sexta-feira, 17 de abril de 2015

Prioridade


Prioridade

 

            Quando escuto a expressão “isso é cláusula pétrea da Constituição” chega dá um arrepio no pé da nuca. Lá vem assunto polêmico. Assim na mesma classificação de aborto e pena de morte. E lá vem também assunto longo. Discussão que não acaba mais e não convence a todos de maneira igual. É o que temos passado nos últimos dias ao discutirmos a redução da maioridade penal no Brasil. Há algum tempo atrás, nem se cogitava conversar sobre esse assunto, porém a escalada da violência serviu de plataforma eleitoral de muitos (e coloca muitos nisso) para incluir na pauta o tal assunto polêmico. Confesso aqui minha dúvida em relação à eficácia ou não dessa medida. E olha que tenho lido um bocado sobre o assunto e me considero uma pessoa aberta a argumentações de todos os flancos. São muitas dúvidas e poucas certezas a permear esse assunto que envolve não só os jovens infratores, mas toda a sociedade civil. Há os que argumentam que a redução da maioridade trará o crime para idades menores ainda, visto que os meliantes poderão utilizar crianças abaixo de 16 anos como escudo em suas ações. Pode ser. Há os que argumentam que a redução da maioridade diminuiria essa sensação de impunidade quanto ao jovem infrator e inibiria o uso desses jovens como escudo em crimes. Pode ser. Há os que dizem que o sistema carcerário está falido e abarrotado não suportando a quantidade de presos e muito menos uma nova leva de jovens na faixa pretendida pela redução da maioridade. Pode ser. Há os que falam que medidas tem que ser tomadas contra a violência, pois a sensação de impunidade provoca caos social. Pode ser. Há os que argumentam que os presídios são fábricas do crime e que a ida de mentes jovens e sem proteção para esses locais culminaria em irresponsabilidade flagrante. Pode ser. Há os que ponderam que tendo o jovem de 16 anos direito a voto, escolhendo assim os governantes do seu país, teria o discernimento suficiente para responder por crimes e ser condenado por tais. Pode ser. Há os que constatem que em vários países onde a maioridade foi reduzida, houve um retrocesso e se voltou ao status inicial após a constatação do erro. Pode ser. Mas quer saber uma unanimidade? Aquilo que todos concordam? A solução está na educação. Atitudes repressoras e punitivas são consequência e não causa. São necessárias sim. Nisso tenho certeza que todos concordamos. Uma sociedade por mais civilizada que seja não pode se abster de seus meios repressores e punitivos, pois a noção de cidadania varia de cidadão para cidadão, e os julgamentos de delitos prescinde desses meios para se fazerem eficazes. Parece bem clichê o que disse aqui sobre a educação, pois muitos argumentariam que isso é utópico, mas prefiro acreditar que cada passo que damos para o lado do perfeito deixamos de lado um pedaço do imperfeito. O que não podemos é almejar que esse salto para a educação seja dado de uma vez como por um processo milagroso. Não existem milagres na educação, senão paciência, persistência e exemplo. Então independente de qual lado “vença” essa batalha pela maioridade penal, todos nós temos que trabalhar para a melhoria da sociedade. E para isso só temos um caminho: educar nossos filhos. Prioridade.       

  

    

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 17 de abril de 2015

sexta-feira, 10 de abril de 2015

vaticinium


vaticinium

 

            “A revolta começou entre 10 e 18 de novembro mais ou menos. Apesar do perigo iminente da doença, parte da população não aceitou a campanha de vacinação proposta pelo governo. Um misto de falta de informação e excesso de crenças levou a várias manifestações contrarias a admissão da vacina. Um dos motivos principais foi um boato infundado de que a vacina atentaria contra os princípios religiosos dos cidadãos de bem.”

 

            Um desavisado poderia ler o trecho escrito acima e deduzir que se trata da discussão atual sobre a campanha de vacinação contra o vírus HPV instituída pelo Governo Federal desde o ano de 2014. Porém o período de dias do mês de novembro citado refere-se ao ano de 1904, ano em que aconteceu no Brasil, mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, a Revolta da Vacina. Na época a guerra estava sendo travada contra a varíola, que provocava baixas pelo mundo todo e no país não era diferente. O então jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz conseguiu que o Congresso aprovasse a Lei da Vacina que tornou obrigatório o processo de vacinação de toda população. Esse termo obrigatório foi levado ao pé da letra sendo dado salvo conduto aos agentes sanitaristas para adentrarem as residências e efetuarem o procedimento mesmo que a força. Diante desses fatos e tendo como pano de fundo o desconhecimento dos efeitos da vacina e como pano de frente o atentado a religiosidade, visto que os boatos de que a vacinação de mulheres seria feita em suas partes íntimas, necessitando que as mesmas ficassem despidas diante dos agentes, fez com que a população se revoltasse e chegasse a pegar em armas contra a legião de sanitaristas e soldados que foram destacados para cumprir a determinação da lei. O saldo final da revolta compreendeu 30 mortos, 110 feridos e mais de 1.000 detidos. Praticamente uma guerra urbana. Mesmo diante da insatisfação e revolta popular flagrante, o governo prosseguiu com o intento e promoveu a vacinação em massa e em pouco tempo a varíola estava erradicada do país. Esse fato, juntamente com o desenvolvimento da vacina contra a febre amarela, ajudou a elevar o nome de Oswaldo Cruz ao panteão da ciência mundial.

 

            Pois vamos às analises. Não pretendo aqui discutir tecnicamente a eficiência ou não da vacina contra o HPV até porque não tenho conhecimentos técnicos suficientes para tal, e esse não o objetivo primaz da análise.  O que pretendo salientar e questionar são os argumentos ainda usados no Brasil do século 21. Apesar de passados mais de 100 anos de fatos como a Revolta da Vacina ainda nos deparamos com “desculpas” no mínimo ultrapassadas e carcomidas pela evolução dos tempos. São pais alegando que não vacinarão suas filhas por recearem a antecipação da vida sexual das mesmas (como se uma simples picada de agulha tivesse um poder catalisador perante os hormônios da juventude) e homens alegando que também não o farão por serem casados e consequentemente fieis à suas esposas (como se o casamento apagasse toda a vida sexual pregressa e desse atestado de fidelidade). Tudo travestido de moral e religiosidade. Isso sem contar os adeptos das teorias da conspiração que acham que as doenças são criadas pelos laboratórios para vender vacina. Argumentos que no meu entendimento reforçam a tese de que a necedade e a ignorância são as piores armas para se usar no campo das ideias, principalmente quando elas vêm disfarçadas de princípios religiosos e morais. Ideias antigas e ultrapassadas que parecem emergir de séculos passados. Nem Dr. Oswaldo Cruz deve ter vaticinado que isso aconteceria de novo. Deve estar revirando em seu túmulo nesse momento.    

   

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 10 de abril de 2015