O
redentor
Seu
Honestino era cidadão correto. Na acepção do termo. Cumpria com sua palavra
independente da dificuldade. Nascido e criado na mesma cidade do interior,
tinha crédito no mercado local. Tudo por conta da sua fama de cumpridor dos
compromissos.
Certa feita se encantou por
um rabo de saia. Enfeitiçou. Danou a cometer uns desatinos em nome da paixão.
Eram presentes e mais presentes. A coisa foi ficando tão descontrolada que
perdeu o fio da meada. Gastou mais do que conseguia ganhar. Mas pensava ser por
uma boa causa. Usou o crédito que tinha no mercado e destampou comprar o amor
da rapariga.
Eis que a menina, uma tal
Ritinha, um dia anoiteceu e não mais amanheceu. Sumiu no mapa levando consigo
os mimos de Seu Honestino. Pronto. Ia o amor e ficavam as dívidas. Foi duro
reconhecer que tinha cometido um engano. Por um desatino de amor tinha botado a
perder sua fama de honesto. E fama boa é coisa difícil de fazer e a ruim
difícil de desfazer.
Tratou de abaixar a cabeça e
se enfiar no trabalho. Reclamar que não ia adiantar. Se embrenhou no serviço e
com muito suor conseguiu arrumar o recurso para saldar as amorosas dívidas.
Imediatamente se dirigiu ao
primeiro estabelecimento em que tinha ficado devedor. Colocou as notas sobre o
balcão e de sorriso aberto solicitou que fosse quitada sua dívida. O dono do
estabelecimento lançou mão no dinheiro e guardou na caixa registradora, porém
esclareceu ao pagador que seu nome só sairia da lista de caloteiros após a
chancela de um cidadão especial. Seu Honestino por demais assustado com a prosa
perguntou de quem se tratava o tal cidadão especial. Prontamente escutou a
resposta que era uma pessoa incumbida pela autoridade maior de referendar todas
as dívidas pagas. Estarrecido, Seu Honestino insistiu que o dinheiro estava ali
para quitar a dívida e que o comerciante era testemunha pois já o colocara até na
caixa registradora. Mas por outra vez escutou que seria necessário o aval do
tal cidadão para que seu nome fosse excluído da mal afamada lista dos
devedores.
Pisando duro Seu Honestino
saiu do comércio e correu até outro em que também devia. Para sua surpresa o
procedimento foi o mesmo. Necessitava do desgramado do redentor. Aquele que
perdoaria suas faltas e erros. Acabrunhado com tamanho despautério, e sem mais
nada a fazer que resolvesse a pendência, correu a procurar o dito caboco que
poderia restabelecer sua fama de honesto. Depois de muito procurar achou o cidadão
sentado na varanda de casa picando fumo. Casa grande e bonita que demonstrava
ser o proprietário por demais abastado. Bateu palmas para anunciar a visita e
foi logo explicando o problema. De imediato o homem perdoador lhe explicou que
realmente aquela função era dele e que fazia de muito bom grado. Mas ao mesmo
tempo, como sua ocupação era exclusivamente redimir as faltas alheias,
faltava-lhe tempo para ganhar o próprio sustento, restando-lhe viver de doações
dos bondosos perdoados. Seu Honestino, diante da pressa de se reestabelecer,
tirou um maço de notas do bolso e o entregou ao homem que de imediato agradeceu
e juntos, foram ao primeiro estabelecimento de que necessitava do perdão.
Entrando no comércio foi o
redentor saldado pelo dono com entusiasmo. Sem delongas foi o devedor
explicando o motivo da visita. De imediato o redentor confirmou que naquele
momento o comerciante poderia retirar o nome de Seu Honestino da lista de mal
pagadores e que todas as suas dívidas estavam perdoadas. O dono do
estabelecimento de pronto atendeu e riscou o nome do dito caderno dos
devedores. Foi quando, de soslaio, Seu Honestino viu que na mesma folha onde
constava seu nome, coincidentemente estava escrito o nome do redentor. Pois que
nem deu tempo dele se indignar com tamanha desdita, quando o comerciante num
pulo só, driblando a vergonha, desferiu a pergunta: “Seu Redentor, já que o
senhor está por aqui, não gostaria de quitar sua dívida também?”
*
essa é uma estória de ficção
“Cada falta tem seu volume e suas
consequências inevitáveis. Não percamos tempo em lamentações, nem sejamos
ingênuos, crendo que existem meios fáceis de saldá-las. As leis não são
infringidas impunemente; nem cometendo faltas, nem pretendendo livrar-se delas.
Porém o homem pode, sim, redimir gradualmente suas culpas, mediante o bem que
representa para si a realização rigorosa de um processo que o aperfeiçoe. Se
esse bem é estendido aos semelhantes - quanto mais, melhor -, ficará assegurada
a descarga da dívida.” (González Pecotche)
Guilherme
Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 13 de abril de 2017
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