Os
“entas”
Lembrei-me
de uma foto que tirei hoje de manhã que não consigo tirar da mente. Nela
estavam minha filha e duas amiguinhas acordando dentro de uma barraca de
camping com sorrisos de orelha a orelha. Coisa normal de crianças que passaram
a noite em conversas animadas sobre bonecas, colegas, filmes, sonhos e desejos.
Conversas entremeadas por sacos e sacos de salgadinhos e pipoca. Dormir deve
ter sido o que menos fizeram, afinal tinham dois fatores externos além do papo
animadíssimo. Havia a minha cadela Bella que por vezes fazia o papel de vigia
de barracas e por vezes fazia o papel de sem teto procurando buracos para
entrar nas mesmas barracas. Imagino até que se pensasse estaria se indagando o
porquê de todos estarem dormindo dentro daquelas coisas quentes e ela do lado
de fora no frio. E o outro fator externo era a barraca do lado das meninas que
pertencia aos meninos. Meu filho e um amigo a ocupavam e ocupavam o ouvido dos
vizinhos com palavras em decibéis só atingidos por crianças quando querem
chamar a atenção. Digamos que estava instalada uma praça de guerra entre
barracas. Cada um querendo chamar mais a atenção que o outro. E assim foram até
umas três da manhã quando Morpheus conseguiu o intento de seduzi-los para seu
mundo. Quando levantaram bem cedo, pois o sol começava a castigar as barracas,
só conseguia perceber a alegria pelos momentos vividos naquela semi noite. Nem
frio, nem guerrinha de sexos e nem cachorro tentando invadir tirou o brilho
daquele momento inusitado passado entre amigos. E fiquei a pensar com meus
botões: “O que faz esses meninos felizes?”.
Lembrei
que no dia que se iniciou o acampamento, era meu aniversário. Redondos
quarenta. Número emblemático e cabal. Daqueles que fazem com que a sua
retrospectiva seja ampla e profunda. Igual banho de sábado. E com certeza
passei parte do dia realizando o tal balanço de vida. Relembrando os momentos,
conquistas e tombos. E olha que foram muitos de todos. Momentos para guardar e
momentos para esquecer (e dizem que depois dos quarenta você começa a esquecer
das coisas, então estou torcendo para isso acontecer com os ruins). Conquistas
que enchem meus olhos de lágrimas de alegria e tombos que os enchem por
decepção. Mas cada fato vivido com intensidade em sua singularidade. Aliás,
entendo que a receita de uma vida bem vivida, ao final, se resume a uma coleção
de momentos bem vividos. Óbvio isso né? Mas a vida é obvia e simples. Nós é que
às vezes a complicamos com nossas manias de grandeza, empáfia ou mesquinhez. Simples
assim. Mas uma pergunta não saia da minha mente: “o que me faz feliz?”.
Lembrei
que nesse mesmo dia do acampamento dos meninos e do meu aniversário, era para
estarmos na beira do Rio Araguaia. Há milhares de quilômetros de onde estou
escrevendo essa crônica. Essa era a programação. Comemorar meus quarenta anos
em um dos lugares que mais amo nessa vida. Mas intercorrências médicas nos
fizeram desistir da viagem na madrugada da saída. Coisas da vida. Por isso
estava comemorando minha data emblemática assando uma carne de improviso na
minha casa enquanto os meninos entusiasticamente armavam as barracas no quintal
para passar a noite. Em um dado momento, pilotando aquela churrasqueira, parei
e fiquei observando a movimentação alegre das pessoas. Era para ser algo
decepcionante, afinal não era aquele o plano, mas tudo fluía como se nada
tivesse acontecido. Como se aquele fosse o plano original. E assim senti a vida
andando em sua simplicidade. Como se tivesse chegado a uma encruzilhada e
escolhido qual caminho seguir. Como já fiz milhares de vezes na minha vida. Aí
entendi o que me fazia feliz. Ter nas mãos os destinos da minha vida. Poder
escolher. Assim foram os primeiros
quarenta anos e assim serão os próximos, e os próximos e os próximos.
Guilherme
Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 17 de julho de
2015
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