sexta-feira, 21 de outubro de 2011

sexo, drogas, rock and roll e smartphone

Se tem sexta, tem crônica. Parece engraçada mas não é.




Sexo, Drogas, Rock and Roll e Smartphone





Quinta feira como outra qualquer. Um amigo manda uma DM: vamos jogar squash? DM volta: 18hs? DM reretorna: combinado. Tudo certo. Essa modernidade é dez né? Agora achar alguém para buscar as crianças na escola. De duas uma eu acho. Ou a mãe das crianças ou a minha mãe. Liga para a minha. “Posso não meu filho!”. Peço p/ outra mãe. “Posso não marido!”. Das duas, nenhuma. Pensa rápido. Se sair mais cedo e correr, consigo buscá-los e ainda chego para o jogo. Tudo planejado vamos à ação. Veste a roupa de jogar para não perder tempo e sai em disparada para a escola. Manda DM para o amigo: atraso 15 minutos. DM volta: ok. Estaciona e desce correndo. Carteira fica no porta luvas porque a roupa de jogo não tem bolso. O celular tem que ir. Chega na sala dos meninos. Corre meninada! Sai menino com mochila e uma infinidade de badulaques. Vale salientar que o dia que você está com pressa e o dia que eles fizeram oficina artesanal e tem um caminhão de coisinhas para carregar. O pai sai em disparada parecendo uma mula de carga. Vale salientar também que o dia que você esta com pressa é o dia que seu filho não está com pressa. Chega no carro. Coloca os badulaques no chão e o celular no teto do carro para colocar cinto de segurança nos meninos. Amarra cinto, enfia mochilas no porta malas e os badulaques joga por cima dos meninos. Entra no carro. Vamos embora. “Papai estou com fome!”. “Não vou agüentar chegar em casa de tanta fome!”. “Quando chegar em casa sua mãe resolve isso.” No meio do caminho escuto um barulho seco na lataria do carro. Olho para trás. “O que foi isso?”. “Isso o que papai?”. “Esse barulho!”. “Não fomos nós.”. Então tá então. Segue o cortejo. Aí, do além, manifesta-se uma mania dos maníacos por internet. Leva a mão no celular. Cadê o celular? CADÊ O CELULAR?!?!?! Para o carro. Olha em todos os cantos. Nada. Aí vem aquele capetinha e sussurra ao seu ouvido: “sabe aquele barulho seco que você escutou? Era seu celular rolando pelo teto do carro e se esborrachando no chão, Mané!”. Volta o carro. Anda a pé. Procura. Nada. Volta ao carro. Meninos chorando de fome. Deixa os meninos em casa. Pega o celular da esposa. Volta ao local do crime. Liga no celular. Está chamando! Ninguém atende. Liga de novo. Ninguém! Liga e anda pela rua. Nada. Depois da décima ligada não toca mais. Sabe aquele toquezinho de que a pessoa do outro lado está fazendo uma ligação? Pois é. Oh meu Deus a pessoa que achou o celular já está fazendo ligação para as Bahamas! (isso foi o capetinha que sussurrou). Andei mais de hora procurando o celular. Nada. Olhava para as pessoas paradas na calçada e no ponto de ônibus e todas tinham cara de que estavam com meu celular no bolso e que tinham ligado para as Bahamas. Desisto. Volto para casa desconsolado. Não quero falar com ninguém. Desolado. Estalo. Entro no iCloud e localizo o celular! Você é um gênio!!!. Ligo o PC. Localizar celular. Localizando... celular desconectado. Ou acabou a bateria (improvável), ou alguém achou o celular e desligou, ou ainda pior, um carro o matou! Hora do óbito: 19:50 do dia 20/10/2011. Morreu.





Confesso que me senti órfão. É uma sensação esquisita. Praticamente toda sua vida está ali. Seus contatos, seus email, suas músicas, suas fotos, seu twitter, seu facebook, seu tudo! A sensação de invasão de privacidade é irremediável. Diria que é quase um estupro moral. Quando começa a bater a síndrome de abstinência eletrônica, você se dá conta do pior. Sou viciado nisso. Não consigo viver sem meu smartphone. Aí é o fundo do poço. Senti-me o pior dos seres humanos. Dependente de uma máquina. Mas como tudo na vida, temos que achar o lado positivo. O bom das fatalidades é saber analisá-las e absorver ensinamentos. Até que ponto as relações humanas estão ficando distantes com a tecnologia? O que era para estreitar distâncias por muitas vezes coloca barreiras. Será que somos seres humanos melhores com esse excesso de informações que não se consolidam em conceitos? Será que temos conceitos ou somente um amontoado de pensamentos alheios? Pensava nisso tudo enquanto via o carregador de baterias do celular abandonado no canto sem ninguém para repor a vida. Quantos órfãos de pais vivos teremos que consolar por conta da tecnologia?





      De manhã ainda tive o reflexo de olhar o carregador na tomada com esperanças de vê-lo lá pronto para o uso. Vazio. A mesma iniciativa das pessoas que vão ao cemitério no dia após o sepultamento para ver se é verdade. É verdade. Segue o cortejo. Resolvi. Não vou me apressar em comprar outro. Passei a manhã toda sem celular. Que tranqüilidade. Ninguém me ligando, nem passando mensagens, nem twitter, nem face. Nada. Nunca me senti tão liberto. Alforriado. Isso que é vida. Pouco antes do almoço passei na porta da loja da operadora de celular. Síndrome de abstinência. Parei. Só para olhar. Tremi. Comprei. Afinal é um vício pequeno perto de alguns que vejo por aí. Até me orgulho um pouco desse vício. Só um pouquinho. Prometo usar com moderação.  





Guilherme Augusto Santana
Goiânia, 21de outubro de 2011

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