sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

carta ao Papai Noel


Brasília 16 de dezembro de 2016

 

Ao Departamento de Pedidos de Natal - DPN

Sr. Santa Clauss

 

Primeiramente me desculpo pela missiva em tempo tão exíguo para o Natal, mas é que a coisa aqui está periclitante. Falta-me OXIGÊNIO se é que entendes. Estava indo tudo bem em minha vida enquanto o foco estava só sob o AMIGO do ITALIANO e do BOB. Era uma irmandade perfeita né caro velhinho? Digna de filme da máfia italiana. Até que aquele PRIMO danado andou a colocar fezes no ventilador. Toda família tem um dedo duro. A coisa foi tomando uma proporção tão grande que agora está fora de controle. Até tentei me afastar das más companhias como a WANDA andando de lado igual CARANGUEJO, mas não deu muito certo. Busquei JUSTIÇA do outro lado, mas como você mesmo sabe, não sou de todo SANTO. Apesar de que vou a MISSA de vez em quando. Passei até a torcer para o BOTAFOGO para ver se a barra aliviava para o meu lado, mas o povo anda querendo distância da minha pessoa. Não deixam eu trabalhar direito! Isso aqui está virando uma torre de BABEL. Ninguém se entende. Estamos mais por fora que umbigo de ÍNDIO. E eu achando que a grama do VIZINHO era mais verdinha. Ledo engano. Pegaram-me igual MINEIRINHO. De mansinho. Hoje estou impossibilitado de chupar CAJÚ, andar de FERRARI, visitar meu PRIMO (outro), tomar CAMPARI e até meu gato ANGORÁ querem decepar. Ou seja, tá difícil. De qualquer forma não sou de TODO FEIO então peço sua compreensão, caro amigo Noel, para o meu pedido. Simples e fácil. Gostaria de um corte de pano. Tá vendo quanta facilidade?! Mas precisa ser bem forte pois com ele vou amarrar os pés da PF, amordaçar o Ministério Público, vendar o Moro, atar as mãos do STF e guardar o resto para uma Tereza. Afinal sou um homem precavido e as janelas da Papuda são altas pra caramba.

          No mais estimo felicidades ao pançudo amigo e votos de um 2017 igual a Lapônia. Mais frio.     

          Atenciosamente,

         

          TREM SEM MEDO

 

           

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 16 de dezembro de 2016

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

a mais bela tribo


A mais bela tribo

 

          Aurélio Marmelo era nascido em Brasília. Nos idos da década de 80. Cresceu escutando a geração de bandas de garagem que floresceram na capital naquela época. Pura rebeldia. Se ele pudesse escolher uma música para chamar de sua seria “Índios”. Cantava toda a letra de frente para trás e de trás para frente. Acalentava o sonho de um dia trabalhar com indígenas. Lia e relia as histórias dos irmãos Vilas Boas e compartilhava o ideal de preservação daqueles que eram donos primários da terra brazilis. Sonho de criança que com o passar dos anos foi enfraquecendo e se tornando lembrança. Ali guardada no fundo do coração.

          Dr. Aurélio Marmelo se tornou juiz de direito. Dos combativos. Peito aberto em defesa da lei e da ordem. Por muitas comarcas passou até que lhe caiu no colo uma oportunidade que o fez recordar seu sonho de infância. Tinha chance de ser lotado em um local lá para o norte do país. No meio da floresta amazônica. Teria a oportunidade de se aproximar da cultura indígena que tanto lhe povoou a infância. De mala e cuia seguiu viagem. Fora as dificuldades inerentes ao local, trabalhava com afinco. Mas nada de índios. Até que um dia apareceu. Uma demanda de invasão de terra indígena por madeireiros. Era o que precisava. Com todo seu cabedal jurídico fez uma peça ímpar. Usou até trecho de sua música preferida. “Quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante”. Estava orgulhoso do feito. Emitiu documento de reintegração de posse e imediatamente despachou para que fosse notificado o invasor e cumprida a liminar. Sem poder se conter de gozo, quebrando regras de segurança pessoal, pegou uma cópia do documento e foi até a tribo entrega-la pessoalmente. Foram dois dias de viagem até que chegasse ao seu destino. Esperara uma vida para ter aquela oportunidade e nada o impediria de vive-la.

          Cari Guarini foi o nome que recebeu quando chegou a tribo e explicou a todos os motivos de sua visita. Guerreiro branco era o que representava aquele forasteiro para os índios que ora comemoravam a vitória. Há muito sofriam com as constantes invasões dos madeireiros que destruíam sua floresta. Agora era momento de festa. E assim a tribo se voltou para comemorar e agradecer aquele branco que trazia alento ao povo tão sofrido. Foram dias e dias de festa. Assados de caça e bebida entorpecente. Dava gosto de ver um juiz de direito pintado com as cores indígenas e quase nu dançando em volta da fogueira. Parecia que voltava a ser criança. Não sabia nem distinguir os dias das noites de tanto torpor provocado pela bebida que lhe serviam constantemente. Um dia amanheceu amarrado a um tronco. Ainda não tinha recuperado totalmente sua altivez. Oscilava entre a consciência e o sono. Em seu estado mental confuso conseguiu ouvir do cacique que ele seria sacrificado e comido por toda a tribo. E que aquele ato deveria ser visto com grande honra pois só era realizado com grandes guerreiros. Em meio ao torpor e terror que tomou conta de Aurélio, as forças para reagir não lhe acudiram. Por final só conseguiu ver a fumaça da fogueira que era acesa para o seu banquete e escutou ao longe, bem ao longe, uma música que lhe soou familiar. “Quem me dera ao menos uma vez... como a mais bela tribo... dos mais belos índios... não ser atacado por ser inocente...”  

          Ronan Caveiro estava logo ali próximo, na espreita, para realizar o serviço encomendado. Trabalhava fazia muito de jagunço no negócio de extração de madeira. Não tinha muita noção da legalidade daquele trabalho, mas era o que enchia a barriga dos seus filhos. Assim, quando escutou do patrão, que um juizeco tinha emitido liminar para abandonarem as terras que estavam explorando, ficou possesso. Que mané ordem judicial o que? Aqui a lei é o riscado da minha espingarda. Assim sendo, convocou os outros companheiros do grupo e armaram tocaia na tribo. Iriam dar cabo de todos. Não sobraria nada para contar a história. Ali funcionava a lei da selva. Mas faria isso só daqui a pouco. Apesar de já ter visto o sinal de fumaça combinado com os companheiros para o início do ataque, ele esperava acabar uma música que escutava em seu rádio de pilha. Apesar de não gostar nenhum pouco de índios, admirava por demais aquela canção que tocava em meio a chiados de sintonia fraca. Quando acabar a música nós vamos para a lida. “Nos deram espelhos e vimos o mundo doente... tentei chorar e não consegui...”  

           

  

* essa é uma estória de ficção       

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 09 de dezembro de 2016

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

sobre heróis


Sobre heróis

 

 

          Já começo essa crônica afirmando que perderei metade dos meus leitores. Fui acometido de um surto de sinceridade. E esses rompantes costumam magoar algumas pessoas que em represália cortam os vínculos de leitura e comentários. Mas não posso, nesse momento singular da vida do país, deixar de expressar minha opinião verdadeira. Estão preparados? Vamos lá.

          O juiz Sergio Moro não é um herói.

          Pronto falei.  Mas antes de abandonarem o sincero cronista peço o crédito de escutarem, ao menos, as justificativas. Tenho visto, nos últimos tempos, manifestações de apreço e muitas vezes endeusamento do magistrado. Nada contra o juiz. Pelo contrário. Entendo que na maioria das vezes (grifo meu) ele tem agido de maneira coerente com sua função. Tem ajudado descortinar para a nação o câncer que carregamos desde o nosso descobrimento pelos portugueses. Doença essa que vem evoluindo e crescendo e que fatalmente levaria o país a falência se por esse caminho continuar a seguir. Mas daí a considerar o juiz como um semideus, salvador da pátria, curandeiro, santo ou qualquer coisa que o valha, é de um exagero profundo. Hoje noto um ufanismo exagerado nas redes sociais e nas manifestações que me deixam receoso. Da mesma forma que entendo ser uma evolução impar em nosso país quando pessoas que eram alheias a política começam a se interessar por tal, preocupa-me que tendam a resolver a situação histórica de maneira simplista. O problema da corrupção no nosso país é uma situação complexa e requer medidas do mesmo porte. A escolha de heróis e salvadores da pátria é um caminho errado. Não precisamos deles. Não os queremos. Necessitamos sim de cidadãos que cumpram seus deveres e cobrem seus direitos. Precisamos de funcionários públicos que cumpram a suas funções. Digo isso para retornar ao cerne da crônica. O juiz Sergio Moro tem cumprido sua função. O Ministério Público, com algumas ressalvas, tem cumprido sua função. Mas isso de forma alguma alça-os à categoria de suprassumo e isentos da lei. Pelo contrário. Devem ser cumpridores da lei. Porque de heróis já estamos fartos. De salvadores da pátria muito mais. Precisamos de cidadãos.            

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 02 de dezembro de 2016

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

chumbo trocado


Chumbo trocado

 

          Zé Meia Frase era matador. Aposentado. Já tinha juntado o suficiente do ofício para viver uma vida tranquila. Merecia descanso. A alcunha tinha lhe pregado por sua economia com o vocabulário. Duas ou três palavras antes de executar o encomendado da vez. Nunca terminava a frase. O cidadão não sabia nem do que tinha morrido. Nunca também fez serviço em ninguém que não merecesse. Estudava o passado do cidadão antes de aceitar o serviço. Era questão de honra. Dizia sempre: “não pego ninguém sem precisão”. Curto e grosso. Largado da agitação da pólvora vivia seus dias a picar fumo e cuidar da família. Tranquilo. Até que um dia cruzou em seu caminho um doutor da lei.

          Hermógenes de Andrada era promotor. Novo no ofício. Filho de família tradicional da capital. Herdara do pai juiz o nome e a fama de implacável. Em sua primeira lotação no interior agarrava-se a lei como uma tábua de salvação. Bom senso era uma palavra que não existia em seu dicionário. Abarrotava a mesa do juiz da comarca com ações e mais ações. Metia o bedelho em tudo. Era amado por parte da população que recorria a ele em caso de precisão e odiado pela outra parte que sofria com os cravos de sua espora. Culpados ou inocentes. Para ele isso era desvio padrão. Dizia sempre: “Não é nada pessoal. É somente o meu ofício”. Sempre com um sorriso no rosto. Surfava na onda da sua ascensão. Altivo. Até que um dia cruzou em seu caminho um matador aposentado.

          Costelinha era um pulguento que vivia na praça da matriz. Ficava ali sempre tentando angariar uma sobra de comida. Cara de cachorro pidão. Fazia parte da população da cidade. Faltava só a placa de patrimônio público. Um dia costelinha anoiteceu e não amanheceu. Esticou as canelas. Logo que descoberto começaram os boatos. Alguém tinha dado cabo do bicho. Correram atrás do promotor. O homem da lei se compadeceu. Como podiam ter dado cabo de criatura tão indefesa? Começou a investigação. Sempre que o caso exigia, fazia as vezes de polícia. Ia até as últimas consequências. No assunte ficou sabendo que Zé Meia Frase não gostava de costelinha. Foi ter com o aposentado para inquirição. O suspeito achou uma afronta aquele interrogatório sobre um assunto tão à toa e com meias palavras mandou o promotor ir caçar serviço. Afrontado, a autoridade decidiu que iria até as últimas consequências, mesmo não tendo certeza da culpa do cidadão. Processou, intimidou, mostrou, ridicularizou o réu por toda cidade. Fez um verdadeiro circo. Ao final perdeu. Descobriram que costelinha tinha comido osso de frango. Iguaria provavelmente caçada em algum lixo. E osso de frango mata cachorro. Perfura os intestinos. Público e notório. “Nem sempre se ganha todas” teria dito o promotor ao saber da absolvição. Mas Meia Frase também tinha perdido. Muito. O sossego, a dignidade, o respeito. Seus filhos eram apontados na rua. Sua esposa ameaçada pelos partidários de costelinha. Não teve solução. Arrumaram as trouxas e foram caçar rumo em outras paragens. Saíram da cidade no mesmo dia em que o promotor também o fazia. Tinha sido remanejado para capital. Seu grande sonho. Tudo estava seguindo seu destino até que os dois cruzaram-se no caminho.

          No posto de gasolina na saída da cidade, Zé avistou Hermógenes. Não aguentou e foi tirar satisfação. Com sua maneira sucinta peculiar, chamou o promotor na regulagem. Questionou o motivo da autoridade ter encasquetado com ele e acabado com sua vida. O promotor, que nem se lembrava direito do caso, deu de ombros e, com um sorriso sarcástico no rosto soltou a fala: “não pego ninguém sem precisão”. Foi o tempo de pronunciar a última letra para cair no chão devido a um buraco de bala no meio da testa. Não deu tempo nem de desfazer o sorriso. Recolocando a arma no coldre, Zé Meia Frase, desfazendo de uma fama antiga, pronunciou letra por letra: “Não é nada pessoal. É somente o meu ofício”.           

 

* essa é uma estória de ficção

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 25 de novembro de 2016

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Toupeira e outros animais


Toupeira e outros animais

 

          Donaldo Toupeira era rico. Muito rico. Dono da cidade. Tinha negócios de gado, lavoura e armazém. Para uma cidade do interior era muita coisa. Tinha tradições rígidas e conservadoras. Por isso foi presenteado com a alcunha de toupeira. Quando se tratava de tradição, família e propriedade, não via nada a sua frente. Era intransigente. Mulher com ele era na cozinha. E se não tivesse nos afazeres domésticos era da vida. Podia passar a mão e desrespeitar. Quando moço se gabava de ter deflorado a maioria das moças da cidade e arredores. Depois ia para mesa de boteco contar as aventuras. Gargalhava e zombava. Quando alguma delas lhe chegava prenha, mandava para a capital tirar a criança. Tudo na surdina. Tinha que manter a pose de guardião da família. Todos sabiam e ninguém sabia. Ai se alguém comentasse... comia o pipoco. Donaldo andava armado. Coldre sempre junto a costela. Só se separava da arma para comer ou se acossar com Dona Eslovênia, sua esposa. Mulher apagada. Restrita. Tinha dado à luz a uma filha somente. Catarina. Logo que a menina tomou corpo foi mandada para a capital para estudar e se fazer. Voltou para a cidade perto do fim da campanha para prefeito daquele ano. O pai resolvera se candidatar. Contra a vontade de muitos, mas a favor da vontade dele. Acreditava na sua capacidade. E ele tinha capacidade. Se havia ganho tanto dinheiro com negócios, podia muito bem administrar uma cidade. E ele gostava de sua cidade. Devia a ela sua fortuna e sua respeitabilidade. Fez uma campanha dura. Calcada nos conceitos que ele acreditava que a população queria ouvir. Fez compromisso contra o aborto a pedido do padre da cidade. Ganhou votos. Fez compromisso de liberação das armas a pedido do sindicato rural. Ganhou votos. Foi ganhando votos até que ganhou. Surpresa já que concorria com político tradicional da região. O povo havia se cansado. Ele era a solução. E ele daria uma solução. Na festa de comemoração muitos abusos foram cometidos. As ideias defendidas por Toupeira reverberavam pelos becos da cidade. Entusiasmo, álcool e excesso. Numa dessas, sua filha, que pouco conhecida era na cidade, foi abordada por um grupo de rapazes em comemoração. Queriam se divertir. Ela não queria se divertir. Eles se divertiram com ela. Ela, envergonhada, escondeu. Escondeu até onde pode. Não pode esconder a barriga. Teve que contar ao pai. Acessado de raiva Donaldo passou uma mão na arma e a outra em Catarina e saiu desembestado pela rua. Caçando quem havia feito mal a sua filha. Foi encontrar o grupo ofensor na Prefeitura. Todos eles trabalharam na sua campanha. Cabos eleitorais. Estavam a papear na porta da repartição pública discorrendo sobre as aventuras sexuais que haviam tido. Tal qual Toupeira fazia em sua juventude. Um filme foi passando pela cabeça de Donaldo enquanto os passos iam diluindo. Veio-lhe à mente a campanha e o acirramento das ideias. Reconheceu internamente que exagerara por diversas vezes, mas tudo em prol do objetivo almejado. Um bem comum. Pensou em sua disposição de amenizar após a vitória. Pregou a união. Lembrou. Chegou. A turma percebeu sua aproximação e os sorrisos foram se abrindo. Estavam diante de seu ídolo. A pessoa a ser copiada. Ele parou. Olhou. Entendeu. Julgou. Condenou. Sacou de sua arma, apontou para a própria têmpora e apertou o gatilho. Agonizou na praça em frente à prefeitura sobre uma poça de sangue vermelho. Cor de sua campanha. O sangue que molharia e sustentaria as ideias plantadas por ele ali naquela cidade de interior.    

 

* essa é uma estória de ficção

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 11 de novembro de 2016

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

quem tem medo do halloween?


Quem tem medo do Halloween?

 

 

          Não deixa de me impressionar nunca, a capacidade que as pessoas têm de criar polêmica. Em tempos de redes sociais então... parece gasolina em fogueira. Todo ano quando culminamos o mês de outubro começam as postagens sobre o halloween. A favor e contra. Invocam o saci, o papai noel, a mula sem cabeça, o curupira, os vampiros, as múmias e dezenas de outros mais para defender uma tese. Todos têm uma tese. De festa já incorporada a cultura brasileira até estrangeirismo imposto pelo colonialismo americano. Eu de cá da minha análise, só fico observando e rindo. Gargalho de ver o embate de opiniões efusivas em cima de um tema totalmente, a meu ver, insuficiente de conteúdo e propósito. Ou seja, acho uma perda de tempo incrível. Estamos importando tradições de outros países? A resposta é sim, mas o papai noel está aí para comprovar que certos cenários são universais e dificilmente os povos conseguem blindagem contra eles. E convenhamos, ninguém mais se lembra que o bom velhinho foi criado para fazer propaganda da Coca Cola (que é um patrimônio mundial). Essa importação mata a nossa cultura? Acho difícil. Apesar de sermos uma nação nova que incorporou pedaços de culturas de outros povos, já temos uma história bem solidificada. Por isso não se reocupem que o saci que com certeza sobreviverá.

          Ao final conto como funcionou comigo. Há uns três anos me fantasiei de coveiro (que na verdade representava meu ofício à época) e brinquei com meus filhos e vizinhos de condomínio. Sem maiores pretensões. Foi lúdico e divertido. Eles gostaram. Pediram que no outro ano fizesse novamente. Assim eu atendi com uma fantasia diferente. E assim se criou uma pequena tradição. Sem culto às imagens ou assassinatos de culturas. Tudo divertido, que no meu ponto de vista, é o objetivo a ser alcançado. Esse ano ficaram na apreensão para saber de qual personagem eu me vestiria. Juntou-se a meninada, e alguns adultos curiosos, na porta de casa. Ao som de thriller de Michael Jackson um lobisomem correu a assusta-los, apesar de já saberem de antemão que não passariam ilesos de um pequeno susto. E enquanto alguns se preocupavam em analisar a influência nefasta, ou não, do halloween, nós nos preocupávamos em nos divertir e comer doces. É claro.                  

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 04 de novembro de 2016

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Deus a bordo


Deus a bordo

 

          Min Sakura era dedicada. Vivia em função de suas duas paixões: o pequeno Yun e a profissão de aeromoça. Desde muito nova acalentava esses desejos. Ser mãe e voar. Dos aviões tratou logo de começar. Sob protesto de seus pais que queriam que ela fosse médica, logo que foi possível, se inscreveu em um curso de aeromoça em Tóquio. Mudou-se para capital para seguir seu sonho. Morava na casa de uma tia. Sua rotina era estudar e estudar. Só pararia quando estivesse trabalhando nos ares do mundo. Uma escala repentina na vida lhe apresentou Jun. Lindo. Dizia que era piloto de Boeing. Ela acreditou. Ele era mecânico. Ali na sala de aula do curso de instruções aéreas foi concebido Yun. Um baque. Balde de água fria nas pretensões da jovem ex aeromoça. Teria que parar tudo para cumprir o destino de criar um filho. Tomou como antecipação de seu sonho materno. Assim que tivesse condições voltaria ao ar. Assim o fez. Assim seu esforço foi recompensado com a profissão. Agora estava oficialmente no ar. Começou com as rotas mais atrapalhadas. Aquelas que ninguém queria. Ela queria. Foi subindo. Sempre que descia em terra seu tempo era para o pequeno Yun. Como ele crescia. Parecia que chegaria às nuvens. A mãe se desdobrava. Por vezes levava o filho em suas viagens só para não se desgrudar de sua educação. Determinada época, apareceu uma oportunidade imperdível. Um curso fora. Um salto na sua carreira. Mas precisava se ausentar dos cuidados do filho. Pesou todas as argumentações e com a culpa inerente às mães, resolveu abraçar o pulo profissional. Fez e foi recompensada. Promoção. Chegou na casa da tia, que havia cuidado de Yun em sua ausência, sedenta do filho. Abraçou, beijou e sem menos esperar escutou do pequeno um palavrão. Um palavrão! Aquilo lhe feriu a alma. Nunca tinha proferido sequer uma palavra atravessada em toda a sua vida e agora seu filho de pouco mais de oito anos falava aquelas atrocidades. Um punhal desferiu um golpe mortal em seu peito. Desnorteou. A culpa da ausência lhe matou. O que faria? No momento não podia fazer muito pois tinha que embarcar em voo para Manila nas Filipinas. Pensou rápido e ligou para uma amiga da companhia. Arrumou uma passagem para o filho. Não desgrudaria dele. Sob protestos a criança embarcou junto com a mãe. Ela trabalharia, mas de olho no pequeno sentado na poltrona. Matutava o que fazer. Como proceder para educar o filho que se desviara para um caminho inesperado. Inaceitável para sua criação rígida. Eis que no meio da viagem, pela madrugada, bateu-lhe uma ideia. Aproveitou que todos dormiam, menos o pequeno que se encontrava imerso no IPad, e resolveu atuar. Ligou o microfone de bordo sorrateiramente e começou a falar tentando deixar a voz mais grave: “Você que está sentado aí. Estão me ouvindo? É Deus quem fala. Estou muito descontente com os palavrões que anda falando”. O pequeno Yun se espantou. Olhava para todos os lados procurando o autor da voz. A mãe vendo que estava causando efeito continuou: “Se você não parar imediatamente com esses palavrões eu vou derrubar esse avião!”. Mais uma vez ela olhou para o filho, que não conseguia vê-la, e observou seu aceno positivo com a cabeça como se concordasse com o que a voz lhe ordenara. Pronto. Estava resolvido. Seguiu até o fim da viagem satisfeita com o resultado. Chegando em Manila esperou que todos desembarcassem para sair com o pequeno. Estampava um sorriso no rosto de missão cumprida. Nunca mais escutaria um palavrão da boca do filho. O que era uma pequena mentira, perto de um bem tão grande, não é? Quando desceu as escadas do avião passou por um aglomerado de pessoas que parecia estar em uma entrevista coletiva com alguém que descia do avião. Pensou que não teve disposição nem vontade de verificar se havia alguém importante no voo, devido à preocupação com o caso do filho. Diante disse desviou-se da turba que se amontoava em torno do cidadão e de mão dada com o filho seguiu feliz com seu broche de mãe estampado no peito.     

  

* essa é uma estória de ficção       

Manila, 28 out (EFE) - O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, prometeu parar de usar palavrões em seus discursos após ter recebido instruções de Deus, segundo informou nesta sexta-feira a imprensa local.
“Estava olhando para o céu quando Ele veio aqui. (...) Uma voz disse: 'se você não parar, vou derrubar este avião’, narrou Duterte, em uma coletiva de imprensa, ontem à noite, no retorno ao seu país após uma viagem oficial de três dias ao Japão.

‘E eu perguntei 'quem fala?'. Certamente era Deus. Eu disse para Ele que não falaria mais gíria e nem palavrões", afirmou o presidente filipino, de acordo com a emissora "ABS-CBN". (UOL notícias)

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 28 de outubro de 2016

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

como é que se diz "eu te amo"


Como é que se diz “eu te amo”

         

Esses dias atrás completaram-se vinte anos da morte de Renato Russo. Logicamente que passei o dia todo a escutar suas músicas. Relembrando. Eis que me aconteceu um fato estranho. Cada canção que escutava me remetia a uma fase da vida. Um momento. Uma recordação. E na singularidade de lembranças, algo era constante. A turma. A mesma turma. Formada na década de 80 no Colégio Agostiniano. Entre idas e vindas eles sempre estiveram presentes na minha vida.  

“O sistema é maus, mas minha turma é legal. Viver é foda, morrer é difícil. Te ver é uma necessidade. Vamos fazer um filme”. Fizemos um filme. O nosso filme. Crescemos e aparecemos. É verdade. Mas sempre que nos encontramos voltamos a ser adolescentes. Gritos, abraços, melodrama, posse, amor. Faltam só as espinhas na cara. Coisa de gente que se entende só de olhar. Olhamo-nos. Curtimo-nos. Ao vivo ou pelas redes. Um mundo à parte.

Todos os dias quando acordo. Não tenho mais o tempo que passou. Mas tenho muito tempo. Temos todo o tempo do mundo”. Naquela época achávamos que éramos imortais. Quanto engano. Mas muitos duvidavam da imortalidade de nossa amizade. Quanto engano. Resistiu ao tempo e a distância. Somos poucos em muitos lugares. Somos todos no mesmo lugar. Sempre. Com certeza a Lei do Tempo, inexorável, fez com que o mesmo passasse para todos, mas ela, a amizade, parece resistir a corrosão da lei temporal. É mutável mas ao mesmo tempo original. O andado dos ponteiros do relógio marcou nossas faces mas ainda resta todo tempo do mundo para sermos amigos.

“Esse é o nosso mundo. O que é demais nunca é o bastante. A primeira vez é sempre a última chance”. Muitas vezes nos escondíamos dentro do próprio colégio para estar mais perto. Como se deixássemos de ser grudados alguma hora do dia. Ficávamos ali uns olhando para os outros as vezes sem dizer nada. Uma palavra. Várias palavras. Em um grito uníssono que levava a sermos descobertos. Batíamos em fuga procurando outros lugares para esconder. Esse era o nosso mundo. Quanto mais perto mais perto. Resistíamos aos dias e as noites. Parecíamos brincar com a tempo. E era o tempo que brincava conosco. O que para muitos parecia demais, para nós não era o bastante. “Será só imaginação? Será que nada vai acontecer? Será que é tudo isso em vão? Será que vamos conseguir vencer?”. Será? O que era dúvida virou certeza. Realização. Cada um a sua maneira se tornou gente. Gente boa. Resistimos a separação. Mas continuamos nos procurando. Nos falando. nos vendo. Voltando a ser o mesmo corpo. A mesma turma. Só usando de muita imaginação. De muita emoção. De muito coração. “E nesse dias tão estranhos” enquanto escuto Renato Russo, bate uma vontade irresistível de estar junto deles e dizer o quanto eu os amo.        

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 21 de outubro de 2016

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Minha maior professora


Minha maior professora

 

          Diz o ditado que citar a mãe no discurso tem que ser no final, porque aí começa o choro e dá-se por encerrado a oratória. Eu preferi arriscar. Já começo no modo power de emoção. Hoje falarei de mamãe. Esperem que vou ali enxugar as lágrimas e já volto. Falo dela porque se aproxima seu aniversário. Coincide com o dia dos professores. E aí me coloquei a pensar numa maneira de homenagear os professores e não achei melhor. Falarei da maior. Da melhor. Da que me ensinou a viver. Pausa para enxugar as lágrimas de novo. Vamos lá.

 

1)    Mamãe me ensinou a ser observador.

 

Lá em casa o costume era viajar à fazenda nos finais de semana. Coisa de família goiana. Quando criança era super legal, mas foi chegando a juventude e as festas passaram a ser mais atrativas. Em um determinado momento solicitei aos meus pais que eu pudesse ficar na cidade ao invés de ir a fazenda. Só algumas vezes para não ser o excluído da turma, o que não ia as festas e outras chantagens emocionais baratas. Depois de muito tentar deu certo. Depois de recomendações mil deles, consegui ficar sozinho em casa. Aí vinha o capeta e chamava todos os amigos para uma festinha de comemoração. E aí o fim de semana explodia em alegria. No domingo à noite, minha mãe chegava e só comentava: Fez festa em casa né? Foi animada? Eu ficava intrigado pois tinha apagados todos os vestígios que caracterizasse algum tipo de aglomerado de pessoas. Isso foi uma, duas, três vezes. Muitas vezes. Quebrava a cabeça para descobrir de onde ela tirava essa informação. Cheguei a acreditar em sexto sentido de mãe. Foi quando um dia ela me contou. Lá em casa tinham alguns tapetes na sala. Esses tapetes tinham franjas. Quando ela saia na sexta-feira, penteava as franjas. Quando voltava no domingo, as mesmas estavam todas despenteadas. Muita gente transitando. Conclusão: festa. Vejam se não é um ensinamento precioso esse da observação?!

 

2)    Mamãe me ensinou a adaptação.

 

Eu era daquelas crianças chatas para comer. Inimigo número um das coisas verdes. Daqueles que ficava com o prato todo cheio de salsinha nas bordas. Cebola, alho, cheiro verde, frutas, folhas... nada disso fazia parte do meu cardápio. Sem falar na carne cozida, costela e essas proteínas que não tem aparência de bife de filet. E como uma boa mãe, a minha tentou à exaustão mudar essa atitude. Por vezes com paciência, explicação e algumas com a chinela na mão. Mas nada que desse jeito. Quando passei na faculdade fui estudar no Campus da UFG. Longe absurdo. Período integral. Pensa se mamãe dava dinheiro para almoçar em algum lugar decente para meu nível de exigência?! Não! Hora de aprender a se adaptar. Comer no Restaurante Universitário. O famoso bandejão. Aí é que o filho chora e a mãe não vê. É cada quitute que vem no seu prato... dava saudades imensas da carne de panela da mamãe. Bem temperada com cebola e cheiro verde. Hummm... deu água na boca. Muitas vezes tive que matar a carne no meu prato por achar que a mesma ainda continuava viva. Pois foi que aprendi a Lei da Adaptação. Hoje como quase tudo graças a mamãe.

 

3)    Mamãe me ensinou a ser comedido.

 

No idos da década de 80, todos eram fã de Michael Jackson. Pelo menos a maioria. Na época que ele ainda não tinha inventado aquela pataquada de ficar branco. Tempos de Billie Jean e Thriller. Ficava horas na frente da TV assistindo os clipes gravados em VHS (meu pai trouxe um vídeo cassete da Zona Franca de Manaus que pesava meia tonelada) e tentando imitar seus passos. Depois ia para as festinhas e não ia para a pista dançar de vergonha. Um certo dia a escola onde eu estudava, por conta da febre do break, lançou um concurso de dança. Pronto. Era o palco que eu podia exercitar a minha prática em MJ sem passar muita vergonha. Foram acontecendo as classificatórias do concurso e eu fui passando até chegar na final. Foi quando fiz a proposta à mamãe. Queria fazer permanente no cabelo para ficar com os cachos igual ao pop star (não acredito que estou contando isso numa crônica). Ficar igual um poodle, sabe?! De qualquer forma minha mãe, muito sábia, não permitiu. Lançou mão do gumex (quem não souber do que se trata procura no google) e fez os cachos. Ganhei o concurso e preservei meu cabelo. Olha se isso não é uma lição de parcimônia e equilíbrio. Sem isso hoje eu poderia estar careca.

 

Ao final penso que daria um livro se juntasse todos os ensinamentos que recebi de minha mãe. Na verdade, eles se transformaram em um livro de história. A minha história. E agora a história dos meus filhos, porque se ela foi uma grande mãe (e ainda o é), imaginem o quão grande avô ela não se tornou?! Além de tudo isso uma filha amorosa e presente. Uma esposa companheira e leal. Sempre franqueando a todos os que estão próximos, não somente seus filhos, a bondade e amabilidade que sempre lhe foram característica. Espero mamãe (é assim que ela gosta de ser chamada), que todas essas coisas que me ensinou com tanta paciência tenham me tornado, ao menos, metade de tudo que você é. Se for assim já estarei satisfeito. E vamos parando por aqui que preciso enxugar minhas lagrimas.  

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 14 de outubro de 2016

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O Rio de Janeiro continua


O Rio de Janeiro continua (Não entendi esse título, papai)

 

          Tem uma pequena de onze anos aqui em casa, que descobriu que o pai escreve crônicas. Resolveu que quer escrever uma em conjunto. Sendo uma boa ideia, resolvido está. Então não estranhem qualquer coisa que saia do contexto a que estão acostumados, porque o que se segue está escrito a quatro mãos. Uma crônica em dueto.

Lembro-me como se fosse hoje a primeira vez que desci no Rio de Janeiro. Até porque não tem muito tempo. Pouco menos de duas décadas. Assim que a aeronave se aproximou da cidade começou a tocar o “samba do avião” do Tom e uma luz diferente invadiu as minúsculas janelas do aparelho. A visão do Cristo Redentor, `Pão de Açúcar, Ponte Rio-Niterói e os incontáveis recortes de costa e mar serpenteados pelos morros, faziam jus as inúmeras canções que tinha ouvido sobre a cidade. Realmente ela era bela. De perder o folego de tão bela. O piloto do avião parecia, numa liberdade poética, achar o mais lindo ângulo para pousar, enquanto as máquinas fotográficas tentavam captar um átimo daquela embasbacante beleza. Ainda hoje não consigo deixar de ficar estupefato quando desço no Galeão ou Santos Dumont. Penso que os portugueses quando chegaram àquelas terras pela primeira vez (logicamente que não de avião), devem ter sentido o mesmo que eu senti e que muitos brasileiros e estrangeiros também.

Essa semana estive lá novamente. Estivemos lá. Passeio em família. Pegamos dias nublados e chuvosos. Nada que encubra a beleza da cidade (Não pudemos ir à praia infelizmente). Estando sem praia, o jeito é improvisar. Museu de História Natural na Quinta da Boa Vista para uma injeção de História (os meninos adoraram). Museu do Amanhã na Praça Mauá e uma ode de Santiago Calatrava ao futuro. Feijoada no Bar do Mineiro em uma das ladeiras estreitas de Santa Tereza. Teatro infantil itinerante (divertido) no Museu das Ruinas. Passeio do revitalizado bondinho nos arcos da Lapa (parece mais montanha russa). Café da manhã de barão no Parque Lage (com direito a todas as comidas do cardápio. Uma delícia). Não bastasse a quantidade de opções de beleza natural a se visitar, encontramos uma profusão de história, tradições, gastronomia, cultura, tudo misturado num caldeirão e temperado com o bom humor do carioca.

Fico imaginando aqui com meus botões (não sei o que significa essa expressão) como foi difícil a mudança da capital para Brasília. Imagino também o emburro (risos) que os funcionários públicos, habituados ao mar, ficaram ao se deslocar para o planalto central seco e quente. Como é difícil abandonar aquela cidade. Ainda mais depois de uma olimpíada que cuidou tão bem do Rio (mas teve muita coisa que não mudou). Mas, em contraponto, temos que convir que eles vivem por lá em uma dicotomia diferente do restante do país. A convivência com o tráfico de drogas e a contravenção é mais constante. Mais próxima. Faz parte do cenário. Tudo se mistura. E também não contamos aqui, as inúmeras administrações populistas e experimentais que colocaram a cidade em maus lençóis. Há tempos sofrem com isso. Pensando bem tinha tudo para dar errado. Mas parece que ao final tudo de bom e ruim se mistura. Tudo se apazigua. Tudo acaba sendo abençoado e perdoado pela estátua branca de braços abertos sobre a Guanabara. E o Rio continua lindo.   

 

ps. Entre parênteses estão as impressões da coautora. Riscado estão os trechos que a coautora vetou por achar chato. Ela queria que encaixassem as palavras “unicórnio” e “coxinhas” no texto, mas não achei onde.        

      

    

Guilherme Augusto Santana e Helena Costa Santana

Goiânia, sexta feira 07 de outubro de 2016

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

sobre mocinhos e bandidos


Sobre mocinhos e bandidos

 

         

Essa semana estava matando tempo e resolvi fuçar no Netflix à procura de entretenimento barato e fácil. Passando os olhos na seção documentários me deparei com o “Buena Vista Social Club”. Gosto demais. Apertei o play.

As cenas de Havana e dos músicos liderados por Compay Segundo chamaram a atenção de meus filhos que se encontravam no mesmo ambiente, porém com os olhos no iPhone e similares. Cometi o erro (ou não) de contar sobre o embargo econômico à ilha, ao tentar exaltar a importância daqueles músicos para a cultura de Cuba. Pronto. Estavam abertas as portas para as perguntas. E do tipo que não tem jeito de responder sem fazer uma linha histórica. Vamos a ela.

Procurei de maneira simplificada, e tentando prender a atenção dos meninos, explicar alguns fatos históricos para melhor entendimento. Falei da revolução ocorrida na Rússia em 1917 e suas consequências na divisão do mundo entre capitalistas e socialistas (nesse trecho eles particularmente se interessaram muito pelo fuzilamento do Czar Nicolau II e sua família). Entrei no pós segunda guerra mundial e o imperialismo das nações vencedoras com a formação da União Soviética. Passei pela revolução de Cuba liderada pelos irmãos Castro e Che Guevara, mostrando o alinhamento do país ao bloco socialista e consequente embargo econômico por parte dos Estados Unidos e aliados. Cheguei a guerra fria onde as potências latiam horrores, mas não chegaram a morder (por pouco), e nesse interim toquei de leve no assunto das milenares guerras no oriente médio com fundo religioso e econômico bancadas pelas grandes potências imperialistas.

Logicamente que as mentes infantis não conseguem conceber muito bem as motivações das guerras, embargos econômicos e jogos de war da vida real, então os protestos foram inevitáveis ao fim da explanação. Tentando contornar a revolta, parti para dar a boa notícia. A de que o Presidente Obama tinha, ao final de 2014, iniciado as tratativas para derrubar o embargo econômico à Cuba. Pude perceber naquele momento, o brilho nos olhos deles quando falei do Presidente americano e lembrei-me do seu último e fantástico discurso na ONU proferido essa semana. A falta do peso nas costas como líder da maior potência do mundo está lhe fazendo bem. E fazendo bem também ao planeta. Seus discursos e principalmente seus atos históricos, ao final do mandato, tem mostrado o quanto o pensamento infantil deveria ser levado em consideração. Fatos como embargos, guerras, intolerâncias de qualquer ordem simplesmente não deveriam existir porque não fazem sentido. As crianças não veem lógica nisso e nós adultos teimamos em contextualizar e tentar justificar aquilo que não tem explicação. Talvez por isso Obama seja tão idolatrado entre as crianças. Não como um super-herói que pilota caças supersônicos e parte para a guerra defendendo seus cidadãos contra russos, alienígenas e extremistas religiosos. Isso é muito anos 80. Mas simplesmente como alguém que tem questionado aquilo que nunca fez sentido. Logicamente que num mundo real onde não existem bandidos e mocinhos, isso possa parecer uma utopia. Concordo. Mas hão de concordar também, que o mundo seria bem melhor se visto sob essa ótica lógica das crianças. Bem melhor.                   

         

              

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 23 de setembro de 2016

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O homem nu


O homem nu

 

           

          Essa semana foi marcada pela nudez masculina. Coisa ainda pouco comum mesmo para os dias contemporâneos. Diferentemente da feminina, que povoa desde sempre a História da humanidade, a dos homens causa uma certa estranheza e com certeza comentários volumosos. A bola, quer dizer, as bolas da vez foram atribuídas ao deslize do modelo e pescador Paulo Zulu. A foto do nu frontal pipocou nas redes sociais e causou uma avalanche de notícias, comentários, mêmes e suspiros. Eu mesmo não era para ter visto (e nem queria) a tal foto. Porém ela apareceu como por milagre em um grupo do WhatsApp. Sem nem direito meu a querer baixa-la ou não. Simplesmente ela apareceu. E o pior é que foi no grupo restrito da família onde se encontra minha santa mãezinha e minhas irmãs (dedurei). Coisa constrangedora. Mas no meu caso simplesmente olhei, fiz uma piada daquelas inerentes aos homens e passei. Mas não me furtei a refletir sobre a vergonha do autor da foto. O personagem principal. Não entrarei no mérito de aos cinquenta e poucos anos de idade o cidadão conservar um corpo exemplar. Não é essa vergonha que estou falando. Refiro-me ao fato de, mais uma vez, a celeridade das redes sociais ter colocado em saia justa uma pessoa pública. E a vergonha vergonhosa de ter sua intimidade exposta assim de forma tão escancarada. Mas tenho certeza que será uma vergonha passageira. Logo outro famoso comete o mesmo descuido e a fila anda. Assim esperamos e acredito também que assim espera o Zulu.

 

          Outro cidadão que foi pego com as calças curtas, ou melhor, sem as calças essa semana, foi nosso ex Presidente Lula. Despido de maneira Hollywoodiana pelo Procurador Deltan Dallagnol e colegas. Uma exposição pública vexatória com direito a gráficos, círculos e setas enfáticas mostrando todo o esquema de lavagem de dinheiro de que é acusado o ex Presidente. Não entrando no mérito da questão de culpabilidade do indiciado e nem do exagero político que cometeu o Ministério Público Federal, senti vergonha de ver aquele homem público ser exposto daquela maneira. Mas diferentemente do nosso personagem do primeiro parágrafo, a vergonha não esteve presente na atitude do segundo personagem de nossa crônica. Os choros dos mesmos ocorreram de forma igualitária, porém com motivações diferentes. O primeiro de vergonha e o segundo de retórica. Mas independente das reações, os dois foram expostos em sua nudez para todo um país espiar como num Big Brother da falta de vergonha. Ou o excesso dela. De qualquer forma, no caso do Zulu, espero que ele se recupere, continue tocando sua vida e nunca mais apareça em pelo na minha timeline. Já em relação ao ex Presidente espero o contrário. Que não esqueçamos de conferir os detalhes de sua nudez e tenhamos, como sociedade, temperança e sabedoria de puni-la se a mesma restar comprovada criminosa.                

 

 

 

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 16 de setembro de 2016

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

adaptação, eis a questão


Adaptação, eis a questão

 

          Principio a crônica de hoje com uma cena forte. Aqueles que têm estômago fraco o melhor é se retirarem da sala. Imaginem um domingo de manhã com toda sua família deitada na cama assistindo TV e tomando café. Aí numa dessas de atravessar de um lado para o outro do quarto, seu dedo se encontra com o pé da cama. Agudo. Imaginaram? Mas não foi o dedinho não. Aquele que Deus fez com sistema de articulação dupla para aguentar esse tipo de topada. Foi o dedo vizinho ao dedão. Esse mesmo. O que não sabemos nem o nome de tão insignificante se faz em nossas vidas. Pois bem. O barulho foi de algo quebrando. Olhei para cama em busca das caras dos expectadores. Todos me olhavam com emoji de espanto. Experimentei todas as cores do arco íris e sensações no estômago. Dor. Mas capaz de não ser nada. Tenho que adaptar. Improvisamos uma tala com palito de picolé, calcei o sapato e partimos para um almoço de comemoração. Besteira. A dor me enviou ao pronto socorro. Raio-x. Fratura. Imobilização. Ainda bem que não engessam mais. Agora usa bota ortopédica. Tira a bota toda hora. Dá até para dirigir. Fácil. Engano. Piorou. Muleta. Sem colocar o pé no chão. Tempo incerto. Mas como vou dirigir? Trabalhar? Levar meus filhos na escola? Tomar banho? Nesse momento senti-me um inválido. Um saco de carne jogado dependendo da boa vontade de outrem. Inútil. Pensamento de desistência. Foi aí que me lembrei das Paraolimpíadas do Rio que se iniciam por esses dias. Recordei-me de uma reportagem que havia assistido há pouco de uma ciclista brasileira paraplégica. O esforço hercúleo que ela e a família fizeram para se adaptar ao esporte. À vida. Vítima de um acidente de carro. Reportagem de chorar dias sem parar. Horas de tristeza e horas de alegria. Qual o ingrediente principal ela utilizou para seguir a vida? Adaptabilidade. Uma das Leis Universais. Inexorável. Independente de fatos trágicos e obtusos, o ser humano necessita se adaptar. Quer seja a situações físicas ou psicológicas. Adaptação para evoluir com ser humano. Aqui sentado nesse computador poderia ficar horas escrevendo e lamentando sobre as limitações desse meu estado precário. Mas não o farei. Lembrar-me-ei, em todos os momentos de fraquejo, dos atletas paraolímpicos e principalmente daquela ciclista. De sua adaptabilidade, resiliência e força de vontade. E se precisar subir no pódio, o farei. Mesmo que seja de muletas e com a ajuda dos que ao meu lado se encontram.

 

Boa sorte aos atletas paraolímpicos em mais esse desafio. Vocês já são campeões.   

Guilherme Augusto Santana

Goiânia, sexta feira 02 de setembro de 2016