sexta-feira, 9 de outubro de 2015

não é meu!


Não é meu!

 

           

Zé Coalho era o nome de guerra. Tinha adquirido a alcunha pelo ofício. Fabricante de queijos do Município de Cunhalândia no interior do Estado de Minas Gerais. Era o único a se ocupar do importante labor. Passava todos os dias nas fazendas recolhendo o leite e na volta vendendo o queijo. De tão conhecido resolveu um dia se candidatar a vaga de vereador. Diziam para ele que pessoa boa tinha que defender o povo. E ele era pessoa boa. Muitas vezes fazia queijo fiado quando via a dificuldade de um ou outro. Sua esposa Maria do Zé do Coalho não gostou muito da ideia do ingresso na politica. Dizia que esse assunto era para gente letrada, e seu marido assinava documentos com o dedo polegar. Não tinha nem conta bancário o pobre coitado de vergonha de ter que manchar o dedo na almofada azul. Mas nada desencutia da cabeça do Zé a possibilidade da candidatura. Precisava defender o povo do seu município. E assim foi feito. Candidatou e ganhou. Ascendência meteórica. Caiu nas graças do Prefeito e logo se tornou líder do governo na Câmara. Dai para Presidência da casa foi um pulo. Agora Zé do Coalho sentava na cadeira da cabeceira. Zé do Coalho não! Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cunhalândia José da Silva. Mas nada adiantava esconder a alcunha. Todos o conheciam pelo apelido. E assim ia. Certo dia surgiu um boato. Uma conta bancaria de Zé Coalho na capital. Com um depósito vultoso. Logo se espalhou pela cidade. Igual rastilho de pólvora. Certeza que virou aglomeração de gente na frente da Câmara dos Vereadores. Um diz que me diz de gente querendo explicação. Gente acusando: “Como pode um vereador que veio do povo estar envolvido nesse tipo de irregularidade?”. Gente defendendo: “Pode ser engano”. Todos aguardando o pronunciamento do Senhor Presidente. Surgiu outro boato. O dinheiro depositado na conta na capital era propina de empreiteira que tinha feito a reforma na praça central. E que reforminha mais meia boca viu?!! Aí a confusão estava formada. Uma revolta só. Zé do Coalho tido como cidadão respeitado e honesto envolvido em corrupção?! A turba foi ficando histérica e já tinha empurra empurra quando o acusado saiu pela porta da frente e improvisou uma fala à multidão. Negou veementemente que tivesse conta em banco na capital e principalmente que tivesse recebido propina de empreiteiro que fosse. Aplausos foram ouvidos timidamente. Vaias em maior quantidade. Manoel do banco gritou indignado: “sou gerente do banco aqui do município há trinta anos e nunca abriu uma conta conosco. Agora abre uma na capital? Isso é muita trairagem!” Mas Zé do Coalho defendia a postura de que tudo não passava de intriga da oposição. Foi quando Maria do Socorro, irmã da esposa de Zé, veio em seu socorro: “você não está se lembrando Zé? Essa conta foi aberta na capital para pagar o tratamento da minha irmã.”. Nesse momento o acusado teve que admitir. Realmente havia uma conta em seu nome na capital. Mas tinha sido por um motivo justo. Sua esposa foi acometida de câncer e só havia tratamento na capital. Usou suas economias para custear as despesas. Fazia transferências para o hospital daquela conta aberta. Disse isso à multidão que estava se enfurecendo com os desencontros de informação. Admitiu o engano. Tinha realmente uma conta na capital. Tudo para salvar a esposa enferma. Zé chorou. A multidão chorou. A oposição não: “E o dinheiro depositado na conta?”. Soma considerável para o salário de vereador. Esse não estava explicado. Zé alegou que não era dele. Que tinha vida condizente com seu salário. Nada além disso. Muita gente assentiu daquela informação. Mas tem um dinheiro nessa conta. Precisava esclarecimento. Se não é do Zé então de quem seria? Quem teria depositado? Seria armação da oposição? Zé jurava tanto que aquele dinheiro não lhe pertencia que prometeu dividir a soma com a população do município. Ouviram-se muitas palmas e um coro de “Zé” “Zé” Zé”. Mas não era esse o caso. “Então vamos montar uma comissão para averiguações na capital”. Sugeriu um outro vereador. Boa ideia. Comissão foi sendo montada. Vai o Prefeito, Padre, Vice Presidente da Câmara, representante da oposição, Seu Antônio Ancião, Dona Maricota da rádio comunitária. E foi crescendo a quantidade de gente. Quando é fé metade da cidade compunha a comissão de esclarecimentos. E quem pagaria a conta do deslocamento? A prefeitura é claro! CPI do Zé. As mulheres correram em casa para preparar as marmitas de farofa de frango para a viagem. A distância não era grande mas tinha a tradição da parada para a farofa. Subiram todos no ônibus escolar para seguir para capital. Nesse dia não haveria aula porque não haveria ônibus escolar. Nem expediente na prefeitura porque não haveria Prefeito. Nem na Câmara porque nem vereador tinha. Feriado municipal foi decretado. E todos partiram rumo a capital. Chegando à porta do banco da capital aquela quantidade de gente, a população achou que era manifestação. E logo se formou aglomeração. Entraram todos no banco e logo se dirigiram ao gerente. Todo mundo era autoridade ali. Exigiam explicações. O gerente ainda tonto com aquela situação correu para a sala das gravações. Talvez conseguisse identificar o depositante da quantia pelos vídeos de segurança. Todo mundo seguiu para a sala apertada. Ninguém queria perder. E o Zé confiante que seu nome seria limpo daquela acusação infame. E não é que conseguiram identificar uma pessoa! Um senhor de barba farta e casaco. Uma coisa estranha para aquele calor dos trópicos. Mas o ângulo era muito ruim. Não dava para identificar mais detalhes. De qualquer forma não parecia ninguém da cidade. E com isso o acusado já gritava em bom e alto som: “Eu falei que não era meu esse dinheiro! Deve ser gente da oposição!”. O representante da oposição iniciou um bate boca que logo foi esfriado por outra ideia. “Vamos procurar nas fichas de depósito a identificação do senhor de barba e casaco. Com essa soma de depósito é norma do banco que haja identificação do depositante.”. Correram para o saguão do banco que há essa hora já estava aquela confusão de gente. Pega o livro de registro. Abre na página do dia. Eis que estava escrito lá o nome do meliante. O Zé já gritou para o Juiz da cidade que estava presente na comitiva: “manda prender Seu Juiz! Olha aí o safado que quer me denegrir”. O Juiz logo rebate: Então me diga logo no nome dele que já emito mandado de prisão.”. O gerente do banco leu o nome do cidadão em voz alta: “Santa Claus”. Era o que estava escrito. Nisso uma senhora do caixa gritou de lá: “Ah me lembro desse senhor que fez o depósito! Ele desceu num treno com umas renas!”. Eis que Zé não titubeou: “ então manda prender essa renas também Seu Juiz! Devem ser comparsas. Eu não disse que esse dinheiro não era meu?!” 

           

 

 

* essa é uma estória de ficção

 

    

   

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 09 de outubro de 2015

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