Pirão de sardinha
Se tem uma coisa que acho
interessante é saber o real significado e a origem histórica dos ditados
populares. Principalmente aqueles que foram carcomidos pelo tempo e se olhados
de perto não estampam sua grafia original como “quem não tem cão caça com gato”
ou “batatinha quando nasce se esparrama pelo chão”. Ambos com erro de grafia
como que falados ao longo de um telefone sem fio de séculos. Muitos desses
ditados são de caráter regional como “cidadão sem eira nem beira”, mesmo mundiais
como “quem tem boca vai a Roma” ou vieram com a colonização lusitana como “puxando
a brasa para minha sardinha”. Esse último que citei me causa um especial fascínio
e por isso procurei saber sua motivação. Durante as pesquisas descobri várias
versões, aliás, como a maioria dos ditados populares, mas a que mais chamou a atenção
tem a ver com a origem dos cortiços em Portugal. Reza a lenda que os
trabalhadores que moravam nos cortiços recebiam o pagamento pelo trabalho
muitas vezes em sardinhas. Sim, o peixe. E por vezes utilizavam as brasas dos
fogareiros que serviam para iluminar a área comum dos cortiços para assar tais
sardinhas. Muitas vezes isso provocava a extinção do fogo que fazia às vezes de
benefício coletivo e, por conseguinte uma confusão entre os moradores. Daí
teria surgido o sentido da frase em que, por motivos individuais, a pessoa
subjuga o sentido coletivo. Mais ou menos como um egoísmo com causas
justificada. Ou não. Se a história é uma estória eu não saberia precisar e nem
vem muito ao caso, fora a curiosidade, pois na verdade vale o sentido do
ditado. Além do sentido, vale seu uso cotidiano. E por coincidência da raiz lusitana,
ou não, penso que o brasileiro se adaptou bem ao drama da sardinha. O retrato
do país hoje basicamente se resume a puxar brasa para seu lado. Estamos em
crise, isso ninguém nega. Ou pelo menos os que têm sanidade mental preservada.
Temos que contingenciar. Isso é certo. Temos que cortar na carne. Isso também é
certo. Executivo, Judiciário, Legislativo e cidadão. Todos juntos numa cruzada.
Opa! Mas não mexam com o meu. Meu reajuste de salário é justo. Meu benefício é
previsto em lei. Minha verba é sagrada. Minha viagem para Miami é remédio. O do
meu vizinho tem que cortar, mas o meu é devido. A minha sardinha tem que assar.
E para não dizer que só falei de sardinha, falo de farinha também, porque se
ela é pouca, meu pirão primeiro.
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 07 de agosto de 2015
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