sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Roman e Juliene


Roman e Juliene

 

           

Roman era polonês mas morava em Paris faziam mais de dez anos. Era policial e tinha muito orgulho de ter se tornado cidadão francês e ter o ofício de proteger um povo que o acolhera com tanto carinho. Desde que se mudara para a cidade luz não tinha arrumado sequer uma namorada. Dedicava todo seu tempo a profissão. Era do setor de inteligência antiterrorismo. Ajudava a monitorar as possíveis ameaças contra o solo francês. Numa dessas incursões eletrônicas em busca de indícios de ataques, entrou em um chat de conversas e acabou conhecendo Juliene. Ela era italiana de Verona mas morava em Amsterdã. Estudava literatura inglesa de Shakespeare e tinha fascinação por conhecer Paris. Trocaram muitos cliques e acabaram se apaixonando. Amores possíveis em tempo de internet. Combinaram de se conhecerem em Paris. Ele fazia questão de mostrar a namorada a cidade que tanto conhecia e que a moça desejava estar desde sempre. O amor era realmente lindo. Roman se preparou para o encontro. Pediu ao chefe uma dias de folga pois queria dedicar todo tempo a amada e foi busca-la no aeroporto levando um buque de rosas. Queria impressionar. O momento em que se viram pareceu que o tempo parou. Uma concessão Divina para aqueles olhares de cumplicidade. Se amaram de começo. Se amaram de fato. Se amaram. Três dias sem sair do quarto. Quando haviam matado a saudade de nunca terem se encontrado saíram para viver Paris. Agora podiam andar pela cidade de mãos dadas. Juliene era uma italiana anarquista. Vivia em uma das cidades mais libertárias da Europa. Escolhera literatura pois entendia ser uma profissão romântica e sem amarras. Era assim. Pássaro livre. Roman o contrário. Polonês cheio de regras. Criado por pais comunistas e disciplinadores. Era metódico e visceral. Escolhera a polícia pela ordem e disciplina. Era assim. Pássaro preso. Mas o amor unificava tudo. Fazia das diferenças igualdade. Pelo menos até aparecerem as primeiras desavenças. Isso começou a ocorrer quando ele comprou ingressos para assistirem um jogo da Seleção Francesa. Amistoso no Estádio da final da Copa de 98. Comprou porque achou que iria impressionar a namorada. Enganou-se. Juliene amava a França mas odiava futebol. Entendia como pão e circo para o povo dos tempos de seu compatriota Cézar. Um alienador de opiniões. Teceu uma hora de comentários na cabeça de Roman sobre as teorias libertárias e anarquistas. Tudo se resumia ao ninguém é de ninguém. Frontalmente contra o que ele pensava. E para piorar a situação, ela disse que iria a um show de rock em uma famosa casa de shows com um amigo espanhol que conhecera pela internet. Mas ela não se opunha a que ele fosse ao jogo. Cada um com suas vontades. Aquilo para Roman era uma facada. Tudo que ele mais abominava. Com o pouco de sanidade que lhe restou após a discussão, saiu em direção ao estádio para assistir ao jogo. Não prestou atenção em nada que ocorria pelo caminho. Estava desapontado. Chegou até a porta do local do jogo e ficou parado olhando aquele colosso de aço e concreto. Os olhos marejados e cegos de amor e ódio. Não conseguiu entrar. Virou-se e pegou o rumo da casa de shows onde estaria a namorada. Esbarrou em um cidadão que parecia de origem árabe. O cidadão foi ao chão com o encontro acidental. Prontamente Roman o ajudou a se levantar e pareceu reconhecer o sujeito de algum lugar. Deve ser de alguma ficha policial. Pegou a mochila do homem que parecia suspeita e devolveu a ele. Tudo parecia suspeito, mas aquele não era o momento de abordagens. Seguiram seu rumo. Ele de encontro a namorada e o homem parado perto do estádio. Chegando perto da casa de shows respirou fundo e se dirigiu a entrada. Não sofreu nenhuma revista na porta e pensou em dar um esculacho no segurança. Como poderiam deixar que ele entrasse armado em uma casa lotada? E se fosse um terrorista? Mas desistiu. Aquele não era o momento de abordagens. Percebeu que duas pessoas entraram junto com ele para o interior da boate. Pareciam suspeitos. Tinham caras de suspeitos. A mesma sensação que tivera com o indivíduo perto do estádio. Mas uma cena tirou sua atenção nesse momento. Na pista de dança viu Juliene dançando com um sujeito magro com cara de toureiro. Parecia que faziam uma dança do acasalamento. Pelo menos era assim que parecia para um polonês rígido. Perdeu a cabeça. Foi em direção ao casal em quase orgia e puxou a namorada numa tentativa de tirá-la dali. Bruscamente. Ela se debateu sem entender o que se passava. Começaram a bater boca ali mesmo. No meio da pista. Ele em francês com sotaque polonês e ela em italiano com sotaque francês. O rapaz que dançava com ela tentou entrar falando em espanhol com sotaque catalão mas foi imediatamente empurrado pelo bruto polonês. Juliene foi ao encontro do amigo no chão e o ajudou a se levantar proferindo palavras deselegantes a Roman. Ele perdeu a cabeça. Sacou da pistola que era sua ferramenta de ofício e apontou para a namorada. Com os olhos rasos d´água disse que se não podia ser só dele que então não seria de ninguém. Antes que pudesse puxar o gatilho Juliene caiu ao chão. Sem vida. Tinha levado um tiro pelas costas. Roman viu um dos cidadãos suspeitos que tinha encontrado na entrada empunhando uma arma automática. Ele havia matado sua namorada. A sua Juliene. Como num reflexo de ódio, ele virou a mira da arma que empunhava e num tiro seco atingiu a testa do homem que havia matado a namorada. Nesse momento a polícia francesa invadiu o local e um agente vendo-o de arma em punho atirou sem perguntar. Sem tempo de reação. Sem tempo de comoção. Sem tempo de despedida. Roman caiu morto em cima de Juliene que jazia no chão frio de Paris naquela noite de desamor.      

 

* essa é uma estória de ficção

  

   

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 20 de novembro de 2015

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