sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Bingo!


Bingo!

 

           

            Muitas vezes escutamos que a festa mais popular no Brasil é o carnaval, porém algo me leva a crer que nos enganamos redondamente. Esse posto deveria ser dado ao Natal. Como assim popular? Calma que já explico. Vamos pensar juntos. Qual a festa que a grande maioria se reúne? Qual a festa que você tem oportunidade de rever pessoas que só encontra uma vez por ano? Qual a festa que tem a maior quantidade de tradições embutidas? Fácil resposta: Natal! E por conta dessas “tradições” que a festa cristã enseja um espetáculo para quem gosta de observar. Primeiro que a véspera é mais agitada que o próprio dia do evento. Aliás a grande maioria das festas acaba antes da virada da meia noite. Ou se arrasta até a primeira meia hora pós passagem e por ali termina. Com exceção, é claro, daquele tio seu que exagerou na cerveja e vai ficar cantando moda de viola até cair no sofá e ser carregado pela tia com cara feia. Isso é ou não uma tradição da família brasileira? Isso quando a pessoa que está incumbida de ser o Papai Noel da noite não bebe todas e começa a trocar os presentes. Logicamente que coloca a culpa em quem escreveu os nomes nas etiquetas ou a falta do óculos de leitura que esqueceu em casa. Geralmente ele está sentado em um banquinho para evitar tragédias maiores, mas sempre tem o momento surpresa quando se levanta cambaleando para entregar um embrulho para uma prima que nunca recebe presentes. Nesse momento os pais que estão sóbrios tentam evitar que o velhinho Noel pinguço não desabe sobre seus filhos que estão debaixo do monte de papeis rasgados de presente. Aliás esse é outra tradição muito recorrente na noite de Natal. Os presentes. Montes deles. E ultimamente andam ficando mais volumosos e mais baratos. Mais papel que conteúdo. Tem sempre o membro da família que ganha 2/3 deles o que geralmente é inversamente proporcional à sua idade. Quanto mais novo mais mimos. A criança fica até zarolha com tanto pacote colorido. São uns trambolhos enorme que não sei como os pais enfiam no carro para irem embora. Fora o tanto de peça de plástico que se perde debaixo do sofá ou na boca do cachorro da tia que leva o canino para festa por conta do medo que o animal tem de fogos de artifício. Isso porque a senhora do cachorro esquece que fogos são usuais no réveillon e não no Natal. E têm também os que nunca ganham presentes e quando acontece um milagre saem abraçando todo mundo em agradecimento. Geralmente esses são comprados nas lojas de 1,99. Têm também os que ganham meias e lenços. Um Natal um e no outro o outro. Vê-se os sorrisos amarelos em suas dentaduras porque na verdade eles queriam ganhar um panetone de chocolate e explodir o índice glicêmico. Têm os tios que só ganham bebidas alcoólicas e sempre brincam: “pessoal acha que eu só bebo”. Geralmente esse é o que dorme no sofá ou faz aquele comentário desagradável sobre a gravidez de uma sobrinha que na verdade esta gordinha. Têm também os que ganham os presentes de grife. Ah esses são os invejados. Geralmente a parte rica da família que comprou seus presentes no exterior. É um desfile de grife de roupas. O resto dos convivas com odinho mal sabendo que essas roupas vão ficar anos no guarda roupa porque não serviram ou ficaram largas. E servirão, impreterivelmente, de presentes em natais futuros (e tem sempre o bom de memória da família que comenta que já viu aquela blusa da Hugo Boss em edições anteriores). E as comidas? Ah esse é um capítulo que valeria uma crônica solo. Castanhas, frutas de todas as espécies, aves de todos os tipos, suínos de todas as formas. E o salpicão! Claro! Tem sempre uma receita famosa de salpicão de alguma tia da família. Aquele com passas, maça, uva, pêssego e calda de chocolate que deveria se chamar salada de frutas e não salpicão. E tem a leitoa. E tem a tia que leva a leitoa e jura de pé junto que no próximo Natal não vai ficar responsável pelo suíno porque o óleo de pururucar queimou os pelos do seu braço. Para aqueles que não são de Minas ou Goiás faço um parênteses. Pururucar e a arte de esquentar óleo a exaustão e jogar sobre a pele da leitoa fazendo com que a mesma forme bolhas crocantes e douradas. Falo que é uma arte porque somente 0,1% da população mundial consegue esse efeito no porquinho. No mais fica uma pele borrachenta e oleosa. Mas voltando às comidas, o peru que era tradicionalíssimo nas mesas foi perdendo espaço para os chesters e fiestas da vida. E tem sempre a prima vegana que comenta que aquela ave é uma modificação genética e que provoca câncer e nascimento de penas nos consumidores. E tem sempre o sobrinho que chora com a conversa porque não quer que cresçam penas nele. E a farofa? Esse é o acepipe mais variado da festa. Tem de todo jeito. Cada uma mais elaborada que a outra. Chego a pensar que a receita é a mesma do salpicão só que com a adição de farinha. Aliás a farinha é a que menos importa na farofa. E no fim da festa tem sempre uma avó que enxerga mal e faz questão de juntar todos os restos de farofa fazendo uma maçaroca sem tamanho. Dá até ânsia de vomito. Aí depois de distribuídos os presentes, bebido e comido como se o mundo fosse acabar no outro dia, vem o entretenimento tradicional do Natal. O bingo. Esse é diversão garantida. Tem os que perguntam trinta vezes se o primeiro prêmio é linha, coluna ou diagonal. E tem sempre o que responde toda vez. Tem o tio que não enxerga direito e fica perguntando para o que está do seu lado se saiu algum número da cartela dele. Tem sempre o primo espertinho que pega duas cartelas para ver se arremata a garrafa de pinga que está entre os prêmios. Têm os que sempre falam que nunca são sorteados e os que falam que tem muita sorte. Tem aquele tio que associa todo número cantado ao jogo do bicho. Eu mesmo nunca consegui decorar essa bicharada. Tem o engraçadinho que coloca a calçola da avó em uma caixa de whisky e provoca os risos da galera. Menos da avó que vê sua intimidade exposta. Tem o que grita bingo sem ter ao menos um par marcado. E grita de novo e de novo. E no final das contas saem todos enfastiados de comida prometendo nunca mais comer castanha na vida. Alguns em busca de um antiácido para a bebida de má qualidade ingerida em excesso prometendo nunca mais botar uma dose na boca. Alguns com presentes em excesso e outros com presentes em falta prometendo ano que vem comprar auto presentes para impressionar os parentes. Fica o dono da casa com uma tonelada de comida que terá que comer durante toda a semana fazendo receitas de reciclagem aprendidas na Ana Maria Braga. Mas no apagar das luzes saem todos felizes prometendo se encontrar no outro ano para comemorar o nascimento de Jesus, que no final das contas é o menos lembrado da história. Ah e têm os tios que chegam mais tarde por conta da missa do galo. Esses se recordaram do aniversariante mas perderam a festa. No fim sobrevivem todos, ansiosos pelo próximo ano.

Feliz Natal.       

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 25 de dezembro de 2015

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

a carta


A carta

 

           

Quem diria que em tempos de internet e informação em tempo real (e muitas vezes informação antecipada) seríamos brindados com uma pérola do modus comunicandi do século passado. Ou século retrasado. A tão famosa carta. Quem nos proporcionou esse momento nostalgia foi o Vice Presidente da República (por enquanto) que empunhando sua Parker 51 bico de pena escreveu uma missiva a sua companheira de chapa, não menos famosa, Presidenta da República. Faltou só o lacre em cera vermelha com o brasão da família derretido sobre o pedaço de papel amarelado pela luz fraca da vela que iluminava o ambiente. A imaginação voa à solta como num enredo de filme clássico. E o conteúdo? Coisa sensível. Diria quase de amor. Sentimento que emana do mais profundo da alma. Desabafo. E o latim? “Verba volant, scripta manent”. Coisa linda. Coisa que não se ouve mais. Fiquei imaginando a nossa Presidenta, com toda sensibilidade que lhe é peculiar, lendo aquele pedaço de papel. Imagino as lagrimas. Imagino a dor de barriga. E nesse contexto de imaginação, dei-me por imaginar qual seria a resposta dela para o amigo e companheiro, agora decepcionado, Michel. Imaginemos.

 

Se ela usasse a paixão brejeira de João Mineiro e Marciano seria:

“Você me pede na carta que eu desapareça. Que eu nunca mais te procure para sempre te esqueça. Posso fazer sua vontade atender seu pedido, mas esquecer é bobagem, é tempo perdido. Ainda ontem chorei de saudade relendo a carta, sentindo o perfume. Mas o que fazer com essa dor que invade? Mato esse amor ou me mata o ciúme”

 

            Se ela tivesse a malevolência baiana da Banda Eva seria:

“Quer ir embora vai. Adeus bye, bye. Quando você me quiser estarei no ilê, já não te quero mais. Até chorar chorei não pude suportar. Ao ver se acabar todo o amor que lhe dei. E pra curar então o pobre coração, eu vou sair no ilê. Vou me esquecer de você no meio da multidão. E vou com o negro mais lindo desfilar na avenida e me matar de paixão.”

 

            Se ela se apossasse da melodia do Tremendão Erasmo Carlos seria:

“Escrevo-te essas mal traçadas linhas meu amor, porque veio a saudade visitar meu coração. Espero que desculpe os meus erros por favor, nas frases dessa carta que é uma prova de afeição. Talvez tu não a leias, mas quem sabe até dará resposta imediata me chamando de meu bem. Porém o que me importa é confessar-te uma vez mais, não sei amar na vida mais ninguém.”

 

            Se lançasse mão da coragem suicida de Getúlio, seria:

Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”

 

            Agora se eu escrevesse uma carta sobre tudo isso que está acontecendo me apropria de Renato Russo:

 

“E nesses dias tão estranhos fica poeira se escondendo pelos cantos. Esse é o nosso mundo. O que é demais nunca é o bastante. A primeira vez é sempre a última chance. Ninguém vê onde chegamos. Os assassinos estão livres, nós não estamos. Vamos sair, mas não temos mais dinheiro. Os meus amigos todos estão procurando emprego. Voltamos a viver como há dez anos atrás e a cada hora que passa envelhecemos dez semanas.”

 

É rir para não chorar. Melhor. Risum tenere chamare

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 11 de dezembro de 2015

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

a política e a educação


A política e a educação

 

            Voltando da escola com os meninos para o almoço nos apegamos a uma estação de rádio que falava sobre o assunto da semana. O impeachment da Presidenta da República. Eu escutava displicentemente o debate pois tratava-se de assunto requentado, e supunha que as crianças estavam entretidas com os gibis que carrego no carro para esse fim, quando a filha mais velha me perguntou do que se tratava. Primeiro que quando uma criança faz uma pergunta tem-se toda uma tática para responde-la. Faz-se uma repergunta para saber exatamente qual a dúvida para evitar de responder em excesso ou errado. Mas não teve jeito. Como explicar para uma criança de dez anos toda a complexidade do processo político brasileiro? Como fazer isso sem ser tendencioso no raciocínio? Como fugir para as colinas? Pois bem, passada a vontade de fingir de morto comecei explicando o significado da palavra impeachment e discorri sobre o rito que esse processo ensejaria. Expliquei os motivos alegados para o afastamento e aproveitei para linkar com um conceito que ela dominava: O valor da palavra. Expliquei que as acusações tinham a ver com o não cumprimento da palavra por parte da acusada. Tudo muito simples para não complicar e nem criar fantasmas naquela mente em formação. Foi quando ela perguntou, em caso de afastamento do Presidente, quem assumiria o cargo. Expliquei que era o Vice Presidente e foi então que veio a indagação mortal:

- Papai, mas o Vice Presidente cumpre o que ele promete?

Bem... olha... não é bem assim... veja bem meu bem... E nessa hora não soube se a minha resposta seria bem aceita ou compreendida. Desviei do foco principal e procurei leva-la a refletir que isso servia de exemplo para sua conduta e o valor que dava nas palavras proferidas. E mais uma vez entendi que apesar de ser o maior clichê, a educação continua sendo nossa única esperança. Quando nos deparamos com tamanha cena de caos moral em nossa humanidade tenho cada dia mais certeza que só as gerações vindouras poderão alentar o mundo. Mas cabe a nós, que temos essa nova geração nas mãos, educa-la e infundir em suas mentes férteis conceitos de bem. Sempre escutei que os jovens são a geração do futuro e a esperança de dias melhores para a humanidade. Mas se não os educarmos para isso, se portarão exatamente como as atuais gerações se comportam. Não tenham dúvida do poder do exemplo.              

             

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 04 de dezembro de 2015

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Black Friday


Black Friday

 

            Já vou começar dizendo minha opinião logo de cara. Não tenho nada contra a importação de cultura estrangeira. Contanto que ela não venha substituir uma cultura local. Afinal vivemos em um mundo globalizado e a sobreposição de modas e costumes se torna inevitável. Não sou alarmista e nem dou muita bola para os cavaleiros do apocalipse que profetizam a aculturação do povo brasileiro pelo imperialismo ianque. Isso é muito anos 80. Se entendo ser benéfico e positivo porque não adotar? Uma dessas importações mais recentes é o tão alardeado “Black Friday” que surgiu nos Estados Unidos por conta da sexta feira subsequente ao dia de ação de graças. Os americanos resolveram enforcar a sexta e então bolaram o dia do desconto. Com isso a população não ficaria à toa em casa e sairia as compras. Isso aqueceria o mercado aproveitando um tempo ocioso. Se pensarmos por esse lado vemos que nossos irmãos americanos do norte bolaram uma coisa interessante. Aí vem o brasileiro e importa do jeito que se aplica lá. Mas cá não é igual lá e a coisa que era redonda não cabe em um buraco quadrado. Mas nós temos o jeitinho brasileiro! Aparamos as arestas daqui e dali e voilà! Coube. Meio esdrúxulo mas coube. Por isso nessa sexta onde só se fala de compras e compras, pensei no que seria a Black Friday diante do cenário nacional. Que promoções teríamos?

 

1)    Ações do BTG Pactual, Petrobrás e Vale por metade do preço! E caindo.

2)    Faça uma delação premiada e passe uma temporada no hotel de luxo da PF em Curitiba! Na companhia do japa bonzinho.

3)    Vire Presidente da Câmara e ganhe grátis uma conta na Suíça! Uma para a esposa também.

4)    Cite o nome de três Ministros do STF numa gravação e ganhe uma prisão! Seu advogado pode ir junto.

5)    O dobro de veículos nas ruas por metade da paciência! Temos a versão engarrafada.

6)    Metade da energia elétrica pelo dobro do preço! Você economiza e ajuda o governo.

7)    Mantenha um Senador preso e constranja outros 80! Menos o Collor claro.

8)    Eleja uma Presidenta e leve de presente 300 picaretas com anel de doutor! Foi o Luiz Inácio que avisou.

             

Rir para não chorar.

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 27 de novembro de 2015

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Roman e Juliene


Roman e Juliene

 

           

Roman era polonês mas morava em Paris faziam mais de dez anos. Era policial e tinha muito orgulho de ter se tornado cidadão francês e ter o ofício de proteger um povo que o acolhera com tanto carinho. Desde que se mudara para a cidade luz não tinha arrumado sequer uma namorada. Dedicava todo seu tempo a profissão. Era do setor de inteligência antiterrorismo. Ajudava a monitorar as possíveis ameaças contra o solo francês. Numa dessas incursões eletrônicas em busca de indícios de ataques, entrou em um chat de conversas e acabou conhecendo Juliene. Ela era italiana de Verona mas morava em Amsterdã. Estudava literatura inglesa de Shakespeare e tinha fascinação por conhecer Paris. Trocaram muitos cliques e acabaram se apaixonando. Amores possíveis em tempo de internet. Combinaram de se conhecerem em Paris. Ele fazia questão de mostrar a namorada a cidade que tanto conhecia e que a moça desejava estar desde sempre. O amor era realmente lindo. Roman se preparou para o encontro. Pediu ao chefe uma dias de folga pois queria dedicar todo tempo a amada e foi busca-la no aeroporto levando um buque de rosas. Queria impressionar. O momento em que se viram pareceu que o tempo parou. Uma concessão Divina para aqueles olhares de cumplicidade. Se amaram de começo. Se amaram de fato. Se amaram. Três dias sem sair do quarto. Quando haviam matado a saudade de nunca terem se encontrado saíram para viver Paris. Agora podiam andar pela cidade de mãos dadas. Juliene era uma italiana anarquista. Vivia em uma das cidades mais libertárias da Europa. Escolhera literatura pois entendia ser uma profissão romântica e sem amarras. Era assim. Pássaro livre. Roman o contrário. Polonês cheio de regras. Criado por pais comunistas e disciplinadores. Era metódico e visceral. Escolhera a polícia pela ordem e disciplina. Era assim. Pássaro preso. Mas o amor unificava tudo. Fazia das diferenças igualdade. Pelo menos até aparecerem as primeiras desavenças. Isso começou a ocorrer quando ele comprou ingressos para assistirem um jogo da Seleção Francesa. Amistoso no Estádio da final da Copa de 98. Comprou porque achou que iria impressionar a namorada. Enganou-se. Juliene amava a França mas odiava futebol. Entendia como pão e circo para o povo dos tempos de seu compatriota Cézar. Um alienador de opiniões. Teceu uma hora de comentários na cabeça de Roman sobre as teorias libertárias e anarquistas. Tudo se resumia ao ninguém é de ninguém. Frontalmente contra o que ele pensava. E para piorar a situação, ela disse que iria a um show de rock em uma famosa casa de shows com um amigo espanhol que conhecera pela internet. Mas ela não se opunha a que ele fosse ao jogo. Cada um com suas vontades. Aquilo para Roman era uma facada. Tudo que ele mais abominava. Com o pouco de sanidade que lhe restou após a discussão, saiu em direção ao estádio para assistir ao jogo. Não prestou atenção em nada que ocorria pelo caminho. Estava desapontado. Chegou até a porta do local do jogo e ficou parado olhando aquele colosso de aço e concreto. Os olhos marejados e cegos de amor e ódio. Não conseguiu entrar. Virou-se e pegou o rumo da casa de shows onde estaria a namorada. Esbarrou em um cidadão que parecia de origem árabe. O cidadão foi ao chão com o encontro acidental. Prontamente Roman o ajudou a se levantar e pareceu reconhecer o sujeito de algum lugar. Deve ser de alguma ficha policial. Pegou a mochila do homem que parecia suspeita e devolveu a ele. Tudo parecia suspeito, mas aquele não era o momento de abordagens. Seguiram seu rumo. Ele de encontro a namorada e o homem parado perto do estádio. Chegando perto da casa de shows respirou fundo e se dirigiu a entrada. Não sofreu nenhuma revista na porta e pensou em dar um esculacho no segurança. Como poderiam deixar que ele entrasse armado em uma casa lotada? E se fosse um terrorista? Mas desistiu. Aquele não era o momento de abordagens. Percebeu que duas pessoas entraram junto com ele para o interior da boate. Pareciam suspeitos. Tinham caras de suspeitos. A mesma sensação que tivera com o indivíduo perto do estádio. Mas uma cena tirou sua atenção nesse momento. Na pista de dança viu Juliene dançando com um sujeito magro com cara de toureiro. Parecia que faziam uma dança do acasalamento. Pelo menos era assim que parecia para um polonês rígido. Perdeu a cabeça. Foi em direção ao casal em quase orgia e puxou a namorada numa tentativa de tirá-la dali. Bruscamente. Ela se debateu sem entender o que se passava. Começaram a bater boca ali mesmo. No meio da pista. Ele em francês com sotaque polonês e ela em italiano com sotaque francês. O rapaz que dançava com ela tentou entrar falando em espanhol com sotaque catalão mas foi imediatamente empurrado pelo bruto polonês. Juliene foi ao encontro do amigo no chão e o ajudou a se levantar proferindo palavras deselegantes a Roman. Ele perdeu a cabeça. Sacou da pistola que era sua ferramenta de ofício e apontou para a namorada. Com os olhos rasos d´água disse que se não podia ser só dele que então não seria de ninguém. Antes que pudesse puxar o gatilho Juliene caiu ao chão. Sem vida. Tinha levado um tiro pelas costas. Roman viu um dos cidadãos suspeitos que tinha encontrado na entrada empunhando uma arma automática. Ele havia matado sua namorada. A sua Juliene. Como num reflexo de ódio, ele virou a mira da arma que empunhava e num tiro seco atingiu a testa do homem que havia matado a namorada. Nesse momento a polícia francesa invadiu o local e um agente vendo-o de arma em punho atirou sem perguntar. Sem tempo de reação. Sem tempo de comoção. Sem tempo de despedida. Roman caiu morto em cima de Juliene que jazia no chão frio de Paris naquela noite de desamor.      

 

* essa é uma estória de ficção

  

   

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 20 de novembro de 2015

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

o mar e o sertão


O mar e o sertão

 

            Dona Sá vivia naquela casa desde que o marido tinha conseguido emprego em uma mineradora em idos passados. Antes viviam no interior do Mato Grosso e trabalhavam o campeio do gado de corte. Marcos era o nome do afortunado que tinha levado Sabina ao altar. Depois de muito tempo virou Dona Sá. Dona Sá do Marcos. Desde que mudaram para Minas Gerais a vida tinha se tornado mais tranquila. Nada de perder o marido para as intermináveis comitivas que transportavam gado para o abate ou para fugir das cheias do pantanal. Ali no interior das Minas parecia que o tempo tinha parado. Tiveram seus filhos. Quatro. Tiveram seus netos. Quatro. Tiveram felicidade. Mas o infortúnio um dia se abateu sobre o casal. Na verdade se abateu sobre Seu Marcos. Um ferimento no pé provocado por ferramenta de trabalho foi infeccionando e como era do feitio do homem bruto, não reclamado a tempo. Foi tomando conta e a fatalidade veio a levar o marido de Dona Sá para os braços do Senhor. Ficou Sá sem Marcos. Com o desgosto provocado pela perda do pai cada filho foi tomando um rumo. Alguns foram para a capital em busca de melhores oportunidades e uma não se sabia o paradeiro. Fugira de casa. A mais nova. Sempre tida pelo pai como desajustada. Deixou para a avó um presente. Mariana. Neta que a filha abandonara antes da fuga. Era o xodó de Dona Sá. Muito insistiram os filhos para que a mãe fosse morar com um deles na capital mas Dona Sá alentava o desejo de continuar vivendo no vilarejo em que fora tão feliz com seu homem. Conformaram-se os filhos e ficaram avó e neta a formarem uma família. Uma para a outra. Depois da morte do marido Dona Sá adquiriu um problema nas pernas que a levou a precisar de cadeira de rodas. Nunca diagnosticaram direito o que era. Muitos atestaram que poderia ser desgosto. Mas vida que segue. Seguia até que um dia estava Mariana a brincar no seu quarto com a boneca de pano feita pela avó quando da janela gritou Dona Sá. Correu em direção da avó mais que depressa. Sabina estava na janela observando o mar de lama que se avolumava em direção a sua casa. Estava petrificada. Sem reação. Sua moradia, pela antiguidade era uma das primeiras da vila e quase isolada do restante. Por um momento pensou em correr mas imaginou a cena de uma velha em cadeira de rodas e uma criança de 5 anos a fugir de uma onda avassaladora. Desistiu. Preferiu deixar o destino cumprir seu feitio. Chamou a neta e tentou disfarçar para não provocar medo na pequena. Lembrou-se do único filme que tinha assistido na capital ainda em companhia do marido. “A vida é bela”. Lembrou-se do pai que fizera de tudo para salvar o filho do holocausto. Decidiu fazer o mesmo com a neta. Inventou uma estória. Imaginação. “Mariana você não acredita no que está acontecendo?! Seu sonho vai se realizar!”. A neta acalentava uma vontade de conhecer o mar e a avó dizia que um dia a levaria para experimentar a água salgada. Também Dona Sá não conhecia o mar. Também acalentava o desejo de fazê-lo. Sem pensar muito sentou a criança no colo e disse que se as duas não podiam ir até o mar, que o mar tinha vindo até elas. Mariana num entusiasmo infantil correu até o quarto. Sem que a avó tivesse reação ela disse que iria buscar a boneca de pano. Também a boneca tinha desejo de conhecer o mar. Chegou com a boneca nos braços e abancou-se no colo da avó. Dona Sá conseguiu ainda ver escrito no vestido branco da pequena boneca o nome da neta escrito de caneta azul. Mariana. E ficaram as duas, com lágrimas nos olhos, a observar pela janela aquele sertão, que por ora, virava mar.

 

            Juliana estava a observar como sempre fazia quando os afazeres da escola deixavam. Fazia o quarto ano e era boa aluna. Observava o mar e toda aquela lama que descia de não sei onde. O professor da escola tinha explicado para a turma sobre o acidente ambiental e tudo mais mas ela não conseguia se conformar com toda aquela terra transformando o seu lindo mar. Seu mar. Participou até da campanha de doação para os desabrigados que sofreram com o mar de lama entregando bonecas que não usava mais para diminuir o sofrimento das crianças, mas no fundo tinha mais dó daquele desastre ecológico. Não que não se preocupasse com as pessoas, mas o mar era sua vida. Tinha tempo que acalentava o sonho de fazer oceanografia e cuidar da vida marinha. Sempre teve fascínio pelas ondas e pela maresia. Por isso com frequência era vista coletando conchas na orla de onde morava no Espírito Santo. Não era diferente naquela manhã nublada de sábado. Só era diferente a cor da água que teimava em permanecer turva. Vermelha como a terra do sertão. E foi nessa inspeção matinal de conchas que encontrou uma boneca semienterrada. Estava só com a cabeça para fora. Retirou-a da areia e levou até o mar para lava-la. Estava encardida de lama mas conseguiu ler escrito em seu vestido agora marrom. Mariana. Achou aquilo de uma coincidência incrível. Tinha enviado bonecas para as crianças vítimas do desastre e tinha recebido outro em troca. Como se o destino a agradecesse pelo ato de bondade. Tomada por uma alegria imensa abraçou a boneca. Ficou ali alguns minutos contemplando aquela sobrevivente que vinha de não sei onde. Decidiu que a adotaria. E como primeira lição de mãe quis lhe mostrar o mar. “olha mariana, esse é o mar. Aposto que nunca você viu coisa mais linda”. E ficaram as duas por longo tempo a observar, com lágrimas nos olhos, aquele mar, que por ora, virava sertão.                        

           

* essa é uma estória de ficção

  

   

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 13 de novembro de 2015

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Pedido de Natal

Pedido de Natal

            A família Queiroz era tipicamente brasileira. Descendente duma miscelânea que envolve portugueses, italianos, africanos, índios e um toque do oriente. Se pegar a árvore genealógica mais parece um ninho de guacho. Todos falam ao mesmo tempo e a reunião familiar é sempre cercada de surpresas. Tinham uma tradição muito forte no calendário de eventos familiar: o Natal. Sempre foi assim. O evento esperado do ano. Seu Filomeno, patriarca da família, era louco com as festas natalinas. Dona Cotinha, a matriarca, fazia aniversário no dia 25 de dezembro então sempre faziam duas festas em uma. E assim foram criados os filhos. Filomeno Filho, o Filozinho, Florêncio, Vanildes e Shirley Maria. Essa última em homenagem a atriz Shirley Temple de quem a mãe era fã incondicional. Cada filho com seu cônjuge foram se ajeitando. E uns até com dois cônjuges, logicamente que não ao mesmo tempo. Cada um com seus filhos e até netos. Tudo isso perfazendo um total de mais de quarenta pessoas diretos e agregados. Tudo junto e misturado. Infelizmente uma doença coronária levou Seu Filó para os braços do Senhor e Dona Cotinha foi de embrulho por não aguentar a tristeza de viver sem o marido. Coisa de dedicação de uma vida. A família se abateu. A família quase morreu. Mas não podia. Tinham que renascer apesar da dor. Tinham. Pois estavam no primeiro Natal pós-perda. Oportunidade de retomar a vida. Chegaram a cogitar em reunião de família abortar a comemoração, mas decidiram manter a tradição. Seria em homenagem aos patriarcas. Homenagem justa. Pois organizaram. E a noite chegou. Aquela coisa de Natal. Cheiros de quitutes assando no ar. Presentes mil embaixo da árvore grande na sala. Adultos, adolescentes, crianças e recém-nascidos as voltas com o espírito natalino. Uma profusão de cores, sabores e rumores. Tudo junto e misturado. Pois não há de ver que tinham a tradição da entrega de presentes pelo Papai Noel. Era feiro por seu Filó, mas com o tempo foi substituído pelo filho mais velho o Filozinho. Tradição que passa de pai para filho. Desta feita Filozinho resolveu alugar uma roupa de Papai Noel. Com barba e tudo. Seria mais interessante para as crianças. Combinou com os irmãos, cônjuges e ex-cônjuges o que cada um iria ganhar para dar mais veracidade à boa farsa montada. Pois na hora combinada chegou o Papai Noel com o saco nas costas. Só alguns presentes porque não cabia tudo no saco. Foi aquela algazarra. Emoção só. As crianças boquiabertas, os adolescentes reclamando de pagar mico e os recém-nascidos chorando perante aquele homem todo vestido para neve em pleno trópico. Sei que a ideia foi um sucesso. Cada um, aos poucos, foi entrando na brincadeira e pedindo seu presente, que era solicitamente atendido pelo bom velhinho. E assim foi transcorrendo a noite com o farfalhar dos papeis sendo rasgados e a renovação entrando de vez na família Queiroz. Assim é a vida. Um eterno recomeço. Pois sobrou por último, no seu pedido ao Papai Noel, o segundo filho mais velho. Florêncio estava visivelmente emocionado. De todos os irmãos era o que tinha mais sentido a morte dos pais. Pois estava ele parado ali diante do Irmão Noel tentando dizer o que queria de presente de Natal. Não conseguia seguir com o combinado. Estava congelado. Chorava. Sucumbia à emoção. Os irmãos começaram a se preocupar e aos poucos buscaram incentiva-lo a dizer qual presente queria para evitar constrangimentos e atropelos na noite que se mostrava maravilhosa. Mas nada fazia o cidadão dizer o que queria. Até que o “Papai Noel” se cercou de todo afeto e disse ao irmão que se não conseguisse falar que poderia escrever numa cartinha o seu desejo de presente. Logicamente que o fantasiado já estava deveras preocupado porque já intuía que não conseguiria atender ao irmão por já perceber que o combinado já tinha ruído. Mas estava mais preocupado com irmão e incentivou a fala mesmo que não pudesse cumprir seu desejo. E assim os outros adultos foram percebendo as intenções de Filozinho e iniciaram ajudar na improvisação da encenação. Com os olhos cobertos de lágrimas, Florêncio conseguiu escrever numa folha de papel o seu desejo tão emocionado. Entregou o bilhete ao irmão que leu e imediatamente fez rolar uma lágrima na face do Papai Noel. E um a um os irmãos foram chegando e lendo aquele bilhete e as lágrimas tomaram conta de todos. E uns abraçando aos outros num demonstração explícita que todos ali desejavam a mesma coisa. Foi uma emoção nuca experimentada pela família. Aqueles adultos abraçados no centro da sala em prantos e as crianças e adolescentes atônitos sem entender o que estava ocorrendo. Foi quando o bilhete caiu da mão de um dos adultos e repousou manso no chão. Mais que depressa Filozinho Neto foi ao encontro do pedaço de papel para poder entender o fenômeno que ocorria. Pegou o mesmo e leu para os que estavam de fora do abraço coletivo. Estava escrito em letras trêmulas por conta da emoção:
“Meu desejo de Natal é conseguir emitir e pagar a guia do imposto simples da minha empregada doméstica no site do e-social”
Esses adultos são mesmo uns doidos disse Filozinho Neto e com a concordância dos demais menores foram atacar o peru de Natal que já estava esfriando na mesa da ceia.          
       
Guilherme Augusto Santana
Goiânia, sexta feira 06 de novembro de 2015

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

cozinhando com o Coveiro 5 - oriental femminili


Cozinhando com o Coveiro 5 – oriental femminili

 

           

A maioria das pessoas acha que um prato para ser aclamado tem que ser complexo e cheio de gourmetização. Tipo aqueles que ficam cozinhando por dias a fio ou em temperatura constante à perfeição. Eu entendo que comida boa pode ser simplificada e nem por isso perder sua essência. Outro engano é achar que tem que produzir tudo na cozinha. Tipo não pode usar maionese industrializada ou molho pronto. Depende. Existem tantos produtos de boa qualidade nos nossos mercados hoje em dia que a grande maioria das pessoas não consegue distinguir o caseiro do industrializado. Se tiver oportunidade faça a sua própria maionese (se bem que para chegar no ponto...) mas se a celeridade não lhe permitir, não tenha vergonha de lançar mão de produtos já prontos mas que tenham qualidade. Quer ver?

            Achei esses dias camarão médio já cozido. Muitos torcerão a cara dizendo que bom são os frescos com casca. Mas se só em pensar em descascar camarão te dá arrepio, deixe o pudor de lado e leve o pré cozido. Quer uma vantagem? Eles já estão no tamanho final de cozimento. Melhor que pegar aquele camarão extra grande que após passar na frigideira desaparece e te deixa com a sensação que comprou gato por lebre. Tempere-o com alho batido e sal (lembre-se que o camarão é primo primeiro do alho) e acrescente gengibre amassado. Gengibre é sem dúvida nenhuma, na minha opinião, o tempero que mais lembra que algo é oriental. Pois reserve esse camarão para pegar o tempero. Muitos perguntarão: e o limão? Não vai passar? Nesse caso não. O camarão já é pré cozido e o limão iria apressar ainda mais o processo de cocção. Além do que o uso do limão e outros produtos ácidos serve para retirar cheiro forte de peixe e frutos do mar. Nesse caso não há necessidade. Peque uma frigideira e em fogo alto despeje um fio de óleo de gergelim. Coloque uma porção generosa de ervilha torta (hummmm). Junte umas três folhas de salvia que colheu na horta (ainda não tem horta? Tá passando da hora né?). Salteie brevemente para manter a ervilha crocante. Sal e pimenta do reino. Reserve. Na mesma frigideira reforce o óleo de gergelim (pode usar azeite mas não fica com aquele gostinho oriental do gergelim) e coloque gengibre picado. Porção generosa. Deixe fritar como alho. Acrescente os camarões. O cozimento é bem rápido. Antes de chegar ao fim ponha uma dose de saque. Pensa no aroma na cozinha. Não invente de flambar senão vai sujar o fogão. Volte com as ervilhas tortas. Abaixe o fogo e acrescente molho para yakssoba. Aí vem a questão. Existem bons molhos no mercado. Se estiver com tempo faça o seu. Como? Carcaça de frango cozida na panela de pressão até derreter, shoyu, açúcar, gengibre, Ajinomoto, saquê para cozinha, sal e amido de milho (vulgo maisena). Fica show de bola, mas demora mais tempo fazendo o molho que o prato completo. Fique à vontade. Acrescido o molho deixe até borbulhar e reserve. Agora vem uma operação delicada. Cozinhar o bifum. O que é? Macarrão de arroz. Super delicado. Mas bota delicado nisso. Faz assim. Ferva água com sal. Assim que ferver, desligue o fogo e mergulhe o bifum. Tampe a panela e deixe por aproximadamente três minutos. Cuidado para não passar do ponto senão ele se desmancha. Escorra o macarrão e acrescente no molho que está reservado. Faça aquela firula com cebolinha verde picada. Nessa hora a cozinha já está com cheiro de oriente e está em tempo de abrir aquela cerveja especial. Qual? Lion Fish Femminili. Desenvolvida para o paladar sensível das mulheres tem adição de pétalas de rosas e hibiscos em seu feitio. Os aromas florais de rosas e sabores tendendo para o azedo do hibisco rasgam o verbo para o picante do gengibre. Posso lhe garantir que nem cachorro come. Porque não sobra. Bom apetite.         

 

ps. Onde achar a Lion Fish Femminili?  www.reinodomalte.com.br    

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 30 de outubro de 2015


 

 

Quer ver a cara do bifum com camarões e ervilha torta harmonizando com a Lion Fish Femminili?
 

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

a arte de envelhecer


A arte de envelhecer

 

            Ontem estávamos comemorando o aniversário de mamãe (como ela gosta de ser chamada) quando me detive a observar minha avó de 87 anos iniciando sua segunda caneca de chopp. Bebia como se aquela fosse a primeira de sua vida. Com uma boca boa. Lembrei-me de Miele que havia nos deixado há poucos dias. Muitos agora poderão se perguntar qual a relação entre minha avó e o Miele e eu me proponho a respondê-la de imediato. Nenhuma e muitas. A relação, na verdade, existe somente na mente do escritor que se esforça para compreender um pouco mais do sentido da vida. Mas do que estamos falando? Da arte de envelhecer.

           

Só fui entender quem foi a figura Luís Carlos Miele quando assisti a um musical sobre a vida da cantora Elis Regina em São Paulo uns tempos atrás. Vi a carreira de uma pessoa fora da curva, no caso de Elis, ser descoberta e alavancada por uma figura que dominava o meio cultural brasileiro nas décadas de 50 e 60. Não só a carreira da pimentinha, mas também a de artistas como Roberto Carlos, Alcione, Wilson Simonal, Sérgio Mendes, Milton Nascimento, Agnaldo Timóteo entre outros. Tudo isso numa classe fora do comum. Foi produtor, ator, escritor, apresentador e diretor de teatro, cinema, televisão e espetáculos. Hensga! Um currículo invejável. Até assistir o espetáculo sobre Elis tinha na figura de Miele um senhor muito do safado que apresentava um programa de top less, em pleno horário nobre da televisão brasileira, nos anos 90. Não que eu não gostasse, mas o tinha na mesma conta do Peréio. Um arremedo de bon vivant decadente. Estava enganado. Sua produção cultural foi invejável e continuou até o fim. Não com o glamour que o cercou nos tempos idos, mas com a maturidade que seus mais de 70 anos lhe conferiram. Soube alavancar os artistas e se alavancar. Pareceu entender o papel de coadjuvante que ajuda no sucesso geral. Soube envelhecer com classe.

           

Minha avó, mais conhecida como Dona Fia, ficou viúva muito cedo. Nem por isso terceirizou as rédeas da família. Nunca de maneira matriarcal italiana com pulso firme e tom elevado. Sempre ficou nos bastidores. Observando o que se passava em torno dos filhos, genros, noras, netos e bisnetos. De vez em quando conversava com um pontuando algo que ela entendia ser o essencial. Outras vezes mostrava sua discordância sem alterar o semblante. Eram conselhos de vovó. Nunca a vi alterando a voz. Nunca precisou. A família sempre se fechou em torno dela. O argumento era para cuida-la, mas no fundo ela que sempre cuidou da família. Curtiu as viagens as praias com todas as confusões provocadas pela aglomeração de pessoas. Foi a Disney e andou de montanha russa no carrinho da frente para agradar os netos. Mora sozinha, borda à perfeição e cuida de suas plantas com mãos de fada. Ontem quando a vi iniciar sua segunda caneca de chopp e lembrei-me de Miele, senti uma sensação diferente. Senti que ela observava a todos na mesa como se desse a benção para aquela balburdia familiar, mas também senti que envelhecia. Passava mais ainda aos bastidores. Assumia o papel de coadjuvante. Agora realmente precisava ser cuidada. Mas mostrava ali a todos que quisessem ver a sua arte. Suprema. Coisa que poucos dominam. A arte de envelhecer com classe.         

   

             

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 16 de outubro de 2015

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

não é meu!


Não é meu!

 

           

Zé Coalho era o nome de guerra. Tinha adquirido a alcunha pelo ofício. Fabricante de queijos do Município de Cunhalândia no interior do Estado de Minas Gerais. Era o único a se ocupar do importante labor. Passava todos os dias nas fazendas recolhendo o leite e na volta vendendo o queijo. De tão conhecido resolveu um dia se candidatar a vaga de vereador. Diziam para ele que pessoa boa tinha que defender o povo. E ele era pessoa boa. Muitas vezes fazia queijo fiado quando via a dificuldade de um ou outro. Sua esposa Maria do Zé do Coalho não gostou muito da ideia do ingresso na politica. Dizia que esse assunto era para gente letrada, e seu marido assinava documentos com o dedo polegar. Não tinha nem conta bancário o pobre coitado de vergonha de ter que manchar o dedo na almofada azul. Mas nada desencutia da cabeça do Zé a possibilidade da candidatura. Precisava defender o povo do seu município. E assim foi feito. Candidatou e ganhou. Ascendência meteórica. Caiu nas graças do Prefeito e logo se tornou líder do governo na Câmara. Dai para Presidência da casa foi um pulo. Agora Zé do Coalho sentava na cadeira da cabeceira. Zé do Coalho não! Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cunhalândia José da Silva. Mas nada adiantava esconder a alcunha. Todos o conheciam pelo apelido. E assim ia. Certo dia surgiu um boato. Uma conta bancaria de Zé Coalho na capital. Com um depósito vultoso. Logo se espalhou pela cidade. Igual rastilho de pólvora. Certeza que virou aglomeração de gente na frente da Câmara dos Vereadores. Um diz que me diz de gente querendo explicação. Gente acusando: “Como pode um vereador que veio do povo estar envolvido nesse tipo de irregularidade?”. Gente defendendo: “Pode ser engano”. Todos aguardando o pronunciamento do Senhor Presidente. Surgiu outro boato. O dinheiro depositado na conta na capital era propina de empreiteira que tinha feito a reforma na praça central. E que reforminha mais meia boca viu?!! Aí a confusão estava formada. Uma revolta só. Zé do Coalho tido como cidadão respeitado e honesto envolvido em corrupção?! A turba foi ficando histérica e já tinha empurra empurra quando o acusado saiu pela porta da frente e improvisou uma fala à multidão. Negou veementemente que tivesse conta em banco na capital e principalmente que tivesse recebido propina de empreiteiro que fosse. Aplausos foram ouvidos timidamente. Vaias em maior quantidade. Manoel do banco gritou indignado: “sou gerente do banco aqui do município há trinta anos e nunca abriu uma conta conosco. Agora abre uma na capital? Isso é muita trairagem!” Mas Zé do Coalho defendia a postura de que tudo não passava de intriga da oposição. Foi quando Maria do Socorro, irmã da esposa de Zé, veio em seu socorro: “você não está se lembrando Zé? Essa conta foi aberta na capital para pagar o tratamento da minha irmã.”. Nesse momento o acusado teve que admitir. Realmente havia uma conta em seu nome na capital. Mas tinha sido por um motivo justo. Sua esposa foi acometida de câncer e só havia tratamento na capital. Usou suas economias para custear as despesas. Fazia transferências para o hospital daquela conta aberta. Disse isso à multidão que estava se enfurecendo com os desencontros de informação. Admitiu o engano. Tinha realmente uma conta na capital. Tudo para salvar a esposa enferma. Zé chorou. A multidão chorou. A oposição não: “E o dinheiro depositado na conta?”. Soma considerável para o salário de vereador. Esse não estava explicado. Zé alegou que não era dele. Que tinha vida condizente com seu salário. Nada além disso. Muita gente assentiu daquela informação. Mas tem um dinheiro nessa conta. Precisava esclarecimento. Se não é do Zé então de quem seria? Quem teria depositado? Seria armação da oposição? Zé jurava tanto que aquele dinheiro não lhe pertencia que prometeu dividir a soma com a população do município. Ouviram-se muitas palmas e um coro de “Zé” “Zé” Zé”. Mas não era esse o caso. “Então vamos montar uma comissão para averiguações na capital”. Sugeriu um outro vereador. Boa ideia. Comissão foi sendo montada. Vai o Prefeito, Padre, Vice Presidente da Câmara, representante da oposição, Seu Antônio Ancião, Dona Maricota da rádio comunitária. E foi crescendo a quantidade de gente. Quando é fé metade da cidade compunha a comissão de esclarecimentos. E quem pagaria a conta do deslocamento? A prefeitura é claro! CPI do Zé. As mulheres correram em casa para preparar as marmitas de farofa de frango para a viagem. A distância não era grande mas tinha a tradição da parada para a farofa. Subiram todos no ônibus escolar para seguir para capital. Nesse dia não haveria aula porque não haveria ônibus escolar. Nem expediente na prefeitura porque não haveria Prefeito. Nem na Câmara porque nem vereador tinha. Feriado municipal foi decretado. E todos partiram rumo a capital. Chegando à porta do banco da capital aquela quantidade de gente, a população achou que era manifestação. E logo se formou aglomeração. Entraram todos no banco e logo se dirigiram ao gerente. Todo mundo era autoridade ali. Exigiam explicações. O gerente ainda tonto com aquela situação correu para a sala das gravações. Talvez conseguisse identificar o depositante da quantia pelos vídeos de segurança. Todo mundo seguiu para a sala apertada. Ninguém queria perder. E o Zé confiante que seu nome seria limpo daquela acusação infame. E não é que conseguiram identificar uma pessoa! Um senhor de barba farta e casaco. Uma coisa estranha para aquele calor dos trópicos. Mas o ângulo era muito ruim. Não dava para identificar mais detalhes. De qualquer forma não parecia ninguém da cidade. E com isso o acusado já gritava em bom e alto som: “Eu falei que não era meu esse dinheiro! Deve ser gente da oposição!”. O representante da oposição iniciou um bate boca que logo foi esfriado por outra ideia. “Vamos procurar nas fichas de depósito a identificação do senhor de barba e casaco. Com essa soma de depósito é norma do banco que haja identificação do depositante.”. Correram para o saguão do banco que há essa hora já estava aquela confusão de gente. Pega o livro de registro. Abre na página do dia. Eis que estava escrito lá o nome do meliante. O Zé já gritou para o Juiz da cidade que estava presente na comitiva: “manda prender Seu Juiz! Olha aí o safado que quer me denegrir”. O Juiz logo rebate: Então me diga logo no nome dele que já emito mandado de prisão.”. O gerente do banco leu o nome do cidadão em voz alta: “Santa Claus”. Era o que estava escrito. Nisso uma senhora do caixa gritou de lá: “Ah me lembro desse senhor que fez o depósito! Ele desceu num treno com umas renas!”. Eis que Zé não titubeou: “ então manda prender essa renas também Seu Juiz! Devem ser comparsas. Eu não disse que esse dinheiro não era meu?!” 

           

 

 

* essa é uma estória de ficção

 

    

   

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 09 de outubro de 2015

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

pelos meus, pelos seus, pelos nossos


Pelos meus, pelos seus, pelos nossos

 

           

            Hassan e Omar eram quase irmãos. Só não tinham os laços sanguíneos, mas nasceram no mesmo ano, foram criados juntos e principalmente professavam a mesma fé religiosa. Irmãos de direito. A periferia de Damasco, na Síria, foi o local onde aprenderam os primeiros passos, as primeiras palavras e os primeiros textos do Alcorão. Não podiam dizer que a vida era fácil, pois seu país sempre viveu em guerra. Desde que eles se entendiam como gente. Mas eram felizes com o que tinham e cultivavam um grande orgulho de suas origens e de seu país. Até o dia que apareceu o Estado Islâmico e separou os dois amigos-irmãos. Hassan conseguiu se esconder ajudado por sua família, mas Omar não teve a mesma sorte. Foi levado pelos soldados armados e ficaram mais de ano sem se verem. A família já o considerava morto, mas o amigo cultivava ainda a esperança de se encontrar novamente com Omar. E assim a guerra foi recrudescendo. Cada dia ficava mais difícil a sobrevivência em sua casa. Num ato extremo Hassan decidiu fugir. Traçou os planos, pegou o dinheiro que acumulara em seus anos de trabalho duro e mirou o destino. Alemanha. Lá seria seu porto seguro. Começou assim sua via crucis. Encomendou a travessia até a Turquia e de lá seguiria até o seu destino final. Estava disposto a atravessar a Europa a pé. De joelhos se fosse preciso. Numa noite sem lua entrou no barco que iniciaria sua jornada. De cabeça baixa entoava uma reza para o sucesso da jornada. Lágrimas escorriam ao lembrar-se dos familiares e amigos mortos pela guerra sem propósito. Mais lágrimas ao lembrar-se dos que ficavam no inferno. Aquele inferno que era sua pátria. Seu solo. Lembrou-se de Omar. Chegou a ouvir sua voz sussurrando as mesmas frases do Alcorão. Aquelas que aprenderam juntos. Foi quando tomado pela surpresa olhou para o companheiro que estava ao seu lado no barco e identificou sob a luz pálida da noite seu amigo querido. Irmão. Foi uma comoção sem par. Abraçaram-se e assim permaneceram por alguns minutos sem palavras. Só lágrimas. Um reencontro. Um bom sinal para uma vida nova que pretendiam começar. Omar contou ao amigo os terríveis dias que passou nas mãos dos terroristas. Torturas sem fim. Mas tinha escapado. E como Hassan, estava disposto a esquecer das agruras vividas em seu país e começar nova vida. Juraram ali naquele barco não se separarem mais. Juntariam forças e viveriam felizes. Porém a vida lhes pregaria nova peça. Com o mar revolto o barco não aguentou e virou. Homens ao mar. Foi um desespero total. Gritos e choros quebravam o silêncio da noite. Foi então que os amigos se separam mais uma vez. Hassan conseguiu nadar até a praia turca. Exausto procurou seu irmão. Nada. Passou dois dias naquela praia esperando notícias. Nada. Resolveu seguir caminho. Tinha perdido seu amigo mais uma vez. Mas restava-lhe a esperança. Sempre. Algo lhe dizia que iriam se encontrar de novo. Mais uma vez foi adiante. Andou um sem numero de milhas a pé. Trem. Carona. Chegou. Alemanha. Berlim. Foi acolhido. Uma família alemã lhe deu pouso. Água. Comida. Um banho. Uma esperança. Iniciou nova vida. Arrumou emprego. Trabalhou. Ajudou refugiados que fugiam da guerra como ele. Ganhou uma família. Berta e Claus. Não tinham filhos. Adotaram Hassan. Hassan os adotou. Saia todo dia de manhã para comprar o café da manhã de seus pais adotivos. Ia pensativo pelas ruas frias de Berlim mas sempre com um sorriso no rosto. Alá tinha lhe dado uma nova chance. E ele era imensamente grato por isso. Abriu a porta da mercearia e foi logo cumprimentando o dono. Já era conhecido no bairro. O filho sírio de seu Claus e Dona Berta. Foi quando num átimo de segundo viu Omar sentado numa mesa de canto. Seu coração transbordou de alegria. Parecia não acreditar que o destino tinha lhe presenteado mais uma vez com aquela oportunidade. Andou a passos largos em direção ao amigo. Parou na sua frente e esperou avidamente ser reconhecido. Omar levantou os olhos e olhou diretamente para Hassan. Sem uma palavra proferida levantou-se e foram de encontro um ao outro. Mas dessa vez foi diferente. Omar puxou uma arma e rendeu Hassan colocando-o em posição de refém. Gritou em voz alta palavras que Hassan não conseguiu entender. Não queria entender. De imediato as pessoas que estavam no estabelecimento saíram em disparada. Em segundos estavam os dois sós naquele local. O mesmo que Hassan comprava café todos os dias para seus pais. Ele custou a entender o que estava acontecendo. Não entendia. Ficaram horas em silencio enquanto do lado de fora se formava a aglomeração de pessoas. Polícia. Imprensa. Palanque. Adolf, político ultra direitista já estava a vociferar palavras de ódio aos imigrantes. Aqueles que a Alemanha acolhera com tanto desprendimento e agora envenenavam as entranhas da alma germânica. Quem olhava de fora quase via uma certa figura histórica que havia arrastado o mundo para uma guerra. Gritava em alto em bom som que fazia aquilo pelos seus compatriotas. Pelos seus. Mas Adolf não falou muito tempo sozinho. Logo começaram as contraposições de Ali. Sírio erradicado alemão que tinha uma ONG de direitos humanos de refugiados. Vivia para ajudar compatriotas que buscavam a sobrevivência na Alemanha. Muitas vezes radicalizava o discurso e levava até as últimas vias seus propósitos. Cada palavra gritada pelo extremista de direita era rebatida pelo extremista de esquerda. “Pelos meus compatriotas” falava Ali. Pelos meus. Alheios a toda essa confusão que se formava do lado de fora, Omar e Hassan permaneciam em silencio dentro da mercearia. Só lágrimas. Pareciam não querer entender os motivos um do outro. Foi quando Omar falou ao amigo que Alá o havia enviado para destruir o inimigo. Carregava bombas pregadas ao seu corpo e o detonador estava em sua mão. Esperava a hora que a aglomeração se tornasse mais intensa do lado de fora e sairiam para detonar a bomba e cumprir seu destino. Fazia aquilo por Alá, pelo Estado Islâmico e pelos nossos compatriotas. Pelos nossos. Foi nesse momento que Hassan pode olhar mais atentamente pelo vidro e enxergou seus pais perto do cordão de isolamento feito pela polícia. Berta e Claus olhavam para ele como se quisessem trocar de lugar com o filho. Nesse instante passou um filme por seus olhos. Todos os momentos que vivera até chegar aquele lugar. A vida em Damasco. Seus pais biológicos que morreram por conta da guerra. A travessia até chegar a Alemanha. Os pais que o acolheram com tanto carinho. O reencontro com o amigo-irmão. A vida que lhe sorrira novamente. A vida. Com os olhos marejados a olhar o casal que esperava apreensivo sua libertação, virou-se para Omar e falou que faria aquilo por todos. Pelos meus, pelos seus e pelos nossos. Apertou o detonador na mão do amigo e os dois morreram ali sozinhos naquela manha fria de Berlim. Sozinhos.             

 

 

* essa é uma estória de ficção

 

    

   

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 25 de setembro de 2015