sexta-feira, 14 de novembro de 2014

nosso quem cara pálida?


Nosso quem cara pálida?

           

            No fim dos anos noventa, estava eu a serviço na cidade de São Paulo quando recebi um telefonema do diretor técnico da empresa na qual trabalhava, me designando missão de representa-lo em uma concorrência pública no Rio de Janeiro. Como não é de meu feitio recusar serviço, ainda mais no Rio, atendi de bate pronto à convocação. Separei uma mala de mão com um short, camiseta e chinela. Não dormiria no Rio, mas estando tão próximo à praia não poderia deixar de molhar meus pés rachados de goiano nas águas salgadas do mar. Trajando terno, que essas formalidades exigem, comprei a passagem da ponte aérea e embarquei na manhã seguinte. Quando a aeronave apontava para descer no Santos Dumont, principiou a tocar o Samba do Avião de Tom Jobim. Acho que fazem isso de propósito para que você fique ainda mais maravilhado com aquela cena bela. Naquele momento dei-me conta que não conhecia a cidade maravilhosa. Havia estado no Rio, mas apenas de passagem em aeroportos. Emocionado desci e já parti direto para o compromisso que tinha hora marcada. Cessada a obrigação, alcancei um taxi e perguntei ao motorista qual era a praia mais próxima. Copacabana foi a resposta. Nada mais clássico. Embarquei no taxi e mandei seguir para a praia. No caminho pensei que passaria vergonha, pois usava terno, notadamente inapropriado para o local para onde me destinava. Chegando a Copacabana pude perceber meu erro. As tribos que desfilavam por seu calçadão eram infindáveis. Ondas de turistas em todos os trajes, cores, línguas e classes sociais. Mais a vontade corri ao banheiro público e fiz a troca de roupa colocando o terno na mala de mão. Sentei-me na primeira barraca na beira do calçadão, pedi uma cerveja gelada e a partir daquele momento pude observar o porquê do Rio ser a cidade mais cantada em versos e prosas. Acordei do sonho quando percebi que tinha de voltar a São Paulo e de imediato desfiz a troca de roupas e parti novamente rumo ao aeroporto. Muitas coisas tinham me impressionado no Rio. Literalmente as coisas que fascinam a todos. Mas uma em particular por estar ligada a minha profissão e naquela época ser ícone de empresa bem sucedida. A concorrência tinha acontecido na sede da Petrobras no centro do Rio. O Edise, como é conhecido o edifício, era um marco da arquitetura brasileira e espelhava, à época, um conceito de estabilidade e competência de uma empresa que até então era o desejo de consumo daquele jovem engenheiro que participava do certame licitatório. A cena daquele edifício, com seus belos jardins internos, nunca saiu da minha lembrança assim como as ondas do calçadão de Copacabana e o Cristo redentor visto da janela do avião.

 

Por esses dias estava assistindo o filme “Getúlio” do diretor João Jardim, e não obstante a minha grande admiração pela figura histórica do caudilho, chamou-me atenção o seu início quando o então Presidente eleito narra brevemente sua histórica política e seus feitos. Entre outros, que não são poucos, ele cita a criação da então Petróleo Brasileiro S/A, a Petrobras. Na hora me veio à mente a imagem do edifício sede no centro do Rio e confesso que emocionei com a lembrança. Não sei se bem pela imponência que havia causado em um engenheiro recém-egresso da faculdade ou pela carga dramática de um filme que retratava principalmente a crise de consciência de um Presidente que culminou no ato cabal de seu suicídio, ou ainda um misto dos dois. O fato é que os momentos foram se ligando e culminaram na atualidade onde a empresa passa por uma crise de identidade sem precedentes em sua história. Fiquei imaginando o que diria Getúlio Vargas vendo o que foi o maior orgulho dos brasileiros se transformar na maior chacota da era republicana. Com certeza laçaria mão de sua pistola de cabeceira e novamente alvejaria seu coração para se livrar da vergonha. Palavra, essa vergonha, que falta aos homens públicos de hoje. Obstante o vilipêndio vexatório, a Petrobras sobreviverá. Creio nisso. O que não sobreviveu foi o ideal inocente daquele engenheiro recém-formado, que por muito tempo coincidiu com o sentimento da maioria dos brasileiros de acreditar que o petróleo era nosso. Nosso quem cara pálida?              

 

      

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, 14/11/14

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