Bingo!
Muitas
vezes escutamos que a festa mais popular no Brasil é o carnaval, porém algo me
leva a crer que nos enganamos redondamente. Esse posto deveria ser dado ao
Natal. Como assim popular? Calma que já explico. Vamos pensar juntos. Qual a
festa que a grande maioria se reúne? Qual a festa que você tem oportunidade de
rever pessoas que só encontra uma vez por ano? Qual a festa que tem a maior
quantidade de tradições embutidas? Fácil resposta: Natal! E por conta dessas “tradições”
que a festa cristã enseja um espetáculo para quem gosta de observar. Primeiro
que a véspera é mais agitada que o próprio dia do evento. Aliás a grande
maioria das festas acaba antes da virada da meia noite. Ou se arrasta até a
primeira meia hora pós passagem e por ali termina. Com exceção, é claro,
daquele tio seu que exagerou na cerveja e vai ficar cantando moda de viola até
cair no sofá e ser carregado pela tia com cara feia. Isso é ou não uma tradição
da família brasileira? Isso quando a pessoa que está incumbida de ser o Papai Noel
da noite não bebe todas e começa a trocar os presentes. Logicamente que coloca
a culpa em quem escreveu os nomes nas etiquetas ou a falta do óculos de leitura
que esqueceu em casa. Geralmente ele está sentado em um banquinho para evitar tragédias
maiores, mas sempre tem o momento surpresa quando se levanta cambaleando para
entregar um embrulho para uma prima que nunca recebe presentes. Nesse momento
os pais que estão sóbrios tentam evitar que o velhinho Noel pinguço não desabe
sobre seus filhos que estão debaixo do monte de papeis rasgados de presente. Aliás
esse é outra tradição muito recorrente na noite de Natal. Os presentes. Montes
deles. E ultimamente andam ficando mais volumosos e mais baratos. Mais papel
que conteúdo. Tem sempre o membro da família que ganha 2/3 deles o que
geralmente é inversamente proporcional à sua idade. Quanto mais novo mais mimos.
A criança fica até zarolha com tanto pacote colorido. São uns trambolhos enorme
que não sei como os pais enfiam no carro para irem embora. Fora o tanto de peça
de plástico que se perde debaixo do sofá ou na boca do cachorro da tia que leva
o canino para festa por conta do medo que o animal tem de fogos de artifício.
Isso porque a senhora do cachorro esquece que fogos são usuais no réveillon e
não no Natal. E têm também os que nunca ganham presentes e quando acontece um
milagre saem abraçando todo mundo em agradecimento. Geralmente esses são
comprados nas lojas de 1,99. Têm também os que ganham meias e lenços. Um Natal
um e no outro o outro. Vê-se os sorrisos amarelos em suas dentaduras porque na
verdade eles queriam ganhar um panetone de chocolate e explodir o índice
glicêmico. Têm os tios que só ganham bebidas alcoólicas e sempre brincam: “pessoal
acha que eu só bebo”. Geralmente esse é o que dorme no sofá ou faz aquele
comentário desagradável sobre a gravidez de uma sobrinha que na verdade esta
gordinha. Têm também os que ganham os presentes de grife. Ah esses são os
invejados. Geralmente a parte rica da família que comprou seus presentes no
exterior. É um desfile de grife de roupas. O resto dos convivas com odinho mal
sabendo que essas roupas vão ficar anos no guarda roupa porque não serviram ou
ficaram largas. E servirão, impreterivelmente, de presentes em natais futuros
(e tem sempre o bom de memória da família que comenta que já viu aquela blusa da
Hugo Boss em edições anteriores). E as comidas? Ah esse é um capítulo que
valeria uma crônica solo. Castanhas, frutas de todas as espécies, aves de todos
os tipos, suínos de todas as formas. E o salpicão! Claro! Tem sempre uma
receita famosa de salpicão de alguma tia da família. Aquele com passas, maça,
uva, pêssego e calda de chocolate que deveria se chamar salada de frutas e não
salpicão. E tem a leitoa. E tem a tia que leva a leitoa e jura de pé junto que
no próximo Natal não vai ficar responsável pelo suíno porque o óleo de
pururucar queimou os pelos do seu braço. Para aqueles que não são de Minas ou
Goiás faço um parênteses. Pururucar e a arte de esquentar óleo a exaustão e
jogar sobre a pele da leitoa fazendo com que a mesma forme bolhas crocantes e douradas.
Falo que é uma arte porque somente 0,1% da população mundial consegue esse
efeito no porquinho. No mais fica uma pele borrachenta e oleosa. Mas voltando
às comidas, o peru que era tradicionalíssimo nas mesas foi perdendo espaço para
os chesters e fiestas da vida. E tem sempre a prima vegana que comenta que
aquela ave é uma modificação genética e que provoca câncer e nascimento de
penas nos consumidores. E tem sempre o sobrinho que chora com a conversa porque
não quer que cresçam penas nele. E a farofa? Esse é o acepipe mais variado da
festa. Tem de todo jeito. Cada uma mais elaborada que a outra. Chego a pensar
que a receita é a mesma do salpicão só que com a adição de farinha. Aliás a
farinha é a que menos importa na farofa. E no fim da festa tem sempre uma avó
que enxerga mal e faz questão de juntar todos os restos de farofa fazendo uma
maçaroca sem tamanho. Dá até ânsia de vomito. Aí depois de distribuídos os
presentes, bebido e comido como se o mundo fosse acabar no outro dia, vem o
entretenimento tradicional do Natal. O bingo. Esse é diversão garantida. Tem os
que perguntam trinta vezes se o primeiro prêmio é linha, coluna ou diagonal. E
tem sempre o que responde toda vez. Tem o tio que não enxerga direito e fica
perguntando para o que está do seu lado se saiu algum número da cartela dele.
Tem sempre o primo espertinho que pega duas cartelas para ver se arremata a
garrafa de pinga que está entre os prêmios. Têm os que sempre falam que nunca
são sorteados e os que falam que tem muita sorte. Tem aquele tio que associa
todo número cantado ao jogo do bicho. Eu mesmo nunca consegui decorar essa
bicharada. Tem o engraçadinho que coloca a calçola da avó em uma caixa de whisky
e provoca os risos da galera. Menos da avó que vê sua intimidade exposta. Tem o
que grita bingo sem ter ao menos um par marcado. E grita de novo e de novo. E
no final das contas saem todos enfastiados de comida prometendo nunca mais
comer castanha na vida. Alguns em busca de um antiácido para a bebida de má qualidade
ingerida em excesso prometendo nunca mais botar uma dose na boca. Alguns com
presentes em excesso e outros com presentes em falta prometendo ano que vem comprar
auto presentes para impressionar os parentes. Fica o dono da casa com uma
tonelada de comida que terá que comer durante toda a semana fazendo receitas de
reciclagem aprendidas na Ana Maria Braga. Mas no apagar das luzes saem todos
felizes prometendo se encontrar no outro ano para comemorar o nascimento de
Jesus, que no final das contas é o menos lembrado da história. Ah e têm os tios
que chegam mais tarde por conta da missa do galo. Esses se recordaram do
aniversariante mas perderam a festa. No fim sobrevivem todos, ansiosos pelo
próximo ano.
Feliz Natal.
Guilherme Augusto
Santana
Goiânia, sexta feira 25 de dezembro de 2015