sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Cuidareis de sua casa

Cuidareis de sua casa





Aproveitando o dia morno e parado pelo feriado do dia dos funcionários públicos, apesar de não o ser, fui beber direto da fonte da sabedoria. Coisas de sexta. Conversa sem pretensões e sem responsabilidades com uma das maiores cabeças pensantes do nosso país. Daquelas conversas que poderiam perfeitamente acontecer em um boteco ou mesmo em um restaurante caro na capital federal, logicamente diferindo o valor da conta a ser paga no final. Junto comigo no bate papo, encontrava-se meu pai, que tinha a mesma faixa etária de nosso interlocutor. Como sempre, começa-se a conversa com as amenidades e as perguntas do tipo “onde está fulano?”, “você tem visto sicrano?”, “bons tempos aqueles!”. E o cidadão que vos fala já na impaciência para adentrar logo ao assunto. Espera a deixa para introduzir o real motivo da conversa. E conversa vai. E conversa vem. Quando não obstante, entram no assunto de meio ambiente e progresso. O cidadão que vos fala, mudo. Lembra-se do ditado de que se tem duas orelhas e somente uma boca para escutar mais e falar menos. Vamos escutar. É nessas horas que percebo que a sabedoria está nas entrelinhas. Na frase dita com convicção que provoca uma reação em outrem. Mas não aquela reação cega de gado sendo espetado, mas sim aquela reação que te faz pensar. Aquela que te mostra um cenário diferente do que você considera o modelo perfeito. Aquela que harmoniza conceito e vivência. Mesmo que não seja o seu conceito e nem a sua vivência. Mas qual ponto de vista está correto? O seu ou o deles? A resposta é nenhum. Nem o do seu pai, nem o seu e nem o do seu filho. Ficou confuso? Imagina eu que tentava entender isso no meio da conversa?!?!



    

Cresci escutando sobre a fase de ouro de crescimento do país e de como demos um salto de desenvolvimento rumo ao progresso. Tudo em nome da natureza, afinal o homem também faz parte da natureza. Também escutei muito que as gerações de hoje se preocupam mais com os animais e as árvores do que com o ser humano e suas necessidades. Escutei também que o progresso do país está travado pelos ambientalistas ecochatos e suas ONG´s patrocinadas pelos países de primeiro mundo que não querem ver nosso país crescer. Discursos e discursos. Também cresci vendo os efeitos dos desmazelos com o meio ambiente. Esses eu tenho notado. Climas endoidecendo. População mundial crescendo. Miséria aumentando. Recursos naturais diminuindo. Talvez a minha geração seja a primeira a perceber isso. E não venhamos com idealismo de dizer que o fizemos por consciência. Não foi. Foi por necessidade. Por estarmos sofrendo na pele os primeiros efeitos da chamada deteriorização global. A minha geração não era sustentável, ela está tentando se tornar sustentável. As duras penas, diga-se de passagem. Então às vezes quando escuto as gerações anteriores dizerem que estamos exagerando e que estamos de certa forma impedindo o progresso do país, sinto um certo choque. Mas aí reside o ponto nevrálgico do parágrafo anterior. Quem será que está certo? Será que a geração anterior a de meus pais é que estava certa ou será a dos meus filhos? A resposta é a mesma. Nenhuma. E me reservo o direito de complicar mais um pouquinho. Todos estão certos. Aí que bagunçou mesmo né? Pois tento esclarecer. Cada geração agiu baseada no momento que estava vivendo. Reagiu às necessidades que se apresentavam para o instante. Coube a nossa geração enxergar que sem sustentabilidade, não chegaríamos a lugar nenhum. Aliás, essa geração chegaria ao fim, mas as próximas não teriam início. E como temos dois instintos muito fortes gravados em nosso DNA: Sobrevivência e perpetuidade, estamos tentando, volto a negritar, as duras penas, deixar um planeta mais consciente para os próximos. Isso é fácil? É rápido? Infelizmente não. A evolução é lenta e gradual. Mas tenho certeza que ela se refletirá nas futuras gerações. Vejo nos meus filhos a mudança. Isso é meu maior alento. Tenho certeza que um dia estaremos nos mesmos papéis que hoje me encontro com meu pai. E ficarei extremamente orgulhoso se eles pensarem que seu pai está ultrapassado e saudosista, como penso muitas vezes do meu. Sinal de que a evolução está acontecendo.     





 



Guilherme Augusto Santana

Goiânia, 28de outubro de 2011

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

sexo, drogas, rock and roll e smartphone

Se tem sexta, tem crônica. Parece engraçada mas não é.




Sexo, Drogas, Rock and Roll e Smartphone





Quinta feira como outra qualquer. Um amigo manda uma DM: vamos jogar squash? DM volta: 18hs? DM reretorna: combinado. Tudo certo. Essa modernidade é dez né? Agora achar alguém para buscar as crianças na escola. De duas uma eu acho. Ou a mãe das crianças ou a minha mãe. Liga para a minha. “Posso não meu filho!”. Peço p/ outra mãe. “Posso não marido!”. Das duas, nenhuma. Pensa rápido. Se sair mais cedo e correr, consigo buscá-los e ainda chego para o jogo. Tudo planejado vamos à ação. Veste a roupa de jogar para não perder tempo e sai em disparada para a escola. Manda DM para o amigo: atraso 15 minutos. DM volta: ok. Estaciona e desce correndo. Carteira fica no porta luvas porque a roupa de jogo não tem bolso. O celular tem que ir. Chega na sala dos meninos. Corre meninada! Sai menino com mochila e uma infinidade de badulaques. Vale salientar que o dia que você está com pressa e o dia que eles fizeram oficina artesanal e tem um caminhão de coisinhas para carregar. O pai sai em disparada parecendo uma mula de carga. Vale salientar também que o dia que você esta com pressa é o dia que seu filho não está com pressa. Chega no carro. Coloca os badulaques no chão e o celular no teto do carro para colocar cinto de segurança nos meninos. Amarra cinto, enfia mochilas no porta malas e os badulaques joga por cima dos meninos. Entra no carro. Vamos embora. “Papai estou com fome!”. “Não vou agüentar chegar em casa de tanta fome!”. “Quando chegar em casa sua mãe resolve isso.” No meio do caminho escuto um barulho seco na lataria do carro. Olho para trás. “O que foi isso?”. “Isso o que papai?”. “Esse barulho!”. “Não fomos nós.”. Então tá então. Segue o cortejo. Aí, do além, manifesta-se uma mania dos maníacos por internet. Leva a mão no celular. Cadê o celular? CADÊ O CELULAR?!?!?! Para o carro. Olha em todos os cantos. Nada. Aí vem aquele capetinha e sussurra ao seu ouvido: “sabe aquele barulho seco que você escutou? Era seu celular rolando pelo teto do carro e se esborrachando no chão, Mané!”. Volta o carro. Anda a pé. Procura. Nada. Volta ao carro. Meninos chorando de fome. Deixa os meninos em casa. Pega o celular da esposa. Volta ao local do crime. Liga no celular. Está chamando! Ninguém atende. Liga de novo. Ninguém! Liga e anda pela rua. Nada. Depois da décima ligada não toca mais. Sabe aquele toquezinho de que a pessoa do outro lado está fazendo uma ligação? Pois é. Oh meu Deus a pessoa que achou o celular já está fazendo ligação para as Bahamas! (isso foi o capetinha que sussurrou). Andei mais de hora procurando o celular. Nada. Olhava para as pessoas paradas na calçada e no ponto de ônibus e todas tinham cara de que estavam com meu celular no bolso e que tinham ligado para as Bahamas. Desisto. Volto para casa desconsolado. Não quero falar com ninguém. Desolado. Estalo. Entro no iCloud e localizo o celular! Você é um gênio!!!. Ligo o PC. Localizar celular. Localizando... celular desconectado. Ou acabou a bateria (improvável), ou alguém achou o celular e desligou, ou ainda pior, um carro o matou! Hora do óbito: 19:50 do dia 20/10/2011. Morreu.





Confesso que me senti órfão. É uma sensação esquisita. Praticamente toda sua vida está ali. Seus contatos, seus email, suas músicas, suas fotos, seu twitter, seu facebook, seu tudo! A sensação de invasão de privacidade é irremediável. Diria que é quase um estupro moral. Quando começa a bater a síndrome de abstinência eletrônica, você se dá conta do pior. Sou viciado nisso. Não consigo viver sem meu smartphone. Aí é o fundo do poço. Senti-me o pior dos seres humanos. Dependente de uma máquina. Mas como tudo na vida, temos que achar o lado positivo. O bom das fatalidades é saber analisá-las e absorver ensinamentos. Até que ponto as relações humanas estão ficando distantes com a tecnologia? O que era para estreitar distâncias por muitas vezes coloca barreiras. Será que somos seres humanos melhores com esse excesso de informações que não se consolidam em conceitos? Será que temos conceitos ou somente um amontoado de pensamentos alheios? Pensava nisso tudo enquanto via o carregador de baterias do celular abandonado no canto sem ninguém para repor a vida. Quantos órfãos de pais vivos teremos que consolar por conta da tecnologia?





      De manhã ainda tive o reflexo de olhar o carregador na tomada com esperanças de vê-lo lá pronto para o uso. Vazio. A mesma iniciativa das pessoas que vão ao cemitério no dia após o sepultamento para ver se é verdade. É verdade. Segue o cortejo. Resolvi. Não vou me apressar em comprar outro. Passei a manhã toda sem celular. Que tranqüilidade. Ninguém me ligando, nem passando mensagens, nem twitter, nem face. Nada. Nunca me senti tão liberto. Alforriado. Isso que é vida. Pouco antes do almoço passei na porta da loja da operadora de celular. Síndrome de abstinência. Parei. Só para olhar. Tremi. Comprei. Afinal é um vício pequeno perto de alguns que vejo por aí. Até me orgulho um pouco desse vício. Só um pouquinho. Prometo usar com moderação.  





Guilherme Augusto Santana
Goiânia, 21de outubro de 2011

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A escolha de Sofia

aos que acompanham as vivências de um coveiro, segue uma do fundo da alma.

boa e chuvosa sexta a todos.


A ESCOLHA DE SOFIA





Depois que comecei a trabalhar no setor funerário, adquiri um hábito que tem deixado minha vida mais saudável e por conseqüência, mais feliz. Procuro não sair de casa de manhã antes que meus filhos acordem. Abraço-os sempre com muito entusiasmo. Pergunto como dormiram, apesar da resposta ser sempre a mesma. Pergunto se querem uma mamadeira, apesar de também saber que a resposta é certa. Depois disso me despeço e os deixo com suas atividades infantis. O sorriso estampado na face. No caso o meu sorriso. Pode parecer fato cotidiano, mas faz uma grande diferença. Recarrego minhas baterias afetivas e aproveito cada sentimento puro que emana deles. A relação do hábito adquirido com meu trabalho é obvia e entendo que não preciso discorrer muito sobre o assunto. Limito-me a dizer que já presenciei muitas separações definitivas e a dor que isso causa nas pessoas. Já que não podemos escolher como morreremos, podemos ao menos escolher como viveremos. E é exatamente esse o assunto que tratarei hoje: escolhas.

Essa semana me senti a própria Sofia do filme estrelado por Meryl Streep. Diante de uma escolha crucial e dilacerante. Aquela escolha que pai ou mãe nenhum gostaria de fazer. Aquela que causa arrepio a qualquer ser vivente. Qual filho abandonar? Qual dos filhos é o mais apto a sobrevivência? Quais as conseqüências permanentes dessa separação? Vou conseguir viver com essa dor? Calma a quem está achando que precisarei separar-me de Helena e Otávio. Não é isso. Estou me reportando à esfera profissional. Deixar um filho empresarial em detrimento de outro. Guardadas as devidas proporções, entendo que a sensação de perda e dor é profunda. Imaginem descobrir, planejar, gerir, dar a luz, embalar, alimentar, ensinar, amparar, dedicar e amar um empreendimento como um filho. Imaginaram? Agora imaginem ter que abandoná-lo em detrimento de outro filho que nasce, porque os dois juntos geram conflitos de interesses. Imaginaram? É essa a sensação. É essa a perda. E agora Sofia?

Essa semana, mais do que as outras, retardei minha saída de casa pelas manhãs. Curti cada sorriso e cada dengo. Medo. Medo de um dia ter que fazer uma escolha. Medo de um dia ter que abandonar um dos meus. Reflexo natural de pai que quer manter as crias debaixo da asa. Mas sei que escolhas estão por vir. São inevitáveis. E que ma maioria das vezes não dependem dos pais. Eles, os filhos, farão as escolhas. E cabe aos pais aconselhar e apoiar. E principalmente cabe a adaptabilidade de enfrentar as escolhas de peito aberto, porque um dia nos também as fizemos e de certa forma nos separamos de nossos pais. Temos que estar disposto a seguir vivendo. Mas enquanto as escolhas dependem de mim, opto por abraçá-los a cada manhã como se fosse a última vez. E torcendo sempre para que não seja.    





    



Guilherme Augusto Santana

14/10/ 2011

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Jobs por O Coveiro

Em primeira mão o obituário de Jobs por O Coveiro.
Segue o cortejo.


Poucos dias atrás, eu conversava com uma amiga sobre a arte da escrita dos obituários. Ela me recomendou um livro sobre o assunto e eu prontamente adquiri e comecei a desfrutá-lo. “O livro das Vidas” é uma compilação de obituários publicados no The New York Times e que demonstram com peculiaridades, um traço pitoresco da cultura americana. Confesso que como sou da área funerária, bateu-me a vontade de experimentar a arte e aproveito o falecimento de tão nobre figura do cenário mundial para fazer meu intróito. Espero que ele, o falecido, não leia.



Jobs por O Coveiro



Steve Paul Jobs nasceu em São Francisco, uma cidade sem preconceitos na ensolarada Califórnia, onde se toma um belíssimo vinho escutando jazz da mais alta qualidade, nos idos do ano de 1955. Esse fato parece até ironia, pois nesse mesmo ano morreria outro grande gênio da humanidade. Albert Einstein. Há de se imaginar que nada nesse mundo é por acaso. Filho de uma americana e um imigrante sírio, estava fadado ao insucesso quando seus pais o deram para adoção por não conseguirem pagar sua faculdade. Outra ironia do destino, pois ao que me consta, após a adoção, os altos custos da Faculdade do Oregon o fizeram abandonar os estudos. Talvez fosse seu destino vencer na vida sem o embasamento estudantil de uma faculdade americana. Talvez fosse melhor assim.

Nos idos dos anos 70, enquanto os hippies estavam pregando a paz e o amor livre, o pequeno Jobs criou a Apple, junto com o amigo Wozniak. Isso também não quer dizer que ele não tenha tomado LSD e participado de Woodstock, mas com certeza isso não queimou seus neurônios e nem o fez andarilho vendedor de pulseiras de fibra na praia. Menos mal. Se bem que algumas de suas criações pareciam estar sobre o efeito de alucinógenos. Deixemos de lado. A escolha da maça mordida como símbolo também não pareceu obra do acaso, visto que representa o pecado em forma de fruta. Deixemos de lado também. Entre encontros e desencontros, Jobs idealizou vários conceitos que iriam revolucionar o conceito do homem moderno sobre comunicação. E talvez essa rapidez e facilidade de comunicação o tenham colocado na berlinda da exposição mundial quando da sua doença. Convenhamos que Jobs era um quase desconhecido para a maioria da população mundial no começo dos anos 2000. Os seus inventos o fizeram ser personagem de um BBB de agonia. E talvez para sustentar esse sistema bilionário de tecnologia, ele tenha negligenciado sua saúde e apressado o seu encontro com a morte. Vai saber né?

Eu confesso que não gostava de Jobs até pouco tempo atrás, pois tive que carregar um Macintosh dentro da mochila, vindo dos Estados Unidos e quando cheguei no Brasil a porcaria não funcionava direito. Tudo bem que estávamos nos idos de 1994, mas não aplacou minha decepção com a Apple e com seu criador. Mas hoje vejo que o erro não estava em Jobs. O erro estava em nós, brasileiros, que não estávamos preparados para essa tecnologia. Hoje, com conceito mudado, nutro uma relação de amor com meus produtos Apple e consequentemente, nutro um respeito profundo por quem os criou. Logicamente se valer o meu testemunho pessoal.

Jobs faleceu em Palo Alto, na mesma Califórnia onde nasceu. Foi considerado o Rei do Vale do Silício. Deixa 8,3 bilhões de dólares de patrimônio. Um arqui-rival, Bill Gates. A esposa Laurene e quatro filhos. Além disso, deixa milhões de órfãos usuários de suas traquitranas que lutaram junto com ele para tentar vencer sua doença. Foi vencido pela morte física, mas deixa um patrimônio intelectual inapagável.

    



Guilherme Augusto Santana

07/10/ 2011