Freud
é que tinha razão
No
meu humilde entendimento, todo ser humano que no ato de descobrir que se tornará
pai ou mãe, deveria iniciar uma psicoterapia. E vou mais além. Deveria ser
bancada pelo governo assim como a bolsa escola, família e gás. Bolsa Psicólogo.
E alguns mereceriam até a Bolsa Psiquiatra. Só na base do “tarja preta”. Isso
tudo porque associado à alegria e responsabilidade de gerar e criar um filho,
vem grátis uma dose cavalar de culpa. Mas coloca culpa nisso. E não venham me
dizer que isso só ocorre com marinheiros de primeira viagem e somente nos
primeiros anos de vida que eu truco. O ditado popular que diz “filho criado,
trabalho dobrado” é clarividente. Cabal. Qual a motivação dessa constatação? Já
explico.
Como
a maioria dos que me acompanham já devem saber, minha filha mais velha é
pianista. E aí vem a parte do pai coruja, de um talento impar. É detentora de
dois primeiros prêmios em concursos nacionais e já cruzou o Atlântico duas
vezes para tocar na Itália e Espanha. Isso tudo no auge dos seus nove anos. Eis
que esse ano surge a oportunidade da pequena se apresentar no Carnegie Hall em
Nova Iorque. Pensa. O templo da música mundial. Nessa hora pai e mãe movem o
mundo para criar as condições para a realização do sonho. Não só dela, mas de
um grupo todo de pianistas que leva a cultura musical brasileira para outros
países. Vale de tudo. Lei Rouanet, Lei Goyazes, Ministério da Cultura. Tudo
muito difícil, burocrático e desanimante. Parece que foram criados para não
serem usados (assunto que vale outra crônica). Eis que, conversando com uma
prima cujo filho é um talentoso escritor mirim, aparece a sugestão de montar um
projeto em um site de crowdfunding. O que é isso? São sites que arrecadam
recursos para realização de projetos diversos. Contribuições de valores
diversos que podem ser efetuadas por pessoas diversas para viabilizar um sonho.
Achei uma ideia fantástica. Comentei com a pequena. Seus olhos brilharam. Mãos
a obra. Grava vídeo dela tocando e pedindo colaboração. Pega fotos, monta
texto, faz cadastro. Em menos de uma manhã o projeto estava montado. Fácil
assim. É só colocar no ar. Não é fácil assim. É nessa hora que batem as dúvidas
de pai no divã do psicanalista. Não seria exposição demais? Não corre o risco
dela se frustrar em caso de insucesso? Não estaríamos incentivando uma carreira
de caminhos tão tortuosos em nosso país? Além das dúvidas sócias. Essas
campanhas não são somente para pessoas extremamente necessitadas? Não estaria
mercantilizando a arte? Não estaria banalizando a música? E logo em seguida vem
a defesa. Essa não seria uma oportunidade de quem a acompanha de longe ter a
chance de contribuir com a formação de sua carreira? Não serviria esse projeto
para ensinar a pequena que só o esforço gera recompensas? Não ensinaria que a
vida é feita de vitórias e fracassos e que temos que nos levantar a cada
insucesso? Ela não seria mais feliz escolhendo a carreira que quisesse e que
fosse mais apta? Será que o conceito de “necessitado” não estaria erroneamente muito
restrito a questão financeira? A música (e aí entendam como arte de maneira
geral) não é uma necessidade do ser humano? Olha que fiquei chocando essas
dúvidas por quase sessenta dias. Dentro da mente de um pai as razões e contra
razões se confrontam como gladiadores em derramamento de sangue. Dá vontade de
sair correndo. Agora vocês entendem a
necessidade da Bolsa Psicólogo ou coisa que o valha? A dúvida corrói. O temor
da falha corrói. A culpa corrói. Os pais são seres de alma corroída. No fundo
só queremos o bem para nossos filhos e nossos esforços são sempre nesse
sentido, apesar de às vezes não aparentarem. Diante disso tudo qual a decisão
tomei?
É isso. Meu lado positivista falou
mais alto e resolvi faze-lo. A cara fica para bater ou para receber elogios. E
no fundo quem estava certo era Freud quando dizia que “a culpa de tudo é da mãe”
(estendida a mesma ao pai). Mas a culpa nesse momento pouco importa. O que vale,
entre erros e acertos, é a felicidade da minha pequena. Dos meus pequenos. Dos
nossos pequenos.
Guilherme
Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 06 de fevereiro
de 2015
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