sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

a carta


A carta

 

           

Quem diria que em tempos de internet e informação em tempo real (e muitas vezes informação antecipada) seríamos brindados com uma pérola do modus comunicandi do século passado. Ou século retrasado. A tão famosa carta. Quem nos proporcionou esse momento nostalgia foi o Vice Presidente da República (por enquanto) que empunhando sua Parker 51 bico de pena escreveu uma missiva a sua companheira de chapa, não menos famosa, Presidenta da República. Faltou só o lacre em cera vermelha com o brasão da família derretido sobre o pedaço de papel amarelado pela luz fraca da vela que iluminava o ambiente. A imaginação voa à solta como num enredo de filme clássico. E o conteúdo? Coisa sensível. Diria quase de amor. Sentimento que emana do mais profundo da alma. Desabafo. E o latim? “Verba volant, scripta manent”. Coisa linda. Coisa que não se ouve mais. Fiquei imaginando a nossa Presidenta, com toda sensibilidade que lhe é peculiar, lendo aquele pedaço de papel. Imagino as lagrimas. Imagino a dor de barriga. E nesse contexto de imaginação, dei-me por imaginar qual seria a resposta dela para o amigo e companheiro, agora decepcionado, Michel. Imaginemos.

 

Se ela usasse a paixão brejeira de João Mineiro e Marciano seria:

“Você me pede na carta que eu desapareça. Que eu nunca mais te procure para sempre te esqueça. Posso fazer sua vontade atender seu pedido, mas esquecer é bobagem, é tempo perdido. Ainda ontem chorei de saudade relendo a carta, sentindo o perfume. Mas o que fazer com essa dor que invade? Mato esse amor ou me mata o ciúme”

 

            Se ela tivesse a malevolência baiana da Banda Eva seria:

“Quer ir embora vai. Adeus bye, bye. Quando você me quiser estarei no ilê, já não te quero mais. Até chorar chorei não pude suportar. Ao ver se acabar todo o amor que lhe dei. E pra curar então o pobre coração, eu vou sair no ilê. Vou me esquecer de você no meio da multidão. E vou com o negro mais lindo desfilar na avenida e me matar de paixão.”

 

            Se ela se apossasse da melodia do Tremendão Erasmo Carlos seria:

“Escrevo-te essas mal traçadas linhas meu amor, porque veio a saudade visitar meu coração. Espero que desculpe os meus erros por favor, nas frases dessa carta que é uma prova de afeição. Talvez tu não a leias, mas quem sabe até dará resposta imediata me chamando de meu bem. Porém o que me importa é confessar-te uma vez mais, não sei amar na vida mais ninguém.”

 

            Se lançasse mão da coragem suicida de Getúlio, seria:

Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”

 

            Agora se eu escrevesse uma carta sobre tudo isso que está acontecendo me apropria de Renato Russo:

 

“E nesses dias tão estranhos fica poeira se escondendo pelos cantos. Esse é o nosso mundo. O que é demais nunca é o bastante. A primeira vez é sempre a última chance. Ninguém vê onde chegamos. Os assassinos estão livres, nós não estamos. Vamos sair, mas não temos mais dinheiro. Os meus amigos todos estão procurando emprego. Voltamos a viver como há dez anos atrás e a cada hora que passa envelhecemos dez semanas.”

 

É rir para não chorar. Melhor. Risum tenere chamare

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 11 de dezembro de 2015

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