sexta-feira, 7 de agosto de 2015

pirão de sardinha


Pirão de sardinha

 

 

           

Se tem uma coisa que acho interessante é saber o real significado e a origem histórica dos ditados populares. Principalmente aqueles que foram carcomidos pelo tempo e se olhados de perto não estampam sua grafia original como “quem não tem cão caça com gato” ou “batatinha quando nasce se esparrama pelo chão”. Ambos com erro de grafia como que falados ao longo de um telefone sem fio de séculos. Muitos desses ditados são de caráter regional como “cidadão sem eira nem beira”, mesmo mundiais como “quem tem boca vai a Roma” ou vieram com a colonização lusitana como “puxando a brasa para minha sardinha”. Esse último que citei me causa um especial fascínio e por isso procurei saber sua motivação. Durante as pesquisas descobri várias versões, aliás, como a maioria dos ditados populares, mas a que mais chamou a atenção tem a ver com a origem dos cortiços em Portugal. Reza a lenda que os trabalhadores que moravam nos cortiços recebiam o pagamento pelo trabalho muitas vezes em sardinhas. Sim, o peixe. E por vezes utilizavam as brasas dos fogareiros que serviam para iluminar a área comum dos cortiços para assar tais sardinhas. Muitas vezes isso provocava a extinção do fogo que fazia às vezes de benefício coletivo e, por conseguinte uma confusão entre os moradores. Daí teria surgido o sentido da frase em que, por motivos individuais, a pessoa subjuga o sentido coletivo. Mais ou menos como um egoísmo com causas justificada. Ou não. Se a história é uma estória eu não saberia precisar e nem vem muito ao caso, fora a curiosidade, pois na verdade vale o sentido do ditado. Além do sentido, vale seu uso cotidiano. E por coincidência da raiz lusitana, ou não, penso que o brasileiro se adaptou bem ao drama da sardinha. O retrato do país hoje basicamente se resume a puxar brasa para seu lado. Estamos em crise, isso ninguém nega. Ou pelo menos os que têm sanidade mental preservada. Temos que contingenciar. Isso é certo. Temos que cortar na carne. Isso também é certo. Executivo, Judiciário, Legislativo e cidadão. Todos juntos numa cruzada. Opa! Mas não mexam com o meu. Meu reajuste de salário é justo. Meu benefício é previsto em lei. Minha verba é sagrada. Minha viagem para Miami é remédio. O do meu vizinho tem que cortar, mas o meu é devido. A minha sardinha tem que assar. E para não dizer que só falei de sardinha, falo de farinha também, porque se ela é pouca, meu pirão primeiro.    

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 07 de agosto de 2015

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