sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

carta ao Papai Noel


Brasília 16 de dezembro de 2016

 

Ao Departamento de Pedidos de Natal - DPN

Sr. Santa Clauss

 

Primeiramente me desculpo pela missiva em tempo tão exíguo para o Natal, mas é que a coisa aqui está periclitante. Falta-me OXIGÊNIO se é que entendes. Estava indo tudo bem em minha vida enquanto o foco estava só sob o AMIGO do ITALIANO e do BOB. Era uma irmandade perfeita né caro velhinho? Digna de filme da máfia italiana. Até que aquele PRIMO danado andou a colocar fezes no ventilador. Toda família tem um dedo duro. A coisa foi tomando uma proporção tão grande que agora está fora de controle. Até tentei me afastar das más companhias como a WANDA andando de lado igual CARANGUEJO, mas não deu muito certo. Busquei JUSTIÇA do outro lado, mas como você mesmo sabe, não sou de todo SANTO. Apesar de que vou a MISSA de vez em quando. Passei até a torcer para o BOTAFOGO para ver se a barra aliviava para o meu lado, mas o povo anda querendo distância da minha pessoa. Não deixam eu trabalhar direito! Isso aqui está virando uma torre de BABEL. Ninguém se entende. Estamos mais por fora que umbigo de ÍNDIO. E eu achando que a grama do VIZINHO era mais verdinha. Ledo engano. Pegaram-me igual MINEIRINHO. De mansinho. Hoje estou impossibilitado de chupar CAJÚ, andar de FERRARI, visitar meu PRIMO (outro), tomar CAMPARI e até meu gato ANGORÁ querem decepar. Ou seja, tá difícil. De qualquer forma não sou de TODO FEIO então peço sua compreensão, caro amigo Noel, para o meu pedido. Simples e fácil. Gostaria de um corte de pano. Tá vendo quanta facilidade?! Mas precisa ser bem forte pois com ele vou amarrar os pés da PF, amordaçar o Ministério Público, vendar o Moro, atar as mãos do STF e guardar o resto para uma Tereza. Afinal sou um homem precavido e as janelas da Papuda são altas pra caramba.

          No mais estimo felicidades ao pançudo amigo e votos de um 2017 igual a Lapônia. Mais frio.     

          Atenciosamente,

         

          TREM SEM MEDO

 

           

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 16 de dezembro de 2016

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

a mais bela tribo


A mais bela tribo

 

          Aurélio Marmelo era nascido em Brasília. Nos idos da década de 80. Cresceu escutando a geração de bandas de garagem que floresceram na capital naquela época. Pura rebeldia. Se ele pudesse escolher uma música para chamar de sua seria “Índios”. Cantava toda a letra de frente para trás e de trás para frente. Acalentava o sonho de um dia trabalhar com indígenas. Lia e relia as histórias dos irmãos Vilas Boas e compartilhava o ideal de preservação daqueles que eram donos primários da terra brazilis. Sonho de criança que com o passar dos anos foi enfraquecendo e se tornando lembrança. Ali guardada no fundo do coração.

          Dr. Aurélio Marmelo se tornou juiz de direito. Dos combativos. Peito aberto em defesa da lei e da ordem. Por muitas comarcas passou até que lhe caiu no colo uma oportunidade que o fez recordar seu sonho de infância. Tinha chance de ser lotado em um local lá para o norte do país. No meio da floresta amazônica. Teria a oportunidade de se aproximar da cultura indígena que tanto lhe povoou a infância. De mala e cuia seguiu viagem. Fora as dificuldades inerentes ao local, trabalhava com afinco. Mas nada de índios. Até que um dia apareceu. Uma demanda de invasão de terra indígena por madeireiros. Era o que precisava. Com todo seu cabedal jurídico fez uma peça ímpar. Usou até trecho de sua música preferida. “Quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante”. Estava orgulhoso do feito. Emitiu documento de reintegração de posse e imediatamente despachou para que fosse notificado o invasor e cumprida a liminar. Sem poder se conter de gozo, quebrando regras de segurança pessoal, pegou uma cópia do documento e foi até a tribo entrega-la pessoalmente. Foram dois dias de viagem até que chegasse ao seu destino. Esperara uma vida para ter aquela oportunidade e nada o impediria de vive-la.

          Cari Guarini foi o nome que recebeu quando chegou a tribo e explicou a todos os motivos de sua visita. Guerreiro branco era o que representava aquele forasteiro para os índios que ora comemoravam a vitória. Há muito sofriam com as constantes invasões dos madeireiros que destruíam sua floresta. Agora era momento de festa. E assim a tribo se voltou para comemorar e agradecer aquele branco que trazia alento ao povo tão sofrido. Foram dias e dias de festa. Assados de caça e bebida entorpecente. Dava gosto de ver um juiz de direito pintado com as cores indígenas e quase nu dançando em volta da fogueira. Parecia que voltava a ser criança. Não sabia nem distinguir os dias das noites de tanto torpor provocado pela bebida que lhe serviam constantemente. Um dia amanheceu amarrado a um tronco. Ainda não tinha recuperado totalmente sua altivez. Oscilava entre a consciência e o sono. Em seu estado mental confuso conseguiu ouvir do cacique que ele seria sacrificado e comido por toda a tribo. E que aquele ato deveria ser visto com grande honra pois só era realizado com grandes guerreiros. Em meio ao torpor e terror que tomou conta de Aurélio, as forças para reagir não lhe acudiram. Por final só conseguiu ver a fumaça da fogueira que era acesa para o seu banquete e escutou ao longe, bem ao longe, uma música que lhe soou familiar. “Quem me dera ao menos uma vez... como a mais bela tribo... dos mais belos índios... não ser atacado por ser inocente...”  

          Ronan Caveiro estava logo ali próximo, na espreita, para realizar o serviço encomendado. Trabalhava fazia muito de jagunço no negócio de extração de madeira. Não tinha muita noção da legalidade daquele trabalho, mas era o que enchia a barriga dos seus filhos. Assim, quando escutou do patrão, que um juizeco tinha emitido liminar para abandonarem as terras que estavam explorando, ficou possesso. Que mané ordem judicial o que? Aqui a lei é o riscado da minha espingarda. Assim sendo, convocou os outros companheiros do grupo e armaram tocaia na tribo. Iriam dar cabo de todos. Não sobraria nada para contar a história. Ali funcionava a lei da selva. Mas faria isso só daqui a pouco. Apesar de já ter visto o sinal de fumaça combinado com os companheiros para o início do ataque, ele esperava acabar uma música que escutava em seu rádio de pilha. Apesar de não gostar nenhum pouco de índios, admirava por demais aquela canção que tocava em meio a chiados de sintonia fraca. Quando acabar a música nós vamos para a lida. “Nos deram espelhos e vimos o mundo doente... tentei chorar e não consegui...”  

           

  

* essa é uma estória de ficção       

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 09 de dezembro de 2016

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

sobre heróis


Sobre heróis

 

 

          Já começo essa crônica afirmando que perderei metade dos meus leitores. Fui acometido de um surto de sinceridade. E esses rompantes costumam magoar algumas pessoas que em represália cortam os vínculos de leitura e comentários. Mas não posso, nesse momento singular da vida do país, deixar de expressar minha opinião verdadeira. Estão preparados? Vamos lá.

          O juiz Sergio Moro não é um herói.

          Pronto falei.  Mas antes de abandonarem o sincero cronista peço o crédito de escutarem, ao menos, as justificativas. Tenho visto, nos últimos tempos, manifestações de apreço e muitas vezes endeusamento do magistrado. Nada contra o juiz. Pelo contrário. Entendo que na maioria das vezes (grifo meu) ele tem agido de maneira coerente com sua função. Tem ajudado descortinar para a nação o câncer que carregamos desde o nosso descobrimento pelos portugueses. Doença essa que vem evoluindo e crescendo e que fatalmente levaria o país a falência se por esse caminho continuar a seguir. Mas daí a considerar o juiz como um semideus, salvador da pátria, curandeiro, santo ou qualquer coisa que o valha, é de um exagero profundo. Hoje noto um ufanismo exagerado nas redes sociais e nas manifestações que me deixam receoso. Da mesma forma que entendo ser uma evolução impar em nosso país quando pessoas que eram alheias a política começam a se interessar por tal, preocupa-me que tendam a resolver a situação histórica de maneira simplista. O problema da corrupção no nosso país é uma situação complexa e requer medidas do mesmo porte. A escolha de heróis e salvadores da pátria é um caminho errado. Não precisamos deles. Não os queremos. Necessitamos sim de cidadãos que cumpram seus deveres e cobrem seus direitos. Precisamos de funcionários públicos que cumpram a suas funções. Digo isso para retornar ao cerne da crônica. O juiz Sergio Moro tem cumprido sua função. O Ministério Público, com algumas ressalvas, tem cumprido sua função. Mas isso de forma alguma alça-os à categoria de suprassumo e isentos da lei. Pelo contrário. Devem ser cumpridores da lei. Porque de heróis já estamos fartos. De salvadores da pátria muito mais. Precisamos de cidadãos.            

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 02 de dezembro de 2016