Roman e Juliene
Roman era polonês mas
morava em Paris faziam mais de dez anos. Era policial e tinha muito orgulho de
ter se tornado cidadão francês e ter o ofício de proteger um povo que o
acolhera com tanto carinho. Desde que se mudara para a cidade luz não tinha arrumado
sequer uma namorada. Dedicava todo seu tempo a profissão. Era do setor de
inteligência antiterrorismo. Ajudava a monitorar as possíveis ameaças contra o
solo francês. Numa dessas incursões eletrônicas em busca de indícios de
ataques, entrou em um chat de conversas e acabou conhecendo Juliene. Ela era
italiana de Verona mas morava em Amsterdã. Estudava literatura inglesa de
Shakespeare e tinha fascinação por conhecer Paris. Trocaram muitos cliques e
acabaram se apaixonando. Amores possíveis em tempo de internet. Combinaram de
se conhecerem em Paris. Ele fazia questão de mostrar a namorada a cidade que
tanto conhecia e que a moça desejava estar desde sempre. O amor era realmente lindo.
Roman se preparou para o encontro. Pediu ao chefe uma dias de folga pois queria
dedicar todo tempo a amada e foi busca-la no aeroporto levando um buque de
rosas. Queria impressionar. O momento em que se viram pareceu que o tempo
parou. Uma concessão Divina para aqueles olhares de cumplicidade. Se amaram de
começo. Se amaram de fato. Se amaram. Três dias sem sair do quarto. Quando
haviam matado a saudade de nunca terem se encontrado saíram para viver Paris.
Agora podiam andar pela cidade de mãos dadas. Juliene era uma italiana
anarquista. Vivia em uma das cidades mais libertárias da Europa. Escolhera literatura
pois entendia ser uma profissão romântica e sem amarras. Era assim. Pássaro
livre. Roman o contrário. Polonês cheio de regras. Criado por pais comunistas e
disciplinadores. Era metódico e visceral. Escolhera a polícia pela ordem e
disciplina. Era assim. Pássaro preso. Mas o amor unificava tudo. Fazia das diferenças
igualdade. Pelo menos até aparecerem as primeiras desavenças. Isso começou a
ocorrer quando ele comprou ingressos para assistirem um jogo da Seleção
Francesa. Amistoso no Estádio da final da Copa de 98. Comprou porque achou que
iria impressionar a namorada. Enganou-se. Juliene amava a França mas odiava
futebol. Entendia como pão e circo para o povo dos tempos de seu compatriota
Cézar. Um alienador de opiniões. Teceu uma hora de comentários na cabeça de
Roman sobre as teorias libertárias e anarquistas. Tudo se resumia ao ninguém é
de ninguém. Frontalmente contra o que ele pensava. E para piorar a situação,
ela disse que iria a um show de rock em uma famosa casa de shows com um amigo
espanhol que conhecera pela internet. Mas ela não se opunha a que ele fosse ao
jogo. Cada um com suas vontades. Aquilo para Roman era uma facada. Tudo que ele
mais abominava. Com o pouco de sanidade que lhe restou após a discussão, saiu
em direção ao estádio para assistir ao jogo. Não prestou atenção em nada que
ocorria pelo caminho. Estava desapontado. Chegou até a porta do local do jogo e
ficou parado olhando aquele colosso de aço e concreto. Os olhos marejados e
cegos de amor e ódio. Não conseguiu entrar. Virou-se e pegou o rumo da casa de
shows onde estaria a namorada. Esbarrou em um cidadão que parecia de origem
árabe. O cidadão foi ao chão com o encontro acidental. Prontamente Roman o
ajudou a se levantar e pareceu reconhecer o sujeito de algum lugar. Deve ser de
alguma ficha policial. Pegou a mochila do homem que parecia suspeita e devolveu
a ele. Tudo parecia suspeito, mas aquele não era o momento de abordagens. Seguiram
seu rumo. Ele de encontro a namorada e o homem parado perto do estádio. Chegando
perto da casa de shows respirou fundo e se dirigiu a entrada. Não sofreu
nenhuma revista na porta e pensou em dar um esculacho no segurança. Como
poderiam deixar que ele entrasse armado em uma casa lotada? E se fosse um
terrorista? Mas desistiu. Aquele não era o momento de abordagens. Percebeu que
duas pessoas entraram junto com ele para o interior da boate. Pareciam
suspeitos. Tinham caras de suspeitos. A mesma sensação que tivera com o
indivíduo perto do estádio. Mas uma cena tirou sua atenção nesse momento. Na
pista de dança viu Juliene dançando com um sujeito magro com cara de toureiro.
Parecia que faziam uma dança do acasalamento. Pelo menos era assim que parecia
para um polonês rígido. Perdeu a cabeça. Foi em direção ao casal em quase orgia
e puxou a namorada numa tentativa de tirá-la dali. Bruscamente. Ela se debateu
sem entender o que se passava. Começaram a bater boca ali mesmo. No meio da
pista. Ele em francês com sotaque polonês e ela em italiano com sotaque
francês. O rapaz que dançava com ela tentou entrar falando em espanhol com
sotaque catalão mas foi imediatamente empurrado pelo bruto polonês. Juliene foi
ao encontro do amigo no chão e o ajudou a se levantar proferindo palavras
deselegantes a Roman. Ele perdeu a cabeça. Sacou da pistola que era sua
ferramenta de ofício e apontou para a namorada. Com os olhos rasos d´água disse
que se não podia ser só dele que então não seria de ninguém. Antes que pudesse
puxar o gatilho Juliene caiu ao chão. Sem vida. Tinha levado um tiro pelas
costas. Roman viu um dos cidadãos suspeitos que tinha encontrado na entrada
empunhando uma arma automática. Ele havia matado sua namorada. A sua Juliene.
Como num reflexo de ódio, ele virou a mira da arma que empunhava e num tiro
seco atingiu a testa do homem que havia matado a namorada. Nesse momento a
polícia francesa invadiu o local e um agente vendo-o de arma em punho atirou
sem perguntar. Sem tempo de reação. Sem tempo de comoção. Sem tempo de
despedida. Roman caiu morto em cima de Juliene que jazia no chão frio de Paris
naquela noite de desamor.
* essa é uma estória de
ficção
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 20 de novembro de 2015
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