Cri(s)e
Hoje
como de costume acordei cedo. Como de costume também fiz café da manhã para os
filhos e a esposa. O cachorro também ganhou sua porção diária de ração. Levei
menino na escola e parti para o trabalho (sem hastag). Liguei o rádio, também
como de costume, numa estação de notícias e observei o tempo cinza que pairava
sobre minha cabeça. Cinza como as notícias que inundavam os meus ouvidos e
mente. Crise na Petrobrás, crise mundial, crise financeira, crise política.
Crise no café da manhã. Nenhuma boa notícia. Nem para remédio. Cheguei ao
trabalho e enquanto o computador “aquecia” fiquei pensando na situação atual.
Na crise que se formava sobre nossas cabeças como o tempo cinza que pairava lá fora.
Eminência de caos. Todos reclamando e todos reclamados. Todos sem dinheiro e
dinheiro em falta. E de repente um desânimo se abateu sobre minha cabeça. Como
o tempo cinza que já desabava em chuva lá fora. Uma chuva de más notícias e
tragédias anunciadas. Como num reflexo fechei a tela do meu lap top e fiquei
indeciso entre tomar um copo de formicida ou comprar um estoque de barras de
cereal e água e correr para me trancar em casa. Foi nesse momento que uma luz
desceu do céu... mentira... na verdade olhei para o computador fechado e mirei
na marca estampada em letras prateadas da tampa. Na hora me veio a lembrança uma
história que tinha lido no livro “Oportunidades Disfarçadas” de Domingo Carlos.
Permitam-me dividi-la com vocês.
Um jovem japonês de nome
Kamashio encontrava-se na Europa logo após o término da segunda guerra mundial.
Isso devia ser em meados dos anos quarenta. Sua missão era vender rádios de
fabricação japonesa. Porém ele encontrava dois obstáculos pela frente.
Primeiramente, que naquela época, os produtos japoneses eram vistos pelo mundo
ocidental como de má qualidade. Segundamente que um japonês na Europa era visto
com desconfiança devido a guerra recém-finda que teve a participação do Japão
no polo “destrutivo” do continente europeu. Dois grandes obstáculos. Pensa na
situação do jovem. Mas seguindo a contenda, ele se encontrava especificamente
na cidade de Hamburgo, Alemanha e parado de frente uma loja de instrumentos
musicais, ofereceu seu produto ao comerciante da loja. O mesmo recusou dizendo
que ninguém se interessaria por um rádio japonês. O jovem vendedor não se deu
por vencido e ofereceu ao comerciante uma quantia em dinheiro para que seu
produto ficasse exposto na prateleira da loja. O comerciante, vendo
oportunidade de faturar um à vista, aceitou. Assim foi feito. Kamashio ficou
dias em frente à loja observando o entra e sai e nada de alguém se interessar
pelo seu produto. Foi quando vendo um grupo de jovens estudantes ruidosos
passar pela rua teve uma outra ideia. Chamou os estudantes e mostrou seu rádio.
Diante da novidade os jovens gostaram, porém não tinham dinheiro para comprar o
eletrônico. Foi ai que o vendedor fez uma proposta. – Dou o dinheiro e vocês
entram, um a um, naquela loja para olhar o rádio. Após escutarem e tecerem mil
elogios comprem o produto. Saquem o dinheiro que lhes dei e quitem a compra. Ao
sair da loja me devolvam o rádio e eu pago uma comissão pelo serviço prestado.
Vendo oportunidade de faturar um extra, os estudantes toparam a proposta e
assim fizeram. Um a um foram entrando na loja, pedindo para escutar o rádio,
tecendo os elogios e comprando o produto. Ao sair da loja, na esquina, devolviam
o rádio ao vendedor e recebiam seu “pagamento”. Assim o vendedor gastou todo o
dinheiro que tinha trazido consigo do Japão além dos rádios. Uns dias depois se
dirigiu o jovem vendedor japonês à loja e perguntou ao comerciante como estavam
as vendas. Foi quando, entusiasmado, o comerciante disse que surpreendentemente
a aceitação tinha sido um sucesso e que queria encomendar mais rádios. Pronto.
Estava introduzida a marca na Europa em meio à crise econômica e política pós-guerra.
Depois disso os rádios caíram no gosto dos jovens e a marca se tornou uma
potência no mundo todo. Sabem que marca era essa? A mesma que estava gravada em
letras garrafais na tela do meu lap top.
Imediatamente depois de
recordada a história, num lampejo de animo, voltei a manusear o meu computador
Sony em busca de organizar as ideias. Naquele momento fiz o propósito de não
abaixar a cabeça para a crise. Quase um juramento. Enfrentarei a “besta” de
cabeça erguida. Não quer dizer que agirei de forma temerária como se nada estivesse
acontecendo. Entendo que o tempo realmente está cinza, mas não quer dizer que o
sol tenha apagado. Ele continua lá a brilhar apesar de tanta barbaridade
(Cazuza). Vou continuar fazendo a minha parte. Trabalhando, produzindo, pensando,
educando meus filhos e criando. Uma hora a tormenta há de passar. E finda a
tempestade o sol nascerá (Cartola).
Guilherme
Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 27 de março de
2015