sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Bingo!


Bingo!

 

           

            Muitas vezes escutamos que a festa mais popular no Brasil é o carnaval, porém algo me leva a crer que nos enganamos redondamente. Esse posto deveria ser dado ao Natal. Como assim popular? Calma que já explico. Vamos pensar juntos. Qual a festa que a grande maioria se reúne? Qual a festa que você tem oportunidade de rever pessoas que só encontra uma vez por ano? Qual a festa que tem a maior quantidade de tradições embutidas? Fácil resposta: Natal! E por conta dessas “tradições” que a festa cristã enseja um espetáculo para quem gosta de observar. Primeiro que a véspera é mais agitada que o próprio dia do evento. Aliás a grande maioria das festas acaba antes da virada da meia noite. Ou se arrasta até a primeira meia hora pós passagem e por ali termina. Com exceção, é claro, daquele tio seu que exagerou na cerveja e vai ficar cantando moda de viola até cair no sofá e ser carregado pela tia com cara feia. Isso é ou não uma tradição da família brasileira? Isso quando a pessoa que está incumbida de ser o Papai Noel da noite não bebe todas e começa a trocar os presentes. Logicamente que coloca a culpa em quem escreveu os nomes nas etiquetas ou a falta do óculos de leitura que esqueceu em casa. Geralmente ele está sentado em um banquinho para evitar tragédias maiores, mas sempre tem o momento surpresa quando se levanta cambaleando para entregar um embrulho para uma prima que nunca recebe presentes. Nesse momento os pais que estão sóbrios tentam evitar que o velhinho Noel pinguço não desabe sobre seus filhos que estão debaixo do monte de papeis rasgados de presente. Aliás esse é outra tradição muito recorrente na noite de Natal. Os presentes. Montes deles. E ultimamente andam ficando mais volumosos e mais baratos. Mais papel que conteúdo. Tem sempre o membro da família que ganha 2/3 deles o que geralmente é inversamente proporcional à sua idade. Quanto mais novo mais mimos. A criança fica até zarolha com tanto pacote colorido. São uns trambolhos enorme que não sei como os pais enfiam no carro para irem embora. Fora o tanto de peça de plástico que se perde debaixo do sofá ou na boca do cachorro da tia que leva o canino para festa por conta do medo que o animal tem de fogos de artifício. Isso porque a senhora do cachorro esquece que fogos são usuais no réveillon e não no Natal. E têm também os que nunca ganham presentes e quando acontece um milagre saem abraçando todo mundo em agradecimento. Geralmente esses são comprados nas lojas de 1,99. Têm também os que ganham meias e lenços. Um Natal um e no outro o outro. Vê-se os sorrisos amarelos em suas dentaduras porque na verdade eles queriam ganhar um panetone de chocolate e explodir o índice glicêmico. Têm os tios que só ganham bebidas alcoólicas e sempre brincam: “pessoal acha que eu só bebo”. Geralmente esse é o que dorme no sofá ou faz aquele comentário desagradável sobre a gravidez de uma sobrinha que na verdade esta gordinha. Têm também os que ganham os presentes de grife. Ah esses são os invejados. Geralmente a parte rica da família que comprou seus presentes no exterior. É um desfile de grife de roupas. O resto dos convivas com odinho mal sabendo que essas roupas vão ficar anos no guarda roupa porque não serviram ou ficaram largas. E servirão, impreterivelmente, de presentes em natais futuros (e tem sempre o bom de memória da família que comenta que já viu aquela blusa da Hugo Boss em edições anteriores). E as comidas? Ah esse é um capítulo que valeria uma crônica solo. Castanhas, frutas de todas as espécies, aves de todos os tipos, suínos de todas as formas. E o salpicão! Claro! Tem sempre uma receita famosa de salpicão de alguma tia da família. Aquele com passas, maça, uva, pêssego e calda de chocolate que deveria se chamar salada de frutas e não salpicão. E tem a leitoa. E tem a tia que leva a leitoa e jura de pé junto que no próximo Natal não vai ficar responsável pelo suíno porque o óleo de pururucar queimou os pelos do seu braço. Para aqueles que não são de Minas ou Goiás faço um parênteses. Pururucar e a arte de esquentar óleo a exaustão e jogar sobre a pele da leitoa fazendo com que a mesma forme bolhas crocantes e douradas. Falo que é uma arte porque somente 0,1% da população mundial consegue esse efeito no porquinho. No mais fica uma pele borrachenta e oleosa. Mas voltando às comidas, o peru que era tradicionalíssimo nas mesas foi perdendo espaço para os chesters e fiestas da vida. E tem sempre a prima vegana que comenta que aquela ave é uma modificação genética e que provoca câncer e nascimento de penas nos consumidores. E tem sempre o sobrinho que chora com a conversa porque não quer que cresçam penas nele. E a farofa? Esse é o acepipe mais variado da festa. Tem de todo jeito. Cada uma mais elaborada que a outra. Chego a pensar que a receita é a mesma do salpicão só que com a adição de farinha. Aliás a farinha é a que menos importa na farofa. E no fim da festa tem sempre uma avó que enxerga mal e faz questão de juntar todos os restos de farofa fazendo uma maçaroca sem tamanho. Dá até ânsia de vomito. Aí depois de distribuídos os presentes, bebido e comido como se o mundo fosse acabar no outro dia, vem o entretenimento tradicional do Natal. O bingo. Esse é diversão garantida. Tem os que perguntam trinta vezes se o primeiro prêmio é linha, coluna ou diagonal. E tem sempre o que responde toda vez. Tem o tio que não enxerga direito e fica perguntando para o que está do seu lado se saiu algum número da cartela dele. Tem sempre o primo espertinho que pega duas cartelas para ver se arremata a garrafa de pinga que está entre os prêmios. Têm os que sempre falam que nunca são sorteados e os que falam que tem muita sorte. Tem aquele tio que associa todo número cantado ao jogo do bicho. Eu mesmo nunca consegui decorar essa bicharada. Tem o engraçadinho que coloca a calçola da avó em uma caixa de whisky e provoca os risos da galera. Menos da avó que vê sua intimidade exposta. Tem o que grita bingo sem ter ao menos um par marcado. E grita de novo e de novo. E no final das contas saem todos enfastiados de comida prometendo nunca mais comer castanha na vida. Alguns em busca de um antiácido para a bebida de má qualidade ingerida em excesso prometendo nunca mais botar uma dose na boca. Alguns com presentes em excesso e outros com presentes em falta prometendo ano que vem comprar auto presentes para impressionar os parentes. Fica o dono da casa com uma tonelada de comida que terá que comer durante toda a semana fazendo receitas de reciclagem aprendidas na Ana Maria Braga. Mas no apagar das luzes saem todos felizes prometendo se encontrar no outro ano para comemorar o nascimento de Jesus, que no final das contas é o menos lembrado da história. Ah e têm os tios que chegam mais tarde por conta da missa do galo. Esses se recordaram do aniversariante mas perderam a festa. No fim sobrevivem todos, ansiosos pelo próximo ano.

Feliz Natal.       

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 25 de dezembro de 2015

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

a carta


A carta

 

           

Quem diria que em tempos de internet e informação em tempo real (e muitas vezes informação antecipada) seríamos brindados com uma pérola do modus comunicandi do século passado. Ou século retrasado. A tão famosa carta. Quem nos proporcionou esse momento nostalgia foi o Vice Presidente da República (por enquanto) que empunhando sua Parker 51 bico de pena escreveu uma missiva a sua companheira de chapa, não menos famosa, Presidenta da República. Faltou só o lacre em cera vermelha com o brasão da família derretido sobre o pedaço de papel amarelado pela luz fraca da vela que iluminava o ambiente. A imaginação voa à solta como num enredo de filme clássico. E o conteúdo? Coisa sensível. Diria quase de amor. Sentimento que emana do mais profundo da alma. Desabafo. E o latim? “Verba volant, scripta manent”. Coisa linda. Coisa que não se ouve mais. Fiquei imaginando a nossa Presidenta, com toda sensibilidade que lhe é peculiar, lendo aquele pedaço de papel. Imagino as lagrimas. Imagino a dor de barriga. E nesse contexto de imaginação, dei-me por imaginar qual seria a resposta dela para o amigo e companheiro, agora decepcionado, Michel. Imaginemos.

 

Se ela usasse a paixão brejeira de João Mineiro e Marciano seria:

“Você me pede na carta que eu desapareça. Que eu nunca mais te procure para sempre te esqueça. Posso fazer sua vontade atender seu pedido, mas esquecer é bobagem, é tempo perdido. Ainda ontem chorei de saudade relendo a carta, sentindo o perfume. Mas o que fazer com essa dor que invade? Mato esse amor ou me mata o ciúme”

 

            Se ela tivesse a malevolência baiana da Banda Eva seria:

“Quer ir embora vai. Adeus bye, bye. Quando você me quiser estarei no ilê, já não te quero mais. Até chorar chorei não pude suportar. Ao ver se acabar todo o amor que lhe dei. E pra curar então o pobre coração, eu vou sair no ilê. Vou me esquecer de você no meio da multidão. E vou com o negro mais lindo desfilar na avenida e me matar de paixão.”

 

            Se ela se apossasse da melodia do Tremendão Erasmo Carlos seria:

“Escrevo-te essas mal traçadas linhas meu amor, porque veio a saudade visitar meu coração. Espero que desculpe os meus erros por favor, nas frases dessa carta que é uma prova de afeição. Talvez tu não a leias, mas quem sabe até dará resposta imediata me chamando de meu bem. Porém o que me importa é confessar-te uma vez mais, não sei amar na vida mais ninguém.”

 

            Se lançasse mão da coragem suicida de Getúlio, seria:

Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”

 

            Agora se eu escrevesse uma carta sobre tudo isso que está acontecendo me apropria de Renato Russo:

 

“E nesses dias tão estranhos fica poeira se escondendo pelos cantos. Esse é o nosso mundo. O que é demais nunca é o bastante. A primeira vez é sempre a última chance. Ninguém vê onde chegamos. Os assassinos estão livres, nós não estamos. Vamos sair, mas não temos mais dinheiro. Os meus amigos todos estão procurando emprego. Voltamos a viver como há dez anos atrás e a cada hora que passa envelhecemos dez semanas.”

 

É rir para não chorar. Melhor. Risum tenere chamare

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 11 de dezembro de 2015

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

a política e a educação


A política e a educação

 

            Voltando da escola com os meninos para o almoço nos apegamos a uma estação de rádio que falava sobre o assunto da semana. O impeachment da Presidenta da República. Eu escutava displicentemente o debate pois tratava-se de assunto requentado, e supunha que as crianças estavam entretidas com os gibis que carrego no carro para esse fim, quando a filha mais velha me perguntou do que se tratava. Primeiro que quando uma criança faz uma pergunta tem-se toda uma tática para responde-la. Faz-se uma repergunta para saber exatamente qual a dúvida para evitar de responder em excesso ou errado. Mas não teve jeito. Como explicar para uma criança de dez anos toda a complexidade do processo político brasileiro? Como fazer isso sem ser tendencioso no raciocínio? Como fugir para as colinas? Pois bem, passada a vontade de fingir de morto comecei explicando o significado da palavra impeachment e discorri sobre o rito que esse processo ensejaria. Expliquei os motivos alegados para o afastamento e aproveitei para linkar com um conceito que ela dominava: O valor da palavra. Expliquei que as acusações tinham a ver com o não cumprimento da palavra por parte da acusada. Tudo muito simples para não complicar e nem criar fantasmas naquela mente em formação. Foi quando ela perguntou, em caso de afastamento do Presidente, quem assumiria o cargo. Expliquei que era o Vice Presidente e foi então que veio a indagação mortal:

- Papai, mas o Vice Presidente cumpre o que ele promete?

Bem... olha... não é bem assim... veja bem meu bem... E nessa hora não soube se a minha resposta seria bem aceita ou compreendida. Desviei do foco principal e procurei leva-la a refletir que isso servia de exemplo para sua conduta e o valor que dava nas palavras proferidas. E mais uma vez entendi que apesar de ser o maior clichê, a educação continua sendo nossa única esperança. Quando nos deparamos com tamanha cena de caos moral em nossa humanidade tenho cada dia mais certeza que só as gerações vindouras poderão alentar o mundo. Mas cabe a nós, que temos essa nova geração nas mãos, educa-la e infundir em suas mentes férteis conceitos de bem. Sempre escutei que os jovens são a geração do futuro e a esperança de dias melhores para a humanidade. Mas se não os educarmos para isso, se portarão exatamente como as atuais gerações se comportam. Não tenham dúvida do poder do exemplo.              

             

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 04 de dezembro de 2015