Gourmetizando a crônica
Esses
dias estava eu cronicamente mudando o canal da televisão em busca de diversão
passageira e entretenimento ocioso. Sabe quando na verdade você não quer achar
nada, mas simplesmente ficar mudando o canal enquanto desanuvia os pensamentos?
Pois era isso que acontecia. Porém comecei a perceber uma coisa interessante em
meu ato despretensioso. Os canais oscilavam entre programas de viagens e
culinária. Ou era um ou o outro. Numa sequência quase homogênea. Era de Master Chef
Ilhas Seicheles até Merendeiros do Faina. De Viagens Paradisíacas até Top Ten dos
destinos toscos. Tinha para todos os gostos. Amadores cozinhado para
profissionais e vice versa. Renomados tentando ensinar técnicas francesas para candidatos
ao estrelato sempre aos berros. Concursos valendo dinheiro e fama fugaz.
Cozinheiros Michelin fazendo pratos comuns e outros gourmetizando o arroz com
feijão. No rol das viagens a diversidade também é grande. Os destinos clássicos
em contraponto com os exóticos. Os top ten e os piores têm também. Viagens para
heteros, gays, casais em lua de mel e religiosos. Dicas e pitacos dos
conhecidos e dos anônimos. Custava achar um canal que não falasse ou de viagem
ou de culinária. E ainda tem os que misturam os dois. Destinos da América Latina
que servem comida oriental. Cozinhando peixe no interior do Quênia. Parece que
basicamente o povo vive no avião e comendo. E com isso nomes e destinos antes
desconhecidos tornam-se comuns aos nossos ouvidos e olhos. Que atire a primeira
pedra quem nunca ouviu as frases: “ah se o cheiro dessa comida pudesse passar
pela TV” ou “esse é sem dúvida um dos lugares mais lindos que já visitei”. E
com isso o mundo vai se desfiando sob os nossos olhos atentos. Não quer dizer
que não goste, pelo contrario, sou um fã de carteirinha. Acho extremamente
interessante a capacidade que a globalização tem de nos mostrar coisas e
sensações que talvez nunca possamos experimentar in loco. A questão a que me refiro é o excesso de informações com
esse caráter. Uma avalanche de gourmetização. E a indústria da mídia tem que se
reinventar a todo minuto para tornar atrativos os produtos que vendem e manter a
capacidade de prender os consumidores. Coisas simples e antigas como uma dona
de casa cozinhando bolo de fubá já não atraem mais. E aí pode estar o erro. Ou
o exagero que leva ao erro. Estamos subindo um degrau de maneira artificial.
Achamos que somos super viajados e com um paladar refinadíssimo pelo simples
fato de termos uma overdose de informações. Já até sentimos o gosto do foie gras e sabemos a tonalidade exata
do mar do Caribe sem sequer ter provado e nem estado. E outro erro. Quem é que
falou que esse “up grade” de gostos e
milhagem nos torna pessoas melhores? Quer outro erro ainda maior? Será que
perderemos a capacidade de achar graça nas coisas simples e comuns? Melhor
pensar mais um pouco para responder antes que passemos a não gostar mais da
comida da mamãe e achemos nossa casa o pior lugar do mundo.
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 31 de julho de 2015