sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

a dor une


A dor une

 

          Passando férias na Bahia, entre um mergulho e outro, o filho mais novo cortou o dedo em uma luminária da piscina na casa em que estávamos hospedados. Foi aquela sangueira. Todo mundo corre ao socorro. Cada vez que um olhava era aquela cara de espanto. O corte tinha sido profundo. Pega menino molhado mesmo e leva no pronto socorro. Vai aos prantos. Devia estar ardendo muito. Devia estar muito assustado. No pronto socorro a médica começa a explicar os danos. O corte tinha sido profundo e a articulação estava à mostra. A mãe começa a passar mal, seguida pelo pai (que sou eu) e logo após a tia que se dizia forte. A médica ficou sozinha em sua explicação e resolveu fazer um curativo. Indicou que o levássemos à Salvador para uma avaliação de especialista. Fomos.

Distância de uma hora. Remédio para dor aliviou o pranto do pequeno. Hospital no cetro da capital baiana. Aquele ritmo que todos conhecem. Pressa só amanhã. Avaliação da médica. Simpática. Raio-x do técnico. Gente boa. Sutura da equipe de enfermagem. Solícitos. Essa hora era a pior. O enfermo já vinha reclamando desde o ocorrido que não ia dar ponto. Que ia doer. Que iam passar um fio na sua pele. Agonia. Pois foi inevitável. Foi segurado por quatro pessoas incluindo o pai. Sempre dói mais no pai. O candidato a sutura em prantos. Nessa de segura e chora, aproximei-me do seu ouvido e tentei tirar sua atenção. Perguntei sobre o jogo do celular que ele era player. Ele, entre um choro e outro, explicava alguma coisa sobre o jogo. Não consegui dissuadi-lo totalmente da cena da costura, mas toda a coisa chegou ao fim. Finalmente. Todos parecendo que tinham levado surra de vara.

Nesse ponto nos lembramos da hora avançada da tarde e a falta de almoço de todos que estavam presentes. Voltando passamos em um shopping. No caminho para a praça de alimentação o pequeno me questionou: “Papai, aquela hora que você perguntou sobre o jogo estava só querendo me entreter ou realmente estava interessado?”. Nessa hora, além do espanto do uso da palavra “entreter” de maneira tão cabível, não tive coragem de falar que a intenção era o desvio da atenção. No mesmo momento, num ápice de consciência, pensei que seria interessante aprender com ele sobre o jogo. Um ponto de contato. Um elo de ligação.

Muitas gerações de pais se horrorizaram com as “modas” de seus filhos, como a febre da música, da TV e dos vídeo games sem mergulharem nesse mundo para entendimento do que se passava na mente dos filhos. A geração dos meus filhos mistura todos esses gêneros sob o manto da internet. Não posso e não devo simplesmente negar isso tudo sem entender. Essa oportunidade surgia a todo momento, mas era postergada sob desculpas muitas. Dessa vez não pude me omitir. Aquiesci. Abaixei a guarda. Pois então ele passou todo o passeio no shopping me explicando os personagens, cenários e fases do jogo. Entre uma mordida ou outra no sanduiche triplo foi me dando aula de tática. Eu, do lado de cá, ouvindo tudo atentamente. Não com a intenção de me tornar um exímio jogador, mas com o simples propósito de ficar mais perto do meu filho. A dor, ao final, acaba unindo.       

   

           Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 20 de janeiro de 2017

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