Pedido
de Natal
A
família Queiroz era tipicamente brasileira. Descendente duma miscelânea que
envolve portugueses, italianos, africanos, índios e um toque do oriente. Se
pegar a árvore genealógica mais parece um ninho de guacho. Todos falam ao mesmo
tempo e a reunião familiar é sempre cercada de surpresas. Tinham uma tradição
muito forte no calendário de eventos familiar: o Natal. Sempre foi assim. O
evento esperado do ano. Seu Filomeno, patriarca da família, era louco com as
festas natalinas. Dona Cotinha, a matriarca, fazia aniversário no dia 25 de
dezembro então sempre faziam duas festas em uma. E assim foram criados os
filhos. Filomeno Filho, o Filozinho, Florêncio, Vanildes e Shirley Maria. Essa
última em homenagem a atriz Shirley Temple de quem a mãe era fã incondicional. Cada
filho com seu cônjuge foram se ajeitando. E uns até com dois cônjuges,
logicamente que não ao mesmo tempo. Cada um com seus filhos e até netos. Tudo
isso perfazendo um total de mais de quarenta pessoas diretos e agregados. Tudo
junto e misturado. Infelizmente uma doença coronária levou Seu Filó para os
braços do Senhor e Dona Cotinha foi de embrulho por não aguentar a tristeza de
viver sem o marido. Coisa de dedicação de uma vida. A família se abateu. A
família quase morreu. Mas não podia. Tinham que renascer apesar da dor. Tinham.
Pois estavam no primeiro Natal pós-perda. Oportunidade de retomar a vida. Chegaram
a cogitar em reunião de família abortar a comemoração, mas decidiram manter a
tradição. Seria em homenagem aos patriarcas. Homenagem justa. Pois organizaram.
E a noite chegou. Aquela coisa de Natal. Cheiros de quitutes assando no ar.
Presentes mil embaixo da árvore grande na sala. Adultos, adolescentes, crianças
e recém-nascidos as voltas com o espírito natalino. Uma profusão de cores,
sabores e rumores. Tudo junto e misturado. Pois não há de ver que tinham a
tradição da entrega de presentes pelo Papai Noel. Era feiro por seu Filó, mas
com o tempo foi substituído pelo filho mais velho o Filozinho. Tradição que
passa de pai para filho. Desta feita Filozinho resolveu alugar uma roupa de Papai
Noel. Com barba e tudo. Seria mais interessante para as crianças. Combinou com
os irmãos, cônjuges e ex-cônjuges o que cada um iria ganhar para dar mais
veracidade à boa farsa montada. Pois na hora combinada chegou o Papai Noel com
o saco nas costas. Só alguns presentes porque não cabia tudo no saco. Foi
aquela algazarra. Emoção só. As crianças boquiabertas, os adolescentes
reclamando de pagar mico e os recém-nascidos chorando perante aquele homem todo
vestido para neve em pleno trópico. Sei que a ideia foi um sucesso. Cada um,
aos poucos, foi entrando na brincadeira e pedindo seu presente, que era
solicitamente atendido pelo bom velhinho. E assim foi transcorrendo a noite com
o farfalhar dos papeis sendo rasgados e a renovação entrando de vez na família
Queiroz. Assim é a vida. Um eterno recomeço. Pois sobrou por último, no seu
pedido ao Papai Noel, o segundo filho mais velho. Florêncio estava visivelmente
emocionado. De todos os irmãos era o que tinha mais sentido a morte dos pais.
Pois estava ele parado ali diante do Irmão Noel tentando dizer o que queria de
presente de Natal. Não conseguia seguir com o combinado. Estava congelado.
Chorava. Sucumbia à emoção. Os irmãos começaram a se preocupar e aos poucos
buscaram incentiva-lo a dizer qual presente queria para evitar constrangimentos
e atropelos na noite que se mostrava maravilhosa. Mas nada fazia o cidadão
dizer o que queria. Até que o “Papai Noel” se cercou de todo afeto e disse ao
irmão que se não conseguisse falar que poderia escrever numa cartinha o seu
desejo de presente. Logicamente que o fantasiado já estava deveras preocupado
porque já intuía que não conseguiria atender ao irmão por já perceber que o
combinado já tinha ruído. Mas estava mais preocupado com irmão e incentivou a
fala mesmo que não pudesse cumprir seu desejo. E assim os outros adultos foram
percebendo as intenções de Filozinho e iniciaram ajudar na improvisação da
encenação. Com os olhos cobertos de lágrimas, Florêncio conseguiu escrever numa
folha de papel o seu desejo tão emocionado. Entregou o bilhete ao irmão que leu
e imediatamente fez rolar uma lágrima na face do Papai Noel. E um a um os
irmãos foram chegando e lendo aquele bilhete e as lágrimas tomaram conta de
todos. E uns abraçando aos outros num demonstração explícita que todos ali
desejavam a mesma coisa. Foi uma emoção nuca experimentada pela família.
Aqueles adultos abraçados no centro da sala em prantos e as crianças e
adolescentes atônitos sem entender o que estava ocorrendo. Foi quando o bilhete
caiu da mão de um dos adultos e repousou manso no chão. Mais que depressa
Filozinho Neto foi ao encontro do pedaço de papel para poder entender o
fenômeno que ocorria. Pegou o mesmo e leu para os que estavam de fora do abraço
coletivo. Estava escrito em letras trêmulas por conta da emoção:
“Meu desejo de Natal é
conseguir emitir e pagar a guia do imposto simples da minha empregada doméstica
no site do e-social”
Esses adultos são mesmo
uns doidos disse Filozinho Neto e com a concordância dos demais menores foram
atacar o peru de Natal que já estava esfriando na mesa da ceia.
Guilherme
Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 06 de novembro de
2015