cães nas campanhas políticas, a caravana da História acaba passando. Só não podemos deixar como resultante disso o ódio e a intolerância. Pensemos.              

 

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 10 de outubro de 2014

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