Dói
mais no pai
Sai daquele laboratório com
a suspeita que o Criador de vez em quando dá cargas que não conseguimos
carregar. Nada muito trágico como doenças incuráveis ou a morte. Não é isso.
São coisas aparentemente simples que se tornam uma cruz dependendo do jeito
como as tratamos. Digo-lhes do que se trata de imediato. Passei a manhã toda
tentando tirar sangue do filho mais novo. Odisseia típica de Ulisses. Com
momentos de guerra atrozes. Físicas e mentais. O tanto que a minha mais velha é
tranquila, o mais novo é intranquilo. É preciso um batalhão de gente para
segurá-lo e uma pá de tempo após, para que se recupere. E uma eternidade de
culpa que cai sobre os pais. Todas as técnicas possíveis e conhecidas de convencimento
são aplicadas. E olha que somos dois, eu e a mãe, adeptos da troca de
pensamentos. A tentativa de mostrar a criança seus pensamentos, e as
consequências dos mesmos em sua vida. Levá-las a conhecer e entender como
funcionam suas deficiências e procurar agir para que as mesmas não escravizem
seus dias. Trabalho árduo, demorado, perene, mas necessário. Nessa ocasião
específica, pude contar ao filho, em tentativa de convencimento, o que se
passou comigo. Confessei a ele a fraqueza de pai. Nunca fui muito amigo das
agulhas e dos processos invasivos. Aliás fui bem inimigo dos mesmos. Passei
vexame muitas vezes quando criança, jovem e mesmo adulto. Até que em um
determinado momento não me conformei mais com essa situação. Não queria mais.
Propus-me a tentar controlar esses pensamentos que me colocavam em polvorosa
antes dos procedimentos. Hoje, as duras penas, os tenho controlados.
Enjaulados. Mas tenho plena consciência que não os extirpei por completo. Mas
fico feliz com o processo de evolução. Contei isso ao pequeno rebento que se
debulhava em lágrimas. A princípio parece ter funcionado, mas sua resolução foi
efêmera. Ao final tive que convocar o batalhão de choque e aplicar o método da
força. Dolorido. Muito mais no pai. Sai decepcionado. Saímos todos. São as
fraquezas que não conseguimos vencer. São as batalhas perdidas. Mas dessa vez
saí com a impressão que a guerra é longa, mas não finda. E saí de mão dada com
ele mostrando que estou ao seu lado. Como um veterano de guerra que segura a
mão do seu soldado novato e alenta seu coração. Essa batalha é nossa e vamos
vencer. Juntos. Porque se a carga é pesada, junto a ela nos foi dado a
inteligência e capacidade de adaptação. E são essas nossas armas nesse longo
processo da vida.
Guilherme Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 29 de julho de 2016