sexta-feira, 8 de maio de 2015

Du Queiroz Du Anzóis


Du Queiroz Du Anzóis

 

            Eduardo Queiroz, Du Queiroz para os íntimos, era contabilista. Orgulho só da formação. O pai queria que ele tivesse feito Direito. A mãe que ele continuasse tocando oboé. Resolveu diferenciar. Contabilidade foi o que resultou. Já saiu da faculdade empregado. Uma grande empresa de construção, entre as cinco maiores do país, tinha o privilégio de tê-lo em seus quadros. Pelo menos era assim que pensava. Autoestima era seu forte. Digamos que se gabava um pouco em excesso disso. Aliás, se gabava de um bocado de coisa. De como não tinha ficado nenhum dia desempregado. De como trabalhava em uma grande empresa. De como tinha todos os benefícios trabalhistas previsto em lei. De como tinha bônus por produtividade no fim do ano. De como tinha um bom relacionamento com seus colegas de trabalho. De como tinha uma noiva paciente que namorava há 12 anos. Mas principalmente de como era exímio pescador. Ah nisso ele subia no banquinho e entoava estórias fascinantemente suspeitas de suas peripécias piscosas como se interpretasse uma ópera. Tenor. O pessoal do lava jato da esquina do seu trabalho era o público preferencial. Chegava a ficar horas a fio desfiando o rosário de tambaquis, pacus, caranhas e piranhas (de salto inclusive) que faziam parte do seu currículo. E em seu redor se formava uma roda dos funcionários a escutar as prosopopeias contadas com tanta riqueza de detalhes. O dono do lava jato, Seu Vacaro, por vezes ficava irritado e tentava fazer a dispersão, mas o fazia de forma sutil, pois não queria perder o freguês. Era conhecido no estabelecimento como Du Anzóis, um apelido bem humorado colocado pelo gerente do lava jato que era o chefe da resenha. E Eduardo se gabava disso também. De ter um apelido tão ligado a sua pessoa. Gabava-se também do veículo que tinha comprado com os tais bônus de fim de ano. Era completo. Air bag, ABS, ar condicionado e tudo. Tinha postergado seu casamento com Rita por conta da aquisição do carro. E das pescarias que fazia com os amigos todo ano. Sabe como é né? Não sobra dinheiro para o casório. Mas a noiva era paciente e mantinha o Santo Antônio em cima da geladeira para tentar antecipar o evento. Se bem que por vezes ela achava que pinguim é que ficava em cima da geladeira e talvez o santo não estivesse gostando do local de sua estada e tivesse dando uma gelada na noiva. Mas por via das dúvidas ficava por ali mesmo até que subisse ao altar. Uma das coisas que Du mais se gabava, fora a pescaria, era de ser um funcionário exemplar. Não me meto onde não sou chamado, dizia sempre na pausa para o café. Fazia o seu trabalho e pronto. Não questionava nada. O chefe mandava assinar os documentos e ele obedecia de pronto. Nem se preocupava em ler, afinal esses documentos de contabilidade são muito chatos e repetitivos. Foi assim com esse tom de galhardia que entrou na sala do diretor da empresa, logo na primeira hora da manhã, após ser convocado para uma conversa. Provavelmente receberia um elogio, ou até quem sabe um aumento. Autoestima pura. Pois não foi assim que saiu do escritório do chefe com dois papeis assinados. O aviso prévio e uma convocação do oficial de justiça para prestar esclarecimentos sobre uma tal operação policial. A empresa em que trabalhava estava sendo investigada pela Polícia Federal por corrupção. Lavagem de dinheiro. Logo aquela empresa que lhe garantia todos os benefícios trabalhistas. Os de lei e os de mérito. Ele custou a acreditar. O que diria para Rita? O que diria aos amigos? Como pagaria as dez prestações restantes da pescaria do ano anterior que foi dividida no cartão de crédito? Desceu as escadas do prédio macambúzio remoendo seus pensamentos e nem percebeu a entrada de agentes da PF no escritório. Apreenderam tudo. Até a máquina de café. Até o porta retrato com a foto da Rita e do Pirarucu de cinquenta quilos que estava sobre a sua mesa. Até a sua dignidade. Entrou no lava jato cabisbaixo. Sem chamar a galera para a resenha habitual. Todos estranharam. Esperavam pelo momento das estórias. O dono do lava jato se preocupou. Inquiriu. Ele contou. Seu Vacaro se assustou. Mas essa empresa? Pois é. Mas você? Pois é. Compadecido com a situação do contabilista o dono do lava jato disse que se quisesse tinha emprego para ele ali no estabelecimento. Não na gerência como a capacidade e formação de Eduardo. Nem com os direitos trabalhistas todos, porque assinava só metade da carteira trabalhista e o resto era pago por fora. Nem com os bônus de final de ano. Mas tinha. E era o que podia oferecer. Com um sorriso amarelo na boca Du Queiroz agradeceu e disse que aceitava. Precisava. Começaria no outro dia. Primeiro daria a notícia a noiva e tentaria colocar os pensamentos em ordem. Logo ao raiar o sol já havia se apresentado no novo emprego. Lavador de carro. Logo no café e pão com margarina dos funcionários do lava jato já começou a se formar a roda para escutar as estórias. Mas dessa vez Seu Vacaro dispersou a turba e mandou todos voltarem ao trabalho. Aqui é lava jato, mas não é atrapalhado igual vocês estão achando não! E volte ao trabalho Seu Du Anzóis que meu dinheiro não é capim! E assim todos voltaram as atividades como de costume. E assim começava o primeiro dia de Eduardo no seu novo trabalho. Sorriso na cara e autoestima estampada nos dentes. Afinal ele era brasileiro, e brasileiro não desiste nunca.   

      

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 08 de maio de 2015

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