Não é meu!
Zé Coalho era o nome de
guerra. Tinha adquirido a alcunha pelo ofício. Fabricante de queijos do
Município de Cunhalândia no interior do Estado de Minas Gerais. Era o único a
se ocupar do importante labor. Passava todos os dias nas fazendas recolhendo o
leite e na volta vendendo o queijo. De tão conhecido resolveu um dia se
candidatar a vaga de vereador. Diziam para ele que pessoa boa tinha que
defender o povo. E ele era pessoa boa. Muitas vezes fazia queijo fiado quando
via a dificuldade de um ou outro. Sua esposa Maria do Zé do Coalho não gostou
muito da ideia do ingresso na politica. Dizia que esse assunto era para gente
letrada, e seu marido assinava documentos com o dedo polegar. Não tinha nem
conta bancário o pobre coitado de vergonha de ter que manchar o dedo na
almofada azul. Mas nada desencutia da cabeça do Zé a possibilidade da
candidatura. Precisava defender o povo do seu município. E assim foi feito.
Candidatou e ganhou. Ascendência meteórica. Caiu nas graças do Prefeito e logo
se tornou líder do governo na Câmara. Dai para Presidência da casa foi um pulo.
Agora Zé do Coalho sentava na cadeira da cabeceira. Zé do Coalho não! Senhor
Presidente da Câmara Municipal de Cunhalândia José da Silva. Mas nada adiantava
esconder a alcunha. Todos o conheciam pelo apelido. E assim ia. Certo dia
surgiu um boato. Uma conta bancaria de Zé Coalho na capital. Com um depósito
vultoso. Logo se espalhou pela cidade. Igual rastilho de pólvora. Certeza que
virou aglomeração de gente na frente da Câmara dos Vereadores. Um diz que me
diz de gente querendo explicação. Gente acusando: “Como pode um vereador que
veio do povo estar envolvido nesse tipo de irregularidade?”. Gente defendendo: “Pode
ser engano”. Todos aguardando o pronunciamento do Senhor Presidente. Surgiu
outro boato. O dinheiro depositado na conta na capital era propina de
empreiteira que tinha feito a reforma na praça central. E que reforminha mais
meia boca viu?!! Aí a confusão estava formada. Uma revolta só. Zé do Coalho
tido como cidadão respeitado e honesto envolvido em corrupção?! A turba foi
ficando histérica e já tinha empurra empurra quando o acusado saiu pela porta
da frente e improvisou uma fala à multidão. Negou veementemente que tivesse
conta em banco na capital e principalmente que tivesse recebido propina de
empreiteiro que fosse. Aplausos foram ouvidos timidamente. Vaias em maior
quantidade. Manoel do banco gritou indignado: “sou gerente do banco aqui do
município há trinta anos e nunca abriu uma conta conosco. Agora abre uma na
capital? Isso é muita trairagem!” Mas Zé do Coalho defendia a postura de que
tudo não passava de intriga da oposição. Foi quando Maria do Socorro, irmã da
esposa de Zé, veio em seu socorro: “você não está se lembrando Zé? Essa conta
foi aberta na capital para pagar o tratamento da minha irmã.”. Nesse momento o
acusado teve que admitir. Realmente havia uma conta em seu nome na capital. Mas
tinha sido por um motivo justo. Sua esposa foi acometida de câncer e só havia
tratamento na capital. Usou suas economias para custear as despesas. Fazia
transferências para o hospital daquela conta aberta. Disse isso à multidão que
estava se enfurecendo com os desencontros de informação. Admitiu o engano.
Tinha realmente uma conta na capital. Tudo para salvar a esposa enferma. Zé
chorou. A multidão chorou. A oposição não: “E o dinheiro depositado na conta?”.
Soma considerável para o salário de vereador. Esse não estava explicado. Zé alegou
que não era dele. Que tinha vida condizente com seu salário. Nada além disso.
Muita gente assentiu daquela informação. Mas tem um dinheiro nessa conta.
Precisava esclarecimento. Se não é do Zé então de quem seria? Quem teria
depositado? Seria armação da oposição? Zé jurava tanto que aquele dinheiro não
lhe pertencia que prometeu dividir a soma com a população do município. Ouviram-se
muitas palmas e um coro de “Zé” “Zé” Zé”. Mas não era esse o caso. “Então vamos
montar uma comissão para averiguações na capital”. Sugeriu um outro vereador.
Boa ideia. Comissão foi sendo montada. Vai o Prefeito, Padre, Vice Presidente
da Câmara, representante da oposição, Seu Antônio Ancião, Dona Maricota da rádio
comunitária. E foi crescendo a quantidade de gente. Quando é fé metade da
cidade compunha a comissão de esclarecimentos. E quem pagaria a conta do
deslocamento? A prefeitura é claro! CPI do Zé. As mulheres correram em casa
para preparar as marmitas de farofa de frango para a viagem. A distância não
era grande mas tinha a tradição da parada para a farofa. Subiram todos no
ônibus escolar para seguir para capital. Nesse dia não haveria aula porque não
haveria ônibus escolar. Nem expediente na prefeitura porque não haveria
Prefeito. Nem na Câmara porque nem vereador tinha. Feriado municipal foi
decretado. E todos partiram rumo a capital. Chegando à porta do banco da
capital aquela quantidade de gente, a população achou que era manifestação. E
logo se formou aglomeração. Entraram todos no banco e logo se dirigiram ao
gerente. Todo mundo era autoridade ali. Exigiam explicações. O gerente ainda
tonto com aquela situação correu para a sala das gravações. Talvez conseguisse
identificar o depositante da quantia pelos vídeos de segurança. Todo mundo
seguiu para a sala apertada. Ninguém queria perder. E o Zé confiante que seu
nome seria limpo daquela acusação infame. E não é que conseguiram identificar
uma pessoa! Um senhor de barba farta e casaco. Uma coisa estranha para aquele
calor dos trópicos. Mas o ângulo era muito ruim. Não dava para identificar mais
detalhes. De qualquer forma não parecia ninguém da cidade. E com isso o acusado
já gritava em bom e alto som: “Eu falei que não era meu esse dinheiro! Deve ser
gente da oposição!”. O representante da oposição iniciou um bate boca que logo
foi esfriado por outra ideia. “Vamos procurar nas fichas de depósito a
identificação do senhor de barba e casaco. Com essa soma de depósito é norma do
banco que haja identificação do depositante.”. Correram para o saguão do banco
que há essa hora já estava aquela confusão de gente. Pega o livro de registro.
Abre na página do dia. Eis que estava escrito lá o nome do meliante. O Zé já
gritou para o Juiz da cidade que estava presente na comitiva: “manda prender Seu
Juiz! Olha aí o safado que quer me denegrir”. O Juiz logo rebate: Então me diga
logo no nome dele que já emito mandado de prisão.”. O gerente do banco leu o
nome do cidadão em voz alta: “Santa Claus”. Era o que estava escrito. Nisso uma
senhora do caixa gritou de lá: “Ah me lembro desse senhor que fez o depósito!
Ele desceu num treno com umas renas!”. Eis que Zé não titubeou: “ então manda
prender essa renas também Seu Juiz! Devem ser comparsas. Eu não disse que esse
dinheiro não era meu?!”
* essa é uma estória de
ficção
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 09 de outubro de 2015
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