sexta-feira, 10 de abril de 2015

vaticinium


vaticinium

 

            “A revolta começou entre 10 e 18 de novembro mais ou menos. Apesar do perigo iminente da doença, parte da população não aceitou a campanha de vacinação proposta pelo governo. Um misto de falta de informação e excesso de crenças levou a várias manifestações contrarias a admissão da vacina. Um dos motivos principais foi um boato infundado de que a vacina atentaria contra os princípios religiosos dos cidadãos de bem.”

 

            Um desavisado poderia ler o trecho escrito acima e deduzir que se trata da discussão atual sobre a campanha de vacinação contra o vírus HPV instituída pelo Governo Federal desde o ano de 2014. Porém o período de dias do mês de novembro citado refere-se ao ano de 1904, ano em que aconteceu no Brasil, mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, a Revolta da Vacina. Na época a guerra estava sendo travada contra a varíola, que provocava baixas pelo mundo todo e no país não era diferente. O então jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz conseguiu que o Congresso aprovasse a Lei da Vacina que tornou obrigatório o processo de vacinação de toda população. Esse termo obrigatório foi levado ao pé da letra sendo dado salvo conduto aos agentes sanitaristas para adentrarem as residências e efetuarem o procedimento mesmo que a força. Diante desses fatos e tendo como pano de fundo o desconhecimento dos efeitos da vacina e como pano de frente o atentado a religiosidade, visto que os boatos de que a vacinação de mulheres seria feita em suas partes íntimas, necessitando que as mesmas ficassem despidas diante dos agentes, fez com que a população se revoltasse e chegasse a pegar em armas contra a legião de sanitaristas e soldados que foram destacados para cumprir a determinação da lei. O saldo final da revolta compreendeu 30 mortos, 110 feridos e mais de 1.000 detidos. Praticamente uma guerra urbana. Mesmo diante da insatisfação e revolta popular flagrante, o governo prosseguiu com o intento e promoveu a vacinação em massa e em pouco tempo a varíola estava erradicada do país. Esse fato, juntamente com o desenvolvimento da vacina contra a febre amarela, ajudou a elevar o nome de Oswaldo Cruz ao panteão da ciência mundial.

 

            Pois vamos às analises. Não pretendo aqui discutir tecnicamente a eficiência ou não da vacina contra o HPV até porque não tenho conhecimentos técnicos suficientes para tal, e esse não o objetivo primaz da análise.  O que pretendo salientar e questionar são os argumentos ainda usados no Brasil do século 21. Apesar de passados mais de 100 anos de fatos como a Revolta da Vacina ainda nos deparamos com “desculpas” no mínimo ultrapassadas e carcomidas pela evolução dos tempos. São pais alegando que não vacinarão suas filhas por recearem a antecipação da vida sexual das mesmas (como se uma simples picada de agulha tivesse um poder catalisador perante os hormônios da juventude) e homens alegando que também não o farão por serem casados e consequentemente fieis à suas esposas (como se o casamento apagasse toda a vida sexual pregressa e desse atestado de fidelidade). Tudo travestido de moral e religiosidade. Isso sem contar os adeptos das teorias da conspiração que acham que as doenças são criadas pelos laboratórios para vender vacina. Argumentos que no meu entendimento reforçam a tese de que a necedade e a ignorância são as piores armas para se usar no campo das ideias, principalmente quando elas vêm disfarçadas de princípios religiosos e morais. Ideias antigas e ultrapassadas que parecem emergir de séculos passados. Nem Dr. Oswaldo Cruz deve ter vaticinado que isso aconteceria de novo. Deve estar revirando em seu túmulo nesse momento.    

   

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 10 de abril de 2015

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