uma prosa poética para uma paixão de infância.
Meu Araguaia
Fecho os olhos por um instante e sinto
o calor do meio da tarde surrar o ar. Quente. A sorte é que a sombra do rancho
impede que o sol incida diretamente sobre minha pele. Pele já castigada pelos
dias passados desafiando o astro rei. Lembro-me de Bial e seu filtro solar.
Cuido-me, apesar de ser de uma geração que passava óleo de cozinha na pele para
espantar os mosquitos da beira do rio. Sinto também a água morna correr por
entre as pernas. Metade do corpo dentro d’água e metade fora. A correnteza vai
levando todas as energias negativas. Rio abaixo. Vão desembocar no mar. Diluídas.
Silêncio profundo. Escuto no máximo minha respiração. Estado zen. Zen nada para
fazer. Tão abstraído que me esqueci de almoçar. De propósito. Delongando ao
máximo aquela sensação de contato íntimo com a natureza. Um contato
entorpecente. De êxtase e de álcool. Tomei uma cervejinha. Duas. Vamos lá...
várias. O calor e o suor permitem esse excesso. Aliás, o que seria da vida sem
excessos né? Chata. Preciso tomar uma decisão drástica. Ou levanto da cadeira
semi enterrada na água para almoçar ou para dar um novo mergulho no rio. Mergulho.
Melhor. Comida para que? Ali já tem alimento demais para alma. Congestão. Não
sinto as picadas dos insetos. Naquela altura do Rio Araguaia quase não existe
mosquitos. Lembro-me onde estou. Araguaia. Meu Araguaia. Lá para as bandas do
Estado do Tocantins divisa com Pará e Maranhão. Longe. Prá mais de mil e
duzentos quilômetros da minha casa. Mas minha casa parece ser ali. Sinto a
brisa quente bater. Ameniza o calor. Lembro-me que mais tarde ela amornará. Virá
o cair da noite. Na beira da fogueira com lenha crepitando e viola desfiando.
Moda da boa. Alguma coisa a assar na brasa e uma bebida quente para esquentar o
corpo. E a alma. Sinto o cheiro da seresta. Mais a noitinha barraca. Ver a lua.
Ver as estrelas. Ah as estrelas... parece que lá elas são mais. Na cidade elas
não brilham como no céu da beirada do Araguaia. Meu Araguaia. Sinto cheiro do
sereno. Friozinho da madrugada, edredom e lanterna. Dias quentes, noites frias,
coração morno. Sinto o cheiro do orvalho logo ao raiar o sol. Não dá preguiça
de levantar cedo na beira do Araguaia. Os pássaros cantam em algazarra e o sol
começa a castigar as barracas de lona. Levanta e vai em direção ao cheiro do
café. Morno. Qualquer coisa de alimento para o corpo. A alma já está
enfastiada. Começa tudo outra vez. Sinto o cheiro de nostalgia. Passei quase
todos os meus aniversários na beira do Rio Araguaia. Meu Araguaia. Quase não
ganhava presente. Quem vai lembrar-se de levar presente para beira do barranco?
Não importava. O Rio era meu presente. Justo e necessário. Parecia que éramos
feitos um para o outro. Separados no nascimento. Sinto o cheiro de cidade.
Ainda estou de olhos fechados. Parece que ligaram o ar condicionado. Mas na
beira do rio? A água parece que molha minha roupa, meu sapato. Abro os olhos
para me certificar. Estou sentado no meu escritório. Só. Sinto um
desapontamento desabar. Sinto vontade de chorar. Sinto muito. Não estou na
beira do Araguaia. Esse ano não ganhei presente de aniversário. Mas deixa estar.
Enquanto viver será meu. Enquanto viver serei seu. Meu Araguaia.
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 27 de julho de 2012
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