vaticinium
“A revolta começou entre 10 e 18 de
novembro mais ou menos. Apesar do perigo iminente da doença, parte da população
não aceitou a campanha de vacinação proposta pelo governo. Um misto de falta de
informação e excesso de crenças levou a várias manifestações contrarias a
admissão da vacina. Um dos motivos principais foi um boato infundado de que a
vacina atentaria contra os princípios religiosos dos cidadãos de bem.”
Um desavisado poderia ler o trecho
escrito acima e deduzir que se trata da discussão atual sobre a campanha de
vacinação contra o vírus HPV instituída pelo Governo Federal desde o ano de
2014. Porém o período de dias do mês de novembro citado refere-se ao ano de
1904, ano em que aconteceu no Brasil, mais especificamente na cidade do Rio de
Janeiro, a Revolta da Vacina. Na época a guerra estava sendo travada contra a
varíola, que provocava baixas pelo mundo todo e no país não era diferente. O
então jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz conseguiu que o Congresso aprovasse
a Lei da Vacina que tornou obrigatório o processo de vacinação de toda
população. Esse termo obrigatório foi levado ao pé da letra sendo dado salvo
conduto aos agentes sanitaristas para adentrarem as residências e efetuarem o
procedimento mesmo que a força. Diante desses fatos e tendo como pano de fundo
o desconhecimento dos efeitos da vacina e como pano de frente o atentado a
religiosidade, visto que os boatos de que a vacinação de mulheres seria feita em
suas partes íntimas, necessitando que as mesmas ficassem despidas diante dos
agentes, fez com que a população se revoltasse e chegasse a pegar em armas
contra a legião de sanitaristas e soldados que foram destacados para cumprir a
determinação da lei. O saldo final da revolta compreendeu 30 mortos, 110
feridos e mais de 1.000 detidos. Praticamente uma guerra urbana. Mesmo diante
da insatisfação e revolta popular flagrante, o governo prosseguiu com o intento
e promoveu a vacinação em massa e em pouco tempo a varíola estava erradicada do
país. Esse fato, juntamente com o desenvolvimento da vacina contra a febre
amarela, ajudou a elevar o nome de Oswaldo Cruz ao panteão da ciência mundial.
Pois vamos às analises. Não pretendo
aqui discutir tecnicamente a eficiência ou não da vacina contra o HPV até
porque não tenho conhecimentos técnicos suficientes para tal, e esse não o
objetivo primaz da análise. O que
pretendo salientar e questionar são os argumentos ainda usados no Brasil do
século 21. Apesar de passados mais de 100 anos de fatos como a Revolta da
Vacina ainda nos deparamos com “desculpas” no mínimo ultrapassadas e carcomidas
pela evolução dos tempos. São pais alegando que não vacinarão suas filhas por
recearem a antecipação da vida sexual das mesmas (como se uma simples picada de
agulha tivesse um poder catalisador perante os hormônios da juventude) e homens
alegando que também não o farão por serem casados e consequentemente fieis à
suas esposas (como se o casamento apagasse toda a vida sexual pregressa e desse
atestado de fidelidade). Tudo travestido de moral e religiosidade. Isso sem
contar os adeptos das teorias da conspiração que acham que as doenças são criadas
pelos laboratórios para vender vacina. Argumentos que no meu entendimento
reforçam a tese de que a necedade e a ignorância são as piores armas para se
usar no campo das ideias, principalmente quando elas vêm disfarçadas de princípios
religiosos e morais. Ideias antigas e ultrapassadas que parecem emergir de
séculos passados. Nem Dr. Oswaldo Cruz deve ter vaticinado que isso aconteceria
de novo. Deve estar revirando em seu túmulo nesse momento.
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 10 de abril de 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário