sexta-feira, 20 de março de 2015

o líder


O Líder

 

Numa das muitas cidades do interior do Brasil, nem capital, nem currutela se passou o fato narrado a seguir. Como em grande parte do país, inconsolados e revoltados com os recentes escândalos de corrupção aliados a volta sorrateira e camuflada da inflação, cresceram os intentos de organizar uma manifestação. Não é porque não somos cidade grande que não temos o direito e o dever de protestar. Bradou o líder dos produtores rurais na reunião que se iniciava com as cabeças pensantes do município. Concordo com o senhor e digo que temos que fazer muito barulho para sermos escutados em Brasília. Corroborou o chefe da resenha dos funcionários públicos. Seguiu-se então uma avalanche de apartes, colóquios, observações e opiniões entusiastas que fariam qualquer patriótico encher os olhos d´água. Terminada assim a reunião com todos de mãos dadas cantando o hino nacional, marcaram o manifesto para coincidir com os demais espalhados pelo país. Nesse interim, cada um corria para um lado. Arruma carro de som, manda fazer bandeiras, panfletagem, convoca as pessoas, pede donativo para o lanche e demais preparatórios para a grande manifestação. Não podemos fazer feio diante da nação. Cochichou o Prefeito ao pé do ouvido do secretário da horta comunitária. A discórdia começaria aí, pois o chefe do poder executivo municipal, vulgo Seu Zé do Açougue, era de partido da base do governo federal, portanto podia participar da manifestação mas de maneira extra oficiosa. Sabe assim por baixo dos panos? Mais ou menos isso. O pessoal da oposição achou o cavalo arriado na porteira porque poderia capitalizar politicamente e ainda alfinetar o Prefeito por estar “omisso” à vontade popular. O pessoal da prefeitura estava dividido. Os que “gostavam” do Prefeito não sabiam se apoiavam o movimento fingindo não apoiar ou não apoiavam fingindo apoiar. Já os desafetos do Prefeito, ao contrario, não sabiam se não apoiavam fingindo apoiar ou apoiavam fingindo não apoiar. E havia aqueles que preferiam assistir o Caldeirão do Huck que ia dar no mesmo horário. Sei que no dia do fatídico protesto estava lá metade da população do município que apoiava o movimento e a outra metade que fingia. Todos juntos esperando o início do movimento. No carro de som se acotovelavam as autoridades, lideranças e os papagaios de pirata. Todo mundo querendo capitalizar. Todo mundo não se entendendo. Decidiram então pedir calma a turba popular que já se formava por falta do lanche prometido e definir as regras do protesto. Primeiramente fizeram um toró de ideias (brainstorming) para eleger a motivação. O que vamos pedir. Seguiu a avalanche. Impeachment da Presidenta. Alguém lembrou quem era o vice. Melhor não. Tira da pauta. Volta do regime militar. Alguém lembrou o pau de arara. Gosto não. Tira da pauta. Aumento dos salários dos funcionários do município. Alguém (no caso o Prefeito) lembrou que não tinha nada a ver com a contenda. Melhor não. Tira da pauta. Depois de muito põe e tira da pauta, restaram a paz e o fim da corrupção. Coisa bem objetiva. Escolhido o motivo partiram para eleger um líder. Senão vira bagunça. Aí que o caldo entornou. O Prefeito não podia ser porque estava fingindo apoiar e a oposição não aceitaria. Melhor não colocar nenhum político. Eliminou um tanto. O líder dos produtores rurais requisitou o cargo mas foi rechaçado por estar respondendo processo. Deu uns sopapos na mulher. Decidiram então que só podia se candidatar os fichas limpa. O padre então, com um sorrisinho de canto de boca, avocou o cargo. Melhor não porque o Estado é laico e os evangélicos não iam gostar nada disso. Logicamente que Dona Euclidina, professora da escola, teve de explicar para a maioria o que significava a palavra “laico”. Aproveitando a explicação catedrática, a professora pensou que seria a melhor opção, mas logo lembraram que ela era funcionária fantasma da Câmara dos Vereadores e Professora do Estado, o que, via de regra, não era muito católico. E ficou esse candidata e descandidata por um tempo. Enquanto isso Seu Antônio Padeiro fez o favor de ceder uns pães à população que esperava para satisfazer a fome do corpo. Dona Maria Antonieta, proprietária da pensão, comeu brioche. Depois de muito discutir, resolveram que ninguém daquele pequeno grupo tinha reputação ilibada suficiente para liderar o movimento. Resolveram então angariar a liderança no meio da população que esperava pelo manifesto. Juca Pijama, o locutor da rádio comunitária, foi ao microfone do carro de som e com tom locutório explicou o intento à população. Vamos portanto, escolher um líder para nosso movimento. Por favor, fiquem todos do lado direito do carro de som. Assim obedeceram. Pois vamos começar a quadrilha... quer dizer a seleção. Por favor, quem tem problemas com a justiça ou responda processo por delitos por favor se dirija para a esquerda do carro de som. Roubo de galinha vale? Perguntou Tião Galinha. Qualquer delito. Precisamos de um líder ficha limpa. Seguindo a ordem um tanto de gente trocou de lado. Quase metade. Pois continuemos. Quem sonega imposto, tem emprego fantasma ou emprego arrumado por algum político favor vir para o lado esquerdo também. Mais um tanto de gente deslocou para o outro lado incluindo a professora Dona Euclidina. Foi raleando os do lado direito. Então vamos. Quem estaciona em local proibido, em vaga de idoso só para ir rapidinho na farmácia e em fila dupla para buscar o filho na escola, por favor à esquerda. Quase todas as mães se deslocaram. Menos gente ainda foi restando. Agora quem torce pelo Corinthians favor deixar a passeata. Ouviram-se vaias e o locutor que era palmeirense desistiu do critério de seleção. Continuemos. Quem possui carteira de estudante adquirida do Zezinho Mão Leve, faz download de filme não autorizado e compra DVD pirata favor se juntar a maioria do lado esquerdo. E nessa ladainha foram todos mudando de lado e restando bem poucas opções para o desespero de todos. Foi nessa toada até restar uma só viva alma (até porque os mortos não entraram na escolha por motivos de erro material). Uma senhora. Estava ali sozinha igual aroeira em lavoura de soja. Tinham achado seu líder. Melhor ainda que fosse uma mulher porque igualava com o gênero da Presidenta. O locutor que era míope fez força para enxergar quem era e precisou do Chiquinho Coroinha soprar ao seu ouvido. É Dona Corru. Corruélia do Espírito Santo era seu nome. Pela dificuldade de pronúncia tinha ficado a abreviação Corru. Assim era conhecida. O locutor gritou ao microfone. Dona Corru aceitas ser nossa líder? Nenhuma manifestação. Repetiu a pergunta. Nada. Foi aí que o mesmo Chiquinho lembrou a todos que Dona Corru era meio surda. Então vai lá menino perguntar a ela se aceita o cargo! Chiquinho desceu e travou com a senhora uma batalha de sinais para explicar a celeuma, visto que Dona Corru tinha ido ao protesto por conta do lanche que seria servido. Inclusive reclamou que a manteiga servida pelo Antônio Padeiro estava rançosa. Capaz que ele quis fazer desova de estoque e por isso ofereceu de graça. Depois do desabafo o menino de recado voltou correndo ao carro de som para transmitir a resposta da Dona. Olha, aceitar ela até aceita, mas pediu que se puder assinar a carteira de trabalho só daqui três meses ela agradece. Esta recebendo o seguro desemprego. Ah e tem outra coisa. Ela quer colocar a filha como secretária e quer manteiga ao invés de margarina no seu pão do lanche. Foi um desacoçoamento geral. Um balde de água fria nos ânimos. Seria realmente Dona Corru a opção? Mas naquela altura do campeonato não tinham como recuar. O que não tinha remédio, remediado estava.

           

- Corru é a opção!

 

A população gritou vivas seguido de uma salva de foguetes e seguiram com o cortejo... quer dizer com o protesto.

 

 

* Usei as cores do Brasil para pintar a cara e pedir o impeachment do Presidente Collor e tenho o maior orgulho desse fato. Nada mais democrático que a manifestação popular. Contra ou a favor de algo ou alguém. Todo movimento democrático é válido desde que seja isento de violência e intolerância, mas acredito que o principal movimento de mudança tem que ser o interno. Dentro de cada cidadão. Quando entendermos o que é realmente cidadania teremos governantes à nossa altura. Os líderes simplesmente refletem seus liderados.               

 

           

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 20 de março de 2015

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