Nosso quem cara
pálida?
No fim dos anos noventa, estava eu a
serviço na cidade de São Paulo quando recebi um telefonema do diretor técnico
da empresa na qual trabalhava, me designando missão de representa-lo em uma
concorrência pública no Rio de Janeiro. Como não é de meu feitio recusar
serviço, ainda mais no Rio, atendi de bate pronto à convocação. Separei uma
mala de mão com um short, camiseta e chinela. Não dormiria no Rio, mas estando
tão próximo à praia não poderia deixar de molhar meus pés rachados de goiano nas
águas salgadas do mar. Trajando terno, que essas formalidades exigem, comprei a
passagem da ponte aérea e embarquei na manhã seguinte. Quando a aeronave apontava
para descer no Santos Dumont, principiou a tocar o Samba do Avião de Tom Jobim.
Acho que fazem isso de propósito para que você fique ainda mais maravilhado com
aquela cena bela. Naquele momento dei-me conta que não conhecia a cidade
maravilhosa. Havia estado no Rio, mas apenas de passagem em aeroportos. Emocionado
desci e já parti direto para o compromisso que tinha hora marcada. Cessada a
obrigação, alcancei um taxi e perguntei ao motorista qual era a praia mais
próxima. Copacabana foi a resposta. Nada mais clássico. Embarquei no taxi e
mandei seguir para a praia. No caminho pensei que passaria vergonha, pois usava
terno, notadamente inapropriado para o local para onde me destinava. Chegando a
Copacabana pude perceber meu erro. As tribos que desfilavam por seu calçadão eram
infindáveis. Ondas de turistas em todos os trajes, cores, línguas e classes
sociais. Mais a vontade corri ao banheiro público e fiz a troca de roupa
colocando o terno na mala de mão. Sentei-me na primeira barraca na beira do
calçadão, pedi uma cerveja gelada e a partir daquele momento pude observar o
porquê do Rio ser a cidade mais cantada em versos e prosas. Acordei do sonho
quando percebi que tinha de voltar a São Paulo e de imediato desfiz a troca de
roupas e parti novamente rumo ao aeroporto. Muitas coisas tinham me impressionado
no Rio. Literalmente as coisas que fascinam a todos. Mas uma em particular por
estar ligada a minha profissão e naquela época ser ícone de empresa bem
sucedida. A concorrência tinha acontecido na sede da Petrobras no centro do
Rio. O Edise, como é conhecido o edifício, era um marco da arquitetura
brasileira e espelhava, à época, um conceito de estabilidade e competência de
uma empresa que até então era o desejo de consumo daquele jovem engenheiro que participava
do certame licitatório. A cena daquele edifício, com seus belos jardins
internos, nunca saiu da minha lembrança assim como as ondas do calçadão de
Copacabana e o Cristo redentor visto da janela do avião.
Por esses dias estava assistindo o
filme “Getúlio” do diretor João Jardim, e não obstante a minha grande admiração
pela figura histórica do caudilho, chamou-me atenção o seu início quando o
então Presidente eleito narra brevemente sua histórica política e seus feitos.
Entre outros, que não são poucos, ele cita a criação da então Petróleo
Brasileiro S/A, a Petrobras. Na hora me veio à mente a imagem do edifício sede
no centro do Rio e confesso que emocionei com a lembrança. Não sei se bem pela imponência
que havia causado em um engenheiro recém-egresso da faculdade ou pela carga
dramática de um filme que retratava principalmente a crise de consciência de um
Presidente que culminou no ato cabal de seu suicídio, ou ainda um misto dos
dois. O fato é que os momentos foram se ligando e culminaram na atualidade onde
a empresa passa por uma crise de identidade sem precedentes em sua história. Fiquei
imaginando o que diria Getúlio Vargas vendo o que foi o maior orgulho dos
brasileiros se transformar na maior chacota da era republicana. Com certeza
laçaria mão de sua pistola de cabeceira e novamente alvejaria seu coração para
se livrar da vergonha. Palavra, essa vergonha, que falta aos homens públicos de
hoje. Obstante o vilipêndio vexatório, a Petrobras sobreviverá. Creio nisso. O
que não sobreviveu foi o ideal inocente daquele engenheiro recém-formado, que
por muito tempo coincidiu com o sentimento da maioria dos brasileiros de acreditar
que o petróleo era nosso. Nosso quem cara pálida?
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, 14/11/14
Nenhum comentário:
Postar um comentário