A
mais bela tribo
Aurélio
Marmelo era nascido em Brasília. Nos idos da década de 80. Cresceu escutando a
geração de bandas de garagem que floresceram na capital naquela época. Pura
rebeldia. Se ele pudesse escolher uma música para chamar de sua seria “Índios”.
Cantava toda a letra de frente para trás e de trás para frente. Acalentava o
sonho de um dia trabalhar com indígenas. Lia e relia as histórias dos irmãos
Vilas Boas e compartilhava o ideal de preservação daqueles que eram donos
primários da terra brazilis. Sonho de criança que com o passar dos anos foi
enfraquecendo e se tornando lembrança. Ali guardada no fundo do coração.
Dr.
Aurélio Marmelo se tornou juiz de direito. Dos combativos. Peito aberto em
defesa da lei e da ordem. Por muitas comarcas passou até que lhe caiu no colo
uma oportunidade que o fez recordar seu sonho de infância. Tinha chance de ser
lotado em um local lá para o norte do país. No meio da floresta amazônica.
Teria a oportunidade de se aproximar da cultura indígena que tanto lhe povoou a
infância. De mala e cuia seguiu viagem. Fora as dificuldades inerentes ao
local, trabalhava com afinco. Mas nada de índios. Até que um dia apareceu. Uma
demanda de invasão de terra indígena por madeireiros. Era o que precisava. Com
todo seu cabedal jurídico fez uma peça ímpar. Usou até trecho de sua música
preferida. “Quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o
mais importante”. Estava orgulhoso do feito. Emitiu documento de reintegração
de posse e imediatamente despachou para que fosse notificado o invasor e
cumprida a liminar. Sem poder se conter de gozo, quebrando regras de segurança
pessoal, pegou uma cópia do documento e foi até a tribo entrega-la pessoalmente.
Foram dois dias de viagem até que chegasse ao seu destino. Esperara uma vida
para ter aquela oportunidade e nada o impediria de vive-la.
Cari
Guarini foi o nome que recebeu quando chegou a tribo e explicou a todos os
motivos de sua visita. Guerreiro branco era o que representava aquele
forasteiro para os índios que ora comemoravam a vitória. Há muito sofriam com
as constantes invasões dos madeireiros que destruíam sua floresta. Agora era
momento de festa. E assim a tribo se voltou para comemorar e agradecer aquele
branco que trazia alento ao povo tão sofrido. Foram dias e dias de festa.
Assados de caça e bebida entorpecente. Dava gosto de ver um juiz de direito
pintado com as cores indígenas e quase nu dançando em volta da fogueira.
Parecia que voltava a ser criança. Não sabia nem distinguir os dias das noites
de tanto torpor provocado pela bebida que lhe serviam constantemente. Um dia
amanheceu amarrado a um tronco. Ainda não tinha recuperado totalmente sua altivez.
Oscilava entre a consciência e o sono. Em seu estado mental confuso conseguiu
ouvir do cacique que ele seria sacrificado e comido por toda a tribo. E que
aquele ato deveria ser visto com grande honra pois só era realizado com grandes
guerreiros. Em meio ao torpor e terror que tomou conta de Aurélio, as forças
para reagir não lhe acudiram. Por final só conseguiu ver a fumaça da fogueira
que era acesa para o seu banquete e escutou ao longe, bem ao longe, uma música
que lhe soou familiar. “Quem me dera ao menos uma vez... como a mais bela
tribo... dos mais belos índios... não ser atacado por ser inocente...”
Ronan
Caveiro estava logo ali próximo, na espreita, para realizar o serviço
encomendado. Trabalhava fazia muito de jagunço no negócio de extração de
madeira. Não tinha muita noção da legalidade daquele trabalho, mas era o que
enchia a barriga dos seus filhos. Assim, quando escutou do patrão, que um
juizeco tinha emitido liminar para abandonarem as terras que estavam
explorando, ficou possesso. Que mané ordem judicial o que? Aqui a lei é o
riscado da minha espingarda. Assim sendo, convocou os outros companheiros do
grupo e armaram tocaia na tribo. Iriam dar cabo de todos. Não sobraria nada
para contar a história. Ali funcionava a lei da selva. Mas faria isso só daqui
a pouco. Apesar de já ter visto o sinal de fumaça combinado com os companheiros
para o início do ataque, ele esperava acabar uma música que escutava em seu
rádio de pilha. Apesar de não gostar nenhum pouco de índios, admirava por
demais aquela canção que tocava em meio a chiados de sintonia fraca. Quando
acabar a música nós vamos para a lida. “Nos deram espelhos e vimos o mundo
doente... tentei chorar e não consegui...”
* essa
é uma estória de ficção
Guilherme
Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 09 de dezembro de
2016
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