sexta-feira, 29 de julho de 2016

dói mais no pai


Dói mais no pai

         

Sai daquele laboratório com a suspeita que o Criador de vez em quando dá cargas que não conseguimos carregar. Nada muito trágico como doenças incuráveis ou a morte. Não é isso. São coisas aparentemente simples que se tornam uma cruz dependendo do jeito como as tratamos. Digo-lhes do que se trata de imediato. Passei a manhã toda tentando tirar sangue do filho mais novo. Odisseia típica de Ulisses. Com momentos de guerra atrozes. Físicas e mentais. O tanto que a minha mais velha é tranquila, o mais novo é intranquilo. É preciso um batalhão de gente para segurá-lo e uma pá de tempo após, para que se recupere. E uma eternidade de culpa que cai sobre os pais. Todas as técnicas possíveis e conhecidas de convencimento são aplicadas. E olha que somos dois, eu e a mãe, adeptos da troca de pensamentos. A tentativa de mostrar a criança seus pensamentos, e as consequências dos mesmos em sua vida. Levá-las a conhecer e entender como funcionam suas deficiências e procurar agir para que as mesmas não escravizem seus dias. Trabalho árduo, demorado, perene, mas necessário. Nessa ocasião específica, pude contar ao filho, em tentativa de convencimento, o que se passou comigo. Confessei a ele a fraqueza de pai. Nunca fui muito amigo das agulhas e dos processos invasivos. Aliás fui bem inimigo dos mesmos. Passei vexame muitas vezes quando criança, jovem e mesmo adulto. Até que em um determinado momento não me conformei mais com essa situação. Não queria mais. Propus-me a tentar controlar esses pensamentos que me colocavam em polvorosa antes dos procedimentos. Hoje, as duras penas, os tenho controlados. Enjaulados. Mas tenho plena consciência que não os extirpei por completo. Mas fico feliz com o processo de evolução. Contei isso ao pequeno rebento que se debulhava em lágrimas. A princípio parece ter funcionado, mas sua resolução foi efêmera. Ao final tive que convocar o batalhão de choque e aplicar o método da força. Dolorido. Muito mais no pai. Sai decepcionado. Saímos todos. São as fraquezas que não conseguimos vencer. São as batalhas perdidas. Mas dessa vez saí com a impressão que a guerra é longa, mas não finda. E saí de mão dada com ele mostrando que estou ao seu lado. Como um veterano de guerra que segura a mão do seu soldado novato e alenta seu coração. Essa batalha é nossa e vamos vencer. Juntos. Porque se a carga é pesada, junto a ela nos foi dado a inteligência e capacidade de adaptação. E são essas nossas armas nesse longo processo da vida.       

 Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 29 de julho de 2016

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