A carta
Quem diria que em tempos
de internet e informação em tempo real (e muitas vezes informação antecipada)
seríamos brindados com uma pérola do modus
comunicandi do século passado. Ou século retrasado. A tão famosa carta.
Quem nos proporcionou esse momento nostalgia foi o Vice Presidente da República
(por enquanto) que empunhando sua Parker 51 bico de pena escreveu uma missiva a
sua companheira de chapa, não menos famosa, Presidenta da República. Faltou só
o lacre em cera vermelha com o brasão da família derretido sobre o pedaço de
papel amarelado pela luz fraca da vela que iluminava o ambiente. A imaginação
voa à solta como num enredo de filme clássico. E o conteúdo? Coisa sensível.
Diria quase de amor. Sentimento que emana do mais profundo da alma. Desabafo. E
o latim? “Verba volant, scripta manent”.
Coisa linda. Coisa que não se ouve mais. Fiquei imaginando a nossa Presidenta,
com toda sensibilidade que lhe é peculiar, lendo aquele pedaço de papel.
Imagino as lagrimas. Imagino a dor de barriga. E nesse contexto de imaginação,
dei-me por imaginar qual seria a resposta dela para o amigo e companheiro,
agora decepcionado, Michel. Imaginemos.
Se ela usasse a paixão
brejeira de João Mineiro e Marciano seria:
“Você
me pede na carta que eu desapareça. Que eu nunca mais te procure para sempre te
esqueça. Posso fazer sua vontade atender seu pedido, mas esquecer é bobagem, é
tempo perdido. Ainda ontem chorei de saudade relendo a carta, sentindo o
perfume. Mas o que fazer com essa dor que invade? Mato esse amor ou me mata o
ciúme”
Se
ela tivesse a malevolência baiana da Banda Eva seria:
“Quer
ir embora vai. Adeus bye, bye. Quando você me quiser estarei no ilê, já não te
quero mais. Até chorar chorei não pude suportar. Ao ver se acabar todo o amor
que lhe dei. E pra curar então o pobre coração, eu vou sair no ilê. Vou me
esquecer de você no meio da multidão. E vou com o negro mais lindo desfilar na
avenida e me matar de paixão.”
Se
ela se apossasse da melodia do Tremendão Erasmo Carlos seria:
“Escrevo-te
essas mal traçadas linhas meu amor, porque veio a saudade visitar meu coração.
Espero que desculpe os meus erros por favor, nas frases dessa carta que é uma
prova de afeição. Talvez tu não a leias, mas quem sabe até dará resposta
imediata me chamando de meu bem. Porém o que me importa é confessar-te uma vez
mais, não sei amar na vida mais ninguém.”
Se
lançasse mão da coragem suicida de Getúlio, seria:
“Cada
gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a
vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que
pensam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje
me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais
será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu
sangue terá o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei
contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias,
a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a
minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da
eternidade e saio da vida para entrar na história.”
Agora
se eu escrevesse uma carta sobre tudo isso que está acontecendo me apropria de
Renato Russo:
“E nesses dias tão estranhos fica
poeira se escondendo pelos cantos. Esse é o nosso mundo. O que é demais nunca é
o bastante. A primeira vez é sempre a última chance. Ninguém vê onde chegamos.
Os assassinos estão livres, nós não estamos. Vamos sair, mas não temos mais
dinheiro. Os meus amigos todos estão procurando emprego. Voltamos a viver como há
dez anos atrás e a cada hora que passa envelhecemos dez semanas.”
É rir para não chorar.
Melhor. Risum tenere chamare
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 11 de dezembro de 2015
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